domingo, 30 de junho de 2013

Almas penadas

A propósito de luzes que aparecem durante a noite, contaram-me a seguinte história:

Ali para os lados da Partida havia uns lameiros que pertenciam a várias famílias. Cada uma delas semeava a sua parcela e, para regar, repartiam a água do ribeiro por horas, de acordo com o tamanho do terreno. A alguns calhava terem que regar durante a noite e lá iam às escuras ou, quando muito, levavam uma lanterna para alumiarem o caminho.
Uma dessas parcelas pertencia a um homem que morreu e quem continuou a cultivar a terra foi a mulher.
Passado algum tempo depois da morte do marido, numa noite de lua nova, apareceu uma luz à viúva que lhe disse o seguinte: 
“Mulher, eu sou o teu homem e ando a penar ao tempo no purgatório. Para de lá sair, tens que mandar fazer duas cruzes, uma entre a Partida e os Pereiros e outra entre a Partida e o Vale da Figueira”. 
A mulher, de poucas posses, demorou algum tempo a cumprir o desejo do marido e, por isso, todos os dias em que ia regar à noite avistava a mesma luz. Quando finalmente pode mandar fazer as cruzes, a luz deixou de aparecer e o homem terá finalmente chegado ao céu.
Diz-se que as cruzes lá estão ainda. Nunca as vi, mas um dia destes já vou confirmar…

 M. L. Ferreira

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembro-me perfeitamente. Teria aí os meus 8/9 anos. Ainda não havia eletricidade na Vila. Diziam que aparecia uma luz, à noite, para os lados dos Aldeões. Os meus avós paternos tinham lá uma 'sorte'. A luz aparecia ali muito perto, nos Aldeões do padre Tomás, no meio das mimosas e pinheiros a cerca de 100 metros da estrada e, pelos vistos, era avistada por quem ali passava à noite. Alguém logo disse que podia ser o bispo D. João de Deus Ramalho, à data já falecido. Outros diziam que era uma brincadeira feita por alguns rapazes ou homens da Vila, com sentido de humor; que não queriam, obviamente, ofender ninguém mas, simplesmente, divertir-se um pouco à custa do povo. Portanto, havia várias versões sobre os acontecimentos.
O que é certo é que o caso tomou proporções de uma autêntica romaria noturna.
Uma vez ouvi dizer ao meu tio João, em casa dos meus avós paternos que, se o Padre Tomás o incumbisse da tarefa, ia lá e perguntava à luz : "Se és uma alma do outro mundo diz o que queres; ouviria o que ela tivesse para me dizer e transmitiria o seu desejo ao padre"... Este recurso ao padre não se devia ao facto de a luz aparecer nos Aldeões, de sua propriedade; isso era apenas uma coincidência; a razão prendia-se com o facto de o Padre Tomás ser, à época, o poderoso pároco de S. Vicente da Beira e a autoridade na matéria.
Ao outro meu avô (do Casal da Fraga) que também lá foi, ouvi dizer um dia, com um certo gesto de menosprezo: "fui lá; não vi nada"!
Isto é: nunca ninguém conseguiu saber, ao certo, o que se passou. Pode bem ter sido um resineiro (como foi dito neste blog) que por ali passou de bicicleta (com dínamo e lâmpada) ou com uma lanterna manual de pilhas. E alguém, ao passar na estrada, o terá avistado espalhando a notícia da luz na povoação e que, durante um verão, foi o tema do dia, na Vila, a pontos de toda a gente falar dele. Mas o fenómeno morreu como nasceu: incógnito como um boato. E acho que não passou disso.

Zé Barroso