domingo, 27 de novembro de 2011

Se a oliveira falasse…

Por volta de 1940, as terras de S. Vicente da Beira pertenciam, em grande parte, a três casas agrícolas: Casa Conde, Casa Cunha e Visconde de Tinalhas. Na altura da azeitona, contratavam camaradas para a colheita. Uma camarada era um grupo de homens e mulheres, dois homens por cada mulher, que colhia a azeitona para um médio ou grande agricultor, a troco de um décimo da produção: de cada dez alqueires de azeite, um alqueire (13,5 litros) era da camarada. No final da campanha (colheita), o azeite era distribuído por todos os membros.
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:

- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


Os da outra camarada respondiam à letra:

- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:

(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:

Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece


Ou

Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia


A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:

(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!

No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.

Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).

5 comentários:

Francisco disse...

Ola,
Gostaria de curiosidade, saber a exacta localizacao das referidas casas.

Obg pela atencao.

Mcpts
Francisco

José Teodoro Prata disse...

Francisco:
Envie-me uma mensagem para o endereço de e-mail que está no cabeçalho do blogue e depois combinamos.

Ernesto Hipolito disse...

So meu amor fosse Antoino
Mandavó ingarrafar
Em garrafinhas de vidro
Para o sol o não queimar.

Os amores dázeitona
São como os da cotovia
Acabada a azeitona
Vai-te com Deus ò Maria


Ai, aiai, aiai.
E.H

Qudrineto do Conde da Borralha disse...

Nesta singular vila onde sempre houve uma grande tradição/produção de azeitona de onde se obtinha o precioso azeite para temperar o tradicional bacalhau com couves e batatas que todos nós gostamos! Para a moagem dessa azeitona havia pelo menos 8 lagares ao longo da vistosa e formosa ribeira! Atualmente não há nem um, o que é pena, mas são as consequências, não da modernidade mas sim das politicas dos nossos governantes, bem mas isso agora não interessa! Mas pelo menos podiamos ter um lagar museu, o GEGA, a junta de freguesia e todas as entidades públicas e privadas deveriam-se unir e recuperar o antigo lagar da "Natevidde Lino"!

Qudrineto do Conde da Borralha disse...

Ah! E já agora o Prof. também podia fazer um pequeno grande livro sobre os lagares desses tempos, da plantação e origem do olival nesta vila, da colheita e trasnporte da azeitona ...! Enfim, quem melhor que o Prof. para fazer esse livro! Aqui fica pelo menos a idéia!