segunda-feira, 2 de abril de 2018

A morte de Jesus

Há um ano, li o Novo Testamento, de Frederico Lourenço, um especialista em grego, professor da universidade de Coimbra, que está a traduzir a BÍBLIA, procurando reconstituir a versão original dos textos do livro sagrado dos cristãos. Na introdução que ele faz e com outro livro que lera anteriormente (O Domínio do Ocidente, de Ian Morris, um historiador judeu), fiquei com a convicção clara de que a renovação do judaísmo, pregada por Jesus, constituiu tal ameaça aos interesses do clero judaico que este teve de o matar para sobreviver. Aliás, na história conhecida de Jesus, contada nos Evangelhos, há um constante confronto entre Jesus e a elite religiosa do seu tempo.
É o que se defende neste interessante artigo, que muito contribuirá para aumentar a nossa cultura religiosa.
Encontrei-o em:
https://www.imperativoonline.pt/2018/03/31/jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/

Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema
 
Nesta Páscoa, transcrevemos um artigo do blog Caminho Pra Casa. Um artigo exclusivo de um dos maiores biblistas vivos, o frade italiano Alberto Maggi. A tradução é do padre brasileiro Francisco Cornélio. No texto, Maggi procura dar uma nova versão sobre a morte de Cristo.

Segundo o autor, os Evangelhos são claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres de Israel. Jesus não inaugurou o tempo da culpa, mas o da misericórdia e o da vida plena para os pobres.
A íntegra do artigo a seguir (em português do Brasil.)
Por Alberto Maggi   | Tradução: Francisco Cornélio

Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).
Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados!
Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.
No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.
A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.
A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).
Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.

“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…
O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48).
Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).
Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.
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Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontifícias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de JoãoNossa Senhora dos heréticos
Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado

Há anos, com o Album Cabeças no Ar, Rui Veloso, Tim, Jorge Palma, João Gil e Carlos Tê brincaram com o tema, tentando atualizar o primeiro confronto entre Jesus e os doutores do Templo. O resultado foi Jesus no Secundário: 
 https://www.youtube.com/watch?v=mQ9-ykfZpw8
 Fechem os olhos e ouçam...

José Teodoro Prata

6 comentários:

M. L. Ferreira disse...

Era assim em Israel, no tempo de Jesus. E conveio à Igreja construir e perpetuar a versão de que tinha morrido por causa dos nossos pecados, para manter os privilégios e fontes de rendimento ao longo do tempo. De contrário, como é que poderiam acumular as riquezas que ainda hoje possuem? Deve ser um pouco dentro desta lógica que aparecem as “igrejas “ e seitas que têm crescido um pouco por todo o lado.
Que pena que textos como estes sejam tão pouco divulgados!

M. L. ferreira

José Barroso disse...

Também tenho o primeiro livro do Frederico Lourenço, professor em Coimbra. Já estão também traduzidos os outros livros da Bíblia. Não é teólogo. E isso é bom. Nenhum texto deste autor põe em causa as fontes conhecidas. Desde logo, os acontecimentos do Cristo histórico, no âmbito das traduções feitas pelos teólogos. E, se calhar, nem podia pôr, porque os textos, mesmo no original, já tinham um cunho teológico. Isto é, quem primeiramente os fixou, talvez Lucas, já encarava tais acontecimentos num enquadramento religioso. Porque viam em Jesus o Messias.
Para a maioria dos Judeus, o Messias era o salvador político de Israel, esperado do Antigo Testamento. Para os apóstolos e para os outros milhares que se iam convertendo, Ele era o Messias Prometido, mas numa aceção religiosa. Porquê? Sobretudo pelas obras realizadas. Com efeito, os textos do Novo Testamento, quer nas traduções laicas, quer nas religiosas estão cheios de prodígios. São essas as obras (pode dizer-se, milagres) que foram presenciadas por multidões. A esse respeito, na dúvida sobre se haviam de crer n’Ele ou não, dizia: “ ‘…o Pai que está em Mim é que faz as obras … crede-me ao menos por causa das mesmas obras’. ” Jo. 14-10,11.
Este é um primeiro aspeto da questão.
Em segundo lugar, sobre este tema, já se fala há dois mil anos! Quem sou eu para, nesta matéria, em concreto, afrontar qualquer teólogo, seja Alberto Maggi ou outro qualquer? Ainda assim, os textos estão aí para serem analisados.
Ora, quando se diz que Jesus foi morto, não pelos nossos pecados, mas por questões económicas, creio que isso não corresponde à interpretação mais aceitável. Pelos motivos que vou tentar aduzir.
Jesus Cristo, foi morto por duas razões: uma religiosa, outra política.
A razão religiosa é patente nos textos, quando Ele é interrogado, salvo erro, por Caifás (cito de memória): “És o Filho de Deus?”. E Ele: “Sou”. É esta a razão religiosa da sua condenação, por blasfémia.
A outra razão é política. O económico é uma consequência do político e subordina-se a este. Jesus aparecia como um agitador que ameaçava a estrutura encabeçada pelo Sinédrio. E, neste sentido, pode dizer-se que o político está intrincado no religioso (com os interesses económicos inerentes). Pois, o Sinédrio era um órgão que interpretava a Lei religiosa, mas também representava os Judeus junto de Roma, que detinha o poder político por Pilatos. E este também colaborou na execução, apesar de ter lavado as mãos! Logo, razão religiosa e razão política.
Uma coisa parece evidente: se aceitarmos uma razão religiosa e uma política (sem esquecer a razão económica), temos que admitir que a Sua morte pode ter sido (e para os crentes foi, também) pelos nossos pecados. Ao contrário do que diz Maggi. Se o Pai não queria a morte do Filho, porque a razão da Sua morte, segundo o mesmo Maggi, foi exclusivamente económica, que adianta isso? Se o que sabemos é que ela foi, de certeza, perpetrada pela maldade dos homens, fosse qual fosse a razão?
A leitura económica que faz este frade a respeito dos textos evangélicos, é semelhante à que faz o marxismo a propósito da História. Ora, sabemos que o homem, no seu percurso histórico, nem sempre agiu por motivos exclusivamente económicos. A comprová-lo estão todas as guerras religiosas que se travaram ao longo dos tempos.
Abraços.
JB.

José Teodoro Prata disse...

Libânia:
Penso que a coisa foi recíproca, pois muito daquilo em que a Igreja Católica se tornou deveu-se à pressão dos crentes para que fosse como eles estavam habituados e não como os primeiros chefes religiosos defendiam. Exemplo: o Cristianismo é teoricamente monoteísta, mas teve de aceitar a divindade dos santos e da mãe de Jesus, por imposição dos crentes, habituados que estavam, no Império Romano, a ter um deus para cada coisa. Com a riqueza terá sido a mesma coisa: os primeiros séculos foram de partilha (comunhão), mas foi despertando a gula que tornou a Igreja medieval em algo abjeto, corrigido depois com o aparecimento dos franciscanos e outros movimentos religiosos que tentaram restaurar o espírito primitivo da Igreja; projeto que ainda não está concluído, considerando a opulência em que vivem certos cardeais que se opõe ao papa Francisco.

José Barroso:
Uma coisa é a análise das fontes sob o ponto de vista histórico, outra é a fé. Penso que uma análise histórica rigorosa não exclui, nem desvaloriza a fé, antes a reenquadra.

Unknown disse...

As elites instaladas, nomeadamente a sacerdotal viam naquele homem alguém que tinha a coragem de os enfrentar através do ensinamento de uma nova doutrina que em muitos aspectos era discordante da religião estabelecida
-Amai-vos uns aos outros
-O meu reino não é deste mundo...
-Tu és o rei dos judeus?
-É por ti mesmo que dizes isso, ou disseram-te outros por Mim?
Pilatos respondeu: porventura sou judeu? A tua nação e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim: que fizeste?
-A minha realeza não é deste mundo, se a minha realeza fosse deste mundo pelejariam os Meus servos para que eu não fosse entregue aos judeus
Disse-lhe Pilatos:-Logo Tu és rei?
-Tu o dizes! Eu sou Rei! Para isso nasci e para isso vim ao mundo...
João 33/34/35
Quando alguém tenta fazer frente a interesses instalados, quando alguém tenta a mudança muitas vezes é desencorajado, até mesmo eliminado
Filho de um carpinteiro que ensinava no templo, onde os vendedores faziam os seus negócios, ter coragem de os expulsar... São acções que se pagam, mais cedo ou mais tarde...
J.M.S


Anônimo disse...

De tudo isto o que me parece mais preocupante é ultima período do texto:"O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina".
Daqui se pode concluir que a via é o crescimento espiritual que mais não é que o crescimento da fraternidade humana e da solidariedade, que decorre da receita: - amai-vos uns aos outros.
O mundo sofre hoje de uma cobiça nunca antes vista. É o que nos dizem os dados sobre a concentração da riqueza e da corrupção e a vós teólogos pergunto: o que vai ser desta humanidade tão pobre e solitária? Será que as dinâmicas dos movimentos de solidariedade humana, proteção ambiental e animal irão infletir o rumo da refração?
FB

José Barroso disse...

Zé Teodoro: sobre a análise rigorosa dos factos e os métodos de análise, tentarei responder-te depois, porque vim à vila podar umas videiras e não tenho tempo.
Abraços.
JB