domingo, 6 de maio de 2018

1895


O final do mês de Agosto aproximava-se. A caminho da vila, vindo dos Pereiros, uma criança ao colo da madrinha senhora Ludovina Maria; juntamente com o padrinho, João Martins, o pai Manuel João e demais familiares. Passaram as passadoiras e no calvário trocaram as alpergatas, entraram na igreja, esperava-os o senhor vigário. A mãe Benvinda Saraiva ficou em casa a por a mesa para os familiares e demais convivas.
- Qual o nome que ides dar à criança!
- Maria, responderam os padrinhos.
Os avós, José João, Antónia Maria; António Dias e Ana d`Oliveira Saraiva; não puderam vir, a idade não perdoa.
No mesmo dia vinte e oito de Agosto, sábado; outra criancinha recebeu o baptismo.
Tinha sido encontrada por Angelina Marques na véspera, exposta na freguesia de Louriçal do Campo.
Ao passar na rua ouviu o choro de uma criança, aproximou-se; embrulhada num pequeno lençol estava uma menina deixada ali, por quem?
João da Silva Lobo e Maria da Trindade, naturais da vila, fizeram a caridade de serem os padrinhos.
O vigário voltando-se para eles perguntou:
- Qual o nome que ides dar à criança!
- Maria Luiza, responderam.
(…) Sacristão, subiu as escadas da torre sineira pegou nos badalos dos sinos tangendo-os fortemente.
Eram dois os anjinhos…
Artesãos, ferreiros, ferradores, latoeiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, comerciantes, taberneiros, ganhões… Cada um na sua profissão servia a população da vila e do concelho trabalhando com denodo e perfeição.
A Câmara abria e fechava pontualmente à mesma hora, funcionários atendiam com simpatia e atenção os munícipes.
Iniciava-se o mês de Setembro do ano 1895, as uvas estavam a ficar maduras, na Fonte Velha encontravam-se pipos que os donos enchiam de água para que as aduelas inchassem para mais tarde receberem o vinho novo.
Nas adegas trabalhadores entendidos amassavam sebo, com ele tapavam fisgas que encontravam nos pipos, nas dornas; limpavam, verificavam as vasilhas, os tonéis…
As festas em louvor do Santíssimo Sacramento, Senhor Santo Cristo e Senhora do Carmo estavam à porta, assim que findassem, a maioria das gentes começavam a vindimar.
Entretanto, em Lisboa o governo entendeu que devia fazer nova reforma administrativa, diziam eles que ainda havia concelhos a mais para o tamanho da Nação.
Vai daí, estenderam um mapa de Portugal em cima de uma secretária e começaram a riscar aqui, ali, este concelho, aquele.
Assim; no dia 7 de Setembro do ano 1895 o conselheiro de estado, ministro e secretário dos negócios do reino João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco riscou do mapa, um dos mais antigos concelhos de Portugal.
O edifício camarário ficou entregue aos ratos, a vila foi perdendo o esplendor de outrora, os quadros debandaram, os mais capazes seguiram as pisadas e a vila aos poucos foi perdendo população.
As pessoas influentes não mexeram uma palha.
Assim que as autoridades da vila tiveram conhecimento aqui-del-rei; colocaram panos pretos no pelourinho, no edifício da Câmara, na Fonte Velha…
Não houve força ou vontade para que a justiça fosse reposta.
Eis a vila…
No dia 8 de Setembro, logo a seguir ao terrível e inesquecível dia, uma criança de nome Maria, natural de S. Vicente da Beira, filha de António Mateus e Henriqueta de Jesus, era baptizada pelo vigário António Pires Antunes. Nasceu em 23 de Agosto.
José, filho de Cipriano da Silva Lobo e Emília Maria, moradores no Casal da Fraga; recebeu o sacramento do baptismo no dia 16 de Setembro. Nasceu no dia 23 de Agosto do ano 1895.
As crianças, assim que ouviam os sinos, dirigiam-se para a porta dos pais da criancinha, os mais abastados lançavam algumas guloseimas, da janela para a rua, (até moedas). No espaço mais nobre da casa, familiares e amigos saboreavam saborosas vitualhas, não faltava a canja de galinha, o arroz de galinha, batatas fritas… num açafate enfeitado com um alvo pano de linho havia esquecidos, bolos de leite, cavacas, borrachos, minutos, pão-de-ló, fofo e saboroso.
Fumegante, uma cafeteira cheia de chá era posta em cima da mesa, os comensais bebiam, cavaqueavam, comiam doces, confraternizando uns com os outros.
Enquanto a criança não fosse baptizada, o quarto onde dormia tinha que ter sempre uma luz acesa, se por algum motivo se apagava, entrava num berreiro, só se calava quando voltavam a acender o candeeiro.
A mãe, por vezes sentia um grande peso em cima dela, era o demónio; assim que a criança era baptizada, o sossego entrava naquele lar, o menino passava a dormir soninho descansados e já não havia necessidade de...
Não queria terminar esta minha carta epistolar sem mencionar os últimos dois casamentos que se realizaram no concelho de S. Vicente da Beira.
O primeiro aconteceu na igreja paroquial, no dia 18 do mês de Julho do ano 1895; José Lopes, o noivo, tinha 22 anos de idade, natural da Partida; Maria Justina, a noiva, tinha 19 anos e era natural do Vale de Figueira; Joaquim António Bartolomeu e Antónia Freire eram os pais do noivo; Domingos Costa e Justina Antunes, os pais da noiva; António Pires Antunes, o pároco.
O último casamento que aconteceu no ainda concelho envolveu os nubentes André Agostinho e Maria da Conceição, ambos naturais de S. Vicente da Beira, e realizou-se no dia 4 do mês de Setembro.
O noivo tinha 25 anos de idade e era filho de João Agostinho e Maria Casimira. A noiva, de 22 anos de idade, era filha de Bernardo A. Robles e Sabina da Conceição. Testemunharam o ato matrimonial os senhores Felisberto Monteiro e Aires Raposo. António Pires Antunes oficializou a cerimónia.
Assim terminaram oitocentos anos de autonomia municipal, a partir desta data a vila transformou-se numa simples freguesia.
Os primeiros noivos que casaram após a extinção municipal foram Joaquim Domingos e Maria Pires. No dia 23 de Outubro receberam-se por marido e mulher na igreja matriz de S. Vicente da Beira. Ele tinha 22 anos de idade, natural do Tripeiro, filho de Joaquim Domingos e Felícia Tereza. A noiva, 25 anos de idade, natural da Partida, filha de José Pires e Maria Ana. Apadrinharam a cerimónia Domingos Antunes e Joaquim Antunes.
Meus senhores e minhas senhoras, eis aqui transcritos os nomes dos últimos noivos que casaram antes da extinção do concelho e os primeiros que casaram na igreja matriz após… embora todos tivessem nascido no antigo concelho de S. Vicente da Beira.
Outros tempos, outros costumes e crenças.
Fiquem bem!

J.M.S

2 comentários:

M. L. Ferreira disse...

Tantas guerras para quê, se, como me diziam ainda há poucos dias, continuaram a pagar altas contribuições e tinham que ir pagá-las a Castelo Branco?
Também me contaram que, mesmo antes de 1895, já tinha havido outras ameaças de acabar com o concelho em São Vicente . Contam que uma vez, um grupo de pessoas se dirigia para Castelo Branco com intenção de o entregar. Quando já iam para lá da fábrica cruzaram-se com outro grupo que perguntou ao que iam. Responderam os de cá que estavam fartos de intrigas e já não queriam saber do concelho para nada; os de Castelo Branco que se arranjassem. Os que vinham de lá argumentavam, como podiam, que não senhor, que o concelho fazia cá falta e era uma grande asneira ir entregá-lo. Como o sol abrasava e nunca mais chegavam a acordo, resolveram abrigar-se à sombra de um castanheiro que havia ali perto e continuarem a discussão. Por modos os de cá terão ficado convencido com os argumentos dos outros e voltaram para trás. Por causa disto, o castanheiro onde se tinham abrigado ficou conhecido por "O castanheiro do concelho".
Não sei se é muito verosímil esta história, mas parece que o castanheiro existiu mesmo, até vir a praga e levá-lo...
M. L. Ferreira

Unknown disse...

De vez em quando o meu pai falava neste tema (O seu avô paterno, Caetano dos Santos; "meu bisavô", foi o último carcereiro da vila, certamente teria muito que contar)
Em vez de um castanheiro, parece que era um sobreiro dos que existiam no alto da fábrica
A minha sogra, de vez em quando também falava na sobreira do concelho.
Nos Aldeões existe uma "pessérra", era conhecida pela pedra do concelho
Pessoas do Louriçal do Campo, durante algum tempo deslocavam-se à vila, ficavam ali sentadas...
Os campónios quando iam para as hortas diziam-lhes para irem para as suas casas...
-Belmonte, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão, voltaram a ter oa suas câmaras
-Um notável da vila, foi chamado ao Governador Civil para que o concelho também fosse restaurado
Não valia a pena...
-Sabem que mais! existem três classes de gente
Homens; homenzinhos e hominhos
Castanheiro ou sobreiro, pouco importa.
Certo, certo
-O concelho abalou
e nunca mais voltou.

-O concelho saiu
Nunca mais ninguém o viu.
J.M.S