sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A violência nas escolas - algumas questões


Fala-se hoje muito de violência: violência doméstica, contra os idosos, violência infantil, no desporto ou no meio escolar. Trata-se de situações que, não sendo novas, têm hoje uma abordagem diferente e constituem uma preocupação para toda a sociedade (aquilo que até há relativamente pouco tempo era legitimado culturalmente é hoje considerado crime público). Esta preocupação é, certamente, um sinal de evolução civilizacional.
       Nos últimos tempos são quase diárias as notícias que dão conta de situações de violência nas escolas, seja entre alunos, de alunos contra professores, de professores contra alunos e até de pais contra professores. Não sendo fácil identificar todas as causas, e muito menos encontrar a solução para este fenómeno, convém pensarmos um pouco sobre ele.
       A diversidade social, económica e cultural que passou a caracterizar as nossas escolas depois do 25 de Abril, com o alargamento da escolaridade obrigatória para todas as crianças e adolescentes, os fluxos migratórios vindos de África após a descolonização e, mais recentemente, de alguns países de Leste, asiáticos e Brasil, imprimiram à população escolar características altamente heterogéneas.
       Esta heterogeneidade, podendo constituir um factor positivo, tem confrontado a escola com problemas para os quais não estava preparada. De facto, entre o modelo tradicional de escola, no qual o professor era o único detentor do saber e do poder, e o modelo de escola democrático que tem vindo a implementar-se, muitas coisas mudaram, mas muito está ainda por fazer.
De entre as razões que podem ajudar a compreender os problemas que ainda se verificam em muitas escolas, poderemos salientar as seguintes:
·   Confunde-se muitas vezes democracia com falta de liderança e de autoridade que, como sabemos, são fundamentais no processo educativo de uma criança, quer se trate da educação familiar ou escolar.
· Atribui-se actualmente demasiada importância à educação escolar das crianças esquecendo-se o papel educativo da família. Os pais, por falta de tempo ou outras circunstâncias quaisquer, demitem-se muitas vezes do seu papel, deixando à escola a responsabilidade pelo processo educativo dos seus filhos e culpando-a quando não há sucesso, quer em termos do aproveitamento, quer do comportamento. Por outro lado, acontece também que quando os pais querem participar são muitas vezes incompreendidos e mal aceites pela escola, dificultando-se ou desmotivando-se a sua participação.
·   As turmas são demasiado grandes, na maior parte dos casos, o que dificulta o desenvolvimento de metodologias de trabalho individualizado ou diferenciado que permita responder às necessidades individuais e à diversidade dos alunos.
·   A formação de base e contínua dos professores talvez não se tenha adequado às novas exigências da profissão, e a mobilidade do corpo docente, aliada às frequentes alterações da legislação, também não dá a segurança e a motivação necessárias ao desenvolvimento de práticas inovadoras e galvanizadoras do interesse dos alunos.
·   As escolas, confrontadas com exigências legais, burocráticas e de cumprimento do currículo, (considerados demasiado longos e pouco motivadores), para além das dificuldades financeiras, têm poucas oportunidades para desenvolverem projectos inovadores (por exemplo clubes em diferentes áreas) que motivem, estimulem e respondam às necessidades e interesses dos alunos.
·   As instalações escolares são, por vezes, espaços degradados, frios e desumanizados, onde não apetece permanecer, e que incitam à violência e destruição.
·   Os pais têm cada vez menos tempo para estarem com os filhos, e por isso não conseguem regular o seu quotidiano: têm dificuldade em assumir-se como referência, dando atenção e afecto, mas também impondo regras e limites. Sem tempo para negociar, os pais tendem a satisfazer no imediato os desejos dos filhos, não permitindo que eles desenvolvam capacidades de resistência às frustrações nem aprendam a valorizar aquilo que têm. Esta situação pode levar a uma insatisfação permanente, à tristeza e à revolta.
·   O facto de as crianças e adolescentes viverem cada vez mais fechadas no seu mundo, entregues a actividades solitárias, à televisão ou, mais recentemente, à internet, sem grandes oportunidades de brincar ou conversar com os seus pares, pode dificultar o seu processo de descentração, autonomização e socialização, impedindo que aprendam a ver e aceitar o ponto de vista dos outros, e dificultando o processo de auto regulação do comportamento.
·   A natural tendência que as crianças e adolescentes têm para a transgressão das regras e a contestação da autoridade, quer se trate da autoridade paterna ou do professor: quando não encontram regras firmes, claras e coerentes que possam balizar o seu comportamento, crianças e adolescentes podem transgredir até ao limite, entrando em conflito com quem se lhes oponha.
·  A dificuldade que algumas escolas ainda têm em encontrar percursos alternativos para os alunos que, não estando motivados para o modelo de escola que lhes é oferecido, têm que permanecer no sistema por vários anos. Esta situação é potenciadora de conflitos e pode levar ao abandono escolar e posterior exclusão social.
Estas serão algumas das razões pelas quais a escola, adquirindo cada vez mais importância para a formação e educação dos indivíduos, quer em termos de preparação para o mercado de trabalho quer em termos de preparação para a vida, continua a ser muito desvalorizada por um número significativo de crianças e de jovens. Este desinteresse tem consequências inevitáveis tanto em termos do aproveitamento como do comportamento, podendo levar à violência. 
       Num mundo individualista e competitivo, como é o que temos ainda, torna-se necessário que as famílias e a escola, ajudadas por um quadro legal adequado, se articulem na definição do modelo de educação que querem para os seus filhos e alunos. Terá de ser, necessariamente, um modelo democrático e afectuoso de ensino no qual, através de regras e limites claros, mas também flexíveis e humanizados, eles possam ir adquirindo os saberes disciplinares, mas também as atitudes, valores e competências necessárias à convivência e participação social. Desta forma, a criança irá construindo a sua autonomia, mas simultaneamente a interdependência e capacidade de cooperação com os outros, fundamental à vida em sociedade, quer seja na família, na escola ou na comunidade mais alargada.

Maria Libânia Ferreira

2 comentários:

José Barroso disse...

Nunca estive ligado ao ensino pela perspectiva do professor, mas sempre pela do aluno. Por esta, ainda hoje estou porque, como diz o ditado, "aprender até morrer". Logo, não sou a pessoa indicada para falar com autoridade sobre o assunto, visto que nunca o olhei, precisamente, sob o ponto de vista que creio ser o mais importante: o da pedagogia e da docência.
E aqui, se calhar, para alguns, começa logo a polémica que é saber a escolha que se deve fazer (e que deve prevalecer) para abordar o problema. Costumo ter uma posição de princípio que é muito clara: sobre um assunto, devemos deixar falar os entendidos.
Caramba, isto é tão simples!
Não foi assim toda a vida? Então nós vamos ao médico para fazer uma operação ao coração e, depois de tudo preparado, pomos lá o mecânico a fazê-la?! Da mesma forma, julgo que, nesta matéria, quem deve falar são os pedagogos e os professores. É preciso é que eles estejam de boa fé e queiram (como certamente querem), o bem dos seus alunos.
Em consequência, acho que os pais devem ter a sua quota parte na educação (familiar) dos filhos, mas, na escola, penas deviam ter um papel auxiliar e colaborante com os professores para se obterem os melhores resultados.
Eu, de modo nenhum quero o ensino do antigamente em que o aluno era muitas vezes enxovalhado na sua dignidade pelos castigos a que era sujeito. É preciso fazer-lhe entender que ele, mesmo sendo uma criança ou um jovem, tem dignidades, tem direitos e deve ser respeitado. Mas é preciso firmeza e autoridade, porque a juventude (e nós já por lá passámos), como diz a Libânia, tem tendência para transgredir, dada a sua natural irreverência. Ora, compreender essa irreverência e até, em parte, tolerá-la, não é sujeitarmo-nos a ela a ponto de deixar que crie indisciplina e violência! Pois, como se sabe, pela sua própria fase etária, a criança e o jovem estão em formação; ou seja, não conhecem nem respeitam as regras como (normalmente) faz um adulto com a sua maturidade.
É claro que a massificação do ensino trouxe outros problemas como, por exemplo, a heterogeneidade étnica e o classismo, etc. (embora eu pense que houve e haverá sempre classismo social). Seja como for, ainda bem que o ensino se tornou democrático pela via da generalização! Isso é bom. Só temos é que saber enfrentar esses novos desafios. É isso que parede difícil.
Mas, para concluir, acho que a questão está mais (ou está fundamentalmente) na falta de autoridade na escola; concretamente, na falta de autoridade dos professores, porque lhes foi retirada. E isso, basicamente, é que provoca a maioria dos outros problemas pelo menos no que concerne à violência escolar. A maioria da profusa legislação sobre a vida escolar é inócua porque a questão está, creio eu, na falta dessa firmeza. É, no entanto, necessário que essa autoridade tenha uma face humana.
Quanto ao insucesso escolar, ele tem uma nuance própria. E aqui não há fórmulas mágicas. Ele decorre da própria generalização do ensino. Mas podemos e devemos tentar minorá-lo sem, contudo, deixar de exigir um mínimo de saber aos alunos, sob pena de desonestidade de todos nós para com eles.
Abraços, hã.
JB

Anônimo disse...

O maior problema da Escola nos nossos dias é o da substituição da familia e da falta saídas para quem não tem interesse nenhum em lá andar, que é perfeitamente legítimo. Então o que sucede é tem que aturar uma data de cavalgaduras que não fazem lá nada e só lá permanecem porque ninguém sabe o que lhes fazer
A Escola tornou-se a grande família institucional para o sector jovem e o princípio que se interiorizou é: A Escola que os ature. As familias passam o tempo a trabalhar para ganhar uma miséria (os jovens já pouco se procupam com casamentos e filharadas) que é o que efetivamente produzimos. Como dizem os numeros.
O País anda enredado nisto há anos e ninguem quer saber. Talvez a Joacine nos traga alguma luz sobre os nossos defeitos, é capaz é de demorar algum tempo a explicá-los, que sobre as virtudes todos sabemos quais são. E se não se lebrarem é perguntar ao Sr. Presidente da República que nos conhece como ninguém e é uma pessoa acessível.
E com esta me fico.
FB