segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O nosso falar: astro, fato e garfos

Os fins de semana de um agricultor de fim de semana têm coisas curiosas. Há dias surpreendi-me com uma palavra que me saiu da boca sem que eu me lembrasse sequer daquele nosso significado. Foi ao pequeno-almoço, bem cedo, claro não tão cedo como naquele ano que eu passei em casa, tinha o meu pai regressado de França, e íamos, eu, ele e a minha mãe, alumiados pelas estrelas, madrugar às Quintas, em volta de uma fogueira, à espera que se visse para começar a colher azeitona.
A minha mulher falou-me da previsão do tempo para esse dia, mas eu rematei: O que interessa é como o astro está! Fui à rua e olhei o céu. Estava limpo, sinal de um grande dia de azeitona.
Depois, no olival, tanto falava em fato como em garfos, não estando eu a provar roupa, nem sentado à mesa a almoçar. E ria-me sozinho, naquela terra alheia, a pensar no pragmatismo dos nossos antepassados que, com um vocabulário limitado, usavam as palavras conhecidas dando-lhes diferentes significados. Ali estava eu, ou melhor, o meu cérebro, herdeiro dessa tradição linguística.

A foto é de Monchique, Algarve, do blogue https://sarrabal.blogs.sapo.pt/68734.html

José Teodoro Prata

4 comentários:

M. L. Ferreira disse...

É verdade, a frequência com que as nossas memórias mais remotas vêm à tona quando menos esperamos. Ainda há dias, queixando-me de dores nas costas, dizia «Ando derreada de todo.» Até eu mesma me espantei porque não me lembro de ter usado o termo alguma vez, mas devo tê-lo ouvido com frequentemente. Deve ser também o caso de astro, fato ou garfo que o artigo refere. Sobre fato, quase toda a gente que segue o blogue deve saber, mas, para os mais novos, fica a explicação: para além de designar o conjunto de saia e casaco ou calça e casaco usado por mulheres e homens, e as mantas que se estendem no chão para apular a azeitona, o termo aplicava-se também aos cobertores e mantas que se punham na cama. Agora chamamos-lhe apenas “edredon”. Mas é a simplificação/empobrecimento da nossa língua a funcionar...

José Barroso disse...

E ainda dizem que são precisos grandes temas (como, por exemplo, a morte) para se poder filosofar! Longe disso! Pois, uma simples congeminação sobre as coisas mais insignificantes é o suficiente para um texto ou uma conversa.
Quando, em 2013, saiu neste blog um texto da minha autoria com o título, "O Renegado (III)", escrevi: "A chuva amainara, mas percebia-se que o ASTRO permanecia nublado."
Diz-se que, em sociedade, afivelamos várias máscaras, segundo o contexto de cada palco; e, com efeito, parece que assim é. Mas penso que nunca poderemos fugir completamente às nossas origens que nos marcaram indelevelmente para toda a vida. Ainda bem! Porque isso é rico e diverso; e é o que distingue cada grupo de pessoas em comunidade; e, em cada grupo, cada um dos indivíduos.
Quando, naqueles sentidos, falamos de "astro" referimo-nos ao aspecto do firmamento, pois "astro" normalmente significa "corpo celeste", independentemente da classificação destes em estrelas, planetas, etc.
Na colheita da azeitona temos o "fato" ou as "mantas" que servem para aparar a azeitona. Veja-se o que seria apanhar toda a azeitona do chão, caso não tivéssemos o fato! Ora, fato pode significar "fato de vestir" (tradicionalmente com três peças: calças, casaco e colete). Por isso no Brasil lhe andam a chamar "terno", chamando, por sua vez, "fato" ao "facto" (português). Por causa destas trocas e baldrocas e do novo acordo ortográfico (matéria para outras ocasiões), cheguei a ver sentenças judiciais (portuguesas, claro) onde se dizia: "O autor não provou os fatos". E eu, para mim, a pensar que o homem se tinha esquecido de ir ao alfaiate...!!!
Falta-me falar sobre o "garfo". Penso que o sistema linguístico tem, necessariamente, muitas palavras cuja origem foi procurada na prática diária, segundo as circunstâncias da experiência geral, concretamente, do trabalho e de acordo com o aspecto da própria realidade, da luz, das sombras, dos sons etc. E em todas as línguas isso acontece. Por exemplo em castelhano (para mim não existe espanhol!) eles dizem "ventana" (janela) e não é difícil perceber a origem desta palavra: "vento". Em inglês também não é difícil adivinhar a origem de "to ring", que significa o toque do telefone ou da campainha e do respectivo som.
Portanto, o que é que acontece? Creio que quando o ZT se refere aos "garfos", estará a falar dos "garfos" da oliveira; ou seja, as hastes, as vergônteas, etc. E, de facto, há um tipo de enxertia que é a "enxertia de garfo" justamente quando estes são utilizados para esse efeito. Esses garfos têm hastes, varas, etc que fazem lembrar um garfo de mesa. É claro que eu não faço a mínima ideia de qual destes garfos nasceu primeiro; nem agora irei verificar. Mas, de uma maneira ou de outra, um sugeriu o outro ou vice-versa. E com isto tudo verificamos uma coisa: é a riqueza, a experiência e a prática dos nossos antepassados a funcionar.
E, para já, chega de conversa!
Abraços, hã!
JB

Anônimo disse...

O Zé Barroso fez-me lembrar o Teotónio Louvadeus na sua cardenha da Serra dos Milhafres, ao borralho, a remoer ódios velhos e a cogitar no modo de se vingar do Bruno Lêndeas...
Essa é que é essa...
FB

José Barroso disse...

Ó T'Chico: quando é que arranjamos aí uns (e umas) amigo(a)s e vamos à cardenha (que era da Maria José Gata e agora é tua) e nos pomos à roda de uma boa bou(t)cha, enquanto é inverno?! No verão também pode ser, porque estamos à sombra! E aquele sítio vale sempre a pena pela paisagem! Em qualquer caso, trataremos de arranjar um bom brasido para assar umas chouriças e umas morcelas e beber uns copos de bom tinto (mas com cautela por causa da tensão); e, entretanto, desfiamos o rosário dos últimos anos! Já o outro dizia, lá mesmo ao lado: "Isso é o meu sonho"!
Se em S. Vicente da Beira já não houver enchidos, é irrelevante! Descobri que os de Abrantes são, talvez, os mais parecidos! A morcela de cozer, cortada, a frio, às fatias fininhas, é uma especialidade! Se for preciso, metemo-nos pelo Tejo abaixo e vamos lá encomendar uma dose bem servida!
Podemos dizer que, para tudo isto, temos tempo, porque, como diz o ditado "Há mais marés que marinheiros"; mas eu respondo-te com outro provérbio - como certamente faria o Aquilino e, visto que falaste dele - "Tempo bom é o que já passou."
Abraços, hã!
JB.