quarta-feira, 30 de julho de 2014

Testamento de Manoel Pires



Disposição que faz Manoel Pires, do casal do Violeiro

Diz que crê nas três pessoas da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo e que entrega a sua alma a Deus que a criou e a remiu com o seu precioso sangue.
Primeiramente, deixo à minha alma quarenta missas. Item por alma de meus filhos, cinco. Item por alma da minha mulher, cinco. Item ao Anjo da minha guarda, uma. Item pelas penitências bem dadas e mal cumpridas, duas. Item às onze mil virgens que acompanham a minha alma, três. Item a São Marcos, uma. Item à Senhora do Bom Sucesso, uma. Item à Senhora da Póvoa, duas.
Item às almas benditas que me acompanham, meio alqueire de milho. Ao Santíssimo Sacramento, meio alqueire de milho. Ao Senhor do Bom Fim, meio alqueire de milho. À Senhora da Conceição, meio alqueire de milho. À Senhora do Rosário, meio alqueire de milho. Ao Santo Cristo, meio alqueire de milho. A São Pedro, meio alqueire de milho.
Deixo a melhor véstia que tenho a meu irmão Joze Pires. Deixo a Manoel Martins coxo umas polainas e uns calções, tudo já usado. Deixo a Manoel Pires filho de meu irmão ... . Deixo umas camisas de estopa a meu sobrinho Joze Fernandes e uma capa já usada. A meu irmão Pedro deixo uma camisa de estopa. Deixo a meu genro Ivo Joze uma capa de pano. Deixo a meu filho dois côvados de pano. Deixo à minha neta das Rochas de Baixo duas varas de pano de linho. Deixo à minha filha um lençol e um cobertor branco. E mais doze varas de pano que deixo a meu filho Manoel. Mais uma camisa a Joze Fernandes. Deixo mais a meu filho Manoel uma terra no sítio do Vale de Maria, avaliada em cinco mil réis.

E por não saber ler nem escrever…

25 de setembro de 1801

...

Notas:
- A primeira prova que tínhamos do início do cultivo intensivo do milho, nesta região, datava das Invasões Francesas (1807-12). Mas esta é anterior.
- A vara e o côvado eram as medidas lineares mais usadas, na época. O vara corresponde a 110 cm e o côvado a 66 cm. Manoel Pires deixou 14 varas + 2 côvados de pano. Seriam perto de 17 metros de pano. É muito tecido! Teria um tear em casa, para tecer o linho produzido nos lameiros ribeirinhos. Em 1758, a zona de Almaceda (próxima do Violeiro) produzia muito linho. A de São Vicente não seria inferior, mas destinava-se, em grande parte, à fábrica que a Real Fábrica dos Lanifícios da Covilhã tinha em São Vicente.
- Roupas de Manoel Pires: pano de linho, cobertor branco, lençol, polainas, uma véstia (jaqueta), camisas, calções e capa. Em 1801, o nosso povo ainda não usava calças.
- Bens imóveis de Manoel Pires: propriedade no valor de 5$000 réis.
- Quantidade de milho que deixa à Igreja; 3 alqueires e meio (7 meios alqueires). A Senhora do Bom Sucesso (Padrão?) e a Senhora da Póvoa ombreavam com a Senhora da Orada (que não é referida).
- Missas encomendadas: 60 (deixou dinheiro para elas, não referido)

José Teodoro Prata

3 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Hugo Martins:
Já completei, obrigado.

Anônimo disse...

Estes testamentos são documentos interessantíssimos sobre o modo de vida e a mentalidade de uma época.
Para além dos aspetos já referidos nas notas do José Teodoro, acho especialmente notável o facto de uma pessoa, pelos vistos com algumas posses, deixar em testamento roupas já usadas. Provavelmente teríamos hoje um mundo bem mais sustentável se esta prática se tivesse mantido. Mas o que mais me impressiona é o enorme peso de religião na vida e morte das pessoas: «…deixo à minha alma quarenta missas.» Grande manifestação de fé ou de temor pelos pecados cometidos…
Interessante, também, a referência às onze mil virgens. Faz lembrar outras crenças…
Quanto à Senhora da Orada, a que se deverá a omissão? Será que já era venerada na altura? (pringueirice minha, que podia investigar…).

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Este documento tem apenas pouco mais de 200 anos!
A Senhora da Orada é um espaço sagrado há mais de mil anos, segundo apontam algumas fontes.