domingo, 14 de agosto de 2016

O nosso falar: cães

Hoje reponho o conteúdo de dois comentários que poderão ter passado a muitos leitores.

Jaime Lopes, Dias escreveu, na sua Etnografia da Beira, que os do Louriçal do Campo chamavam Cães da Vila aos de São Vicente.
Eu esclareci que também os vicentinos usavam esse termo.

Os nossos antigos também usavam esta expressão, referindo-se a todos os poderosos, não a cada um isoladamente, mas quando estavam ou vinham em grupo, normalmente de fora da terra ou misturados com a elite local.
Por exemplo, os membros da Junta de Freguesia de São Vicente ou um ou mais grandes proprietários locais nunca eram chamados cães, quando em separado. Mas se houvesse um evento que os juntasse, mais ao presidente da Câmara, mais o Governador Civil e o Bispo, então já eram chamados cães. Há nesta expressão a ideia de matilha (de poderosos) que leva tudo.
Aplicar-se a expressão aos de São Vicente, é natural por parte dos do Louriçal, pois foi da Vila que lhes vieram, durante séculos, as imposições judicial e fiscal, entre outras.


O leitor Gama enviou há dias um interessante estudo (levantamento) sobre o nosso falar:

A riqueza de uma comunidade costuma perceber-se num primeiro contacto com o modo de falar dos seus habitantes. Na terra existe um falar muito próprio, interessantíssimo, sobretudo na população feminina. Deve destacar-se em primeiro lugar na pronúncia a troca do b pelo v, melhor dizendo, a existência apenas do som b (baca, binte, biba, binho);a troca do a pelo e (Salguerel, amenhê) e cumulativamente do u pelo o (bureco; busquer; correl; róber; espinguerda; espatruquer = diz-se dos animais que saltam brincando, bater o pé na brincadeira, dar pinotes; despulguedo = aquele que sente fome; estrilhedo = barriga encolhida; escarrefocedo = despenteado) ou ainda do e pelo a (estramunhado = aquele que acordou à pressa).
Entre o vocabulário usual - popular, regional ou até local - devemos destacar: aguintar (deitar fora, atirar), ataquero ou batoque (criança demasiado pequena para a idade), borrifol (criança maldosa), chisna (sol quente), bandobudo (barrigudo), dazorro (de rastos), escadelecer (dormitar), engrolar (cozer à pressa), esgrogolar (beber), tósseira (ervas com muitos pés), farrabraz (homem capaz do bem e do mal), granhola (homem pouco hábil), grabanadas (rajadas de vento e água), ingremenço (invenção, criação), lapachero (lamaçal), lam-berca (rapariga deslambida), morrinha (chuva miudinha), mártele (mártir), mangerona (mulher desleixada), machorro (pequena mata ou arbustos bastante juntos), mechegra (dobradiça de porta ou arca), ó pialém, ó piaquém, ó despois, pramorde (por mor de), polina (grande concentração de insectos, animais ou pessoas), pringa ou pringueira (criança na vadiagem), parriba (para cima), pirrónico (pessoa com mau humor, embirrento, mal disposto), pochena (barraca, cabana), sarópeda (bátega de água), sapoula (nevoeiro intenso), scumássim (tenho de estar de acordo, do mal o menos), quintéso (enquanto, mas), tartaranha (mulher atrapalhada), tranqueta (fe-cho), chamiço (graveto), garraipo (galho), charamuga (acendalha), nanho (sem jeito para nada), escarapeado (pão com ocas no seu interior), redolho (o que vem atrasado, fora do tempo, tardio, serôdio).


José Teodoro Prata

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