Há tradições que, com o passar do tempo, vão
desaparecendo ou dando lugar a outras - é o caso do Dia das Comadres e dos
Compadres. Provavelmente muitos dos jovens de hoje nunca ouviram falar nele,
mas, talvez por ser uma das poucas oportunidades em que os jovens de ambos os
sexos podiam relacionar-se sem censuras sociais, era das alturas mais
aguardadas do ano até há relativamente pouco tempo. Acontecia por esta altura,
nas duas últimas quintas-feiras antes do Domingo Gordo.
Em algumas localidades o Dia das Comadres era
comemorado com uma grande festa, com baile, lanche e tudo (por alturas da
matação fazia-se logo uma chouriça destinada a ser comida neste dia); noutras,
a festa era mais modesta e constava apenas duma reunião das raparigas da terra,
que nesse tempo eram muitas, na casa de alguma delas. O sorteio dos compadres
fazia-se escrevendo os nomes em papelinhos que eram colocados em bolsas ou
açafates (rapazes para um lado e raparigas para o outro) e depois ia-se
retirando um papelinho dum lado e outro do outro para formar os pares. Na
quinta-feira seguinte (Quinta-feira dos Compadres) a rapariga chegava ao pé do
rapaz que lhe tinha calhado em sorte e apresentava-lhe o papelinho,
anunciando-lhe o “parentesco”.
O compromisso era o rapaz oferecer as amêndoas
à comadre, e esta retribuir com uma gravata ou outro acessório qualquer. Não
eram tempos de muita fartura, mas todos se esmeravam para não ficar mal visto
pelo seu par, e cada um oferecia o melhor que podia. A troca de prendas
fazia-se durante a Semana Santa.
Esta relação de compadre/comadre mantinha-se
apenas durante o ano, mas não era raro transformar-se em namoro. Havia até quem
dissesse que, no caso de uma rapariga estar interessada num rapaz, pedia a
cumplicidade das outras para fazerem alguma batota de forma a calhar-lhe o seu
pretendido. Teria o seu significado, esta prática, porque, de forma subtil,
dava à rapariga a oportunidade de ser ela a tomar a iniciativa de pedir namoro
ao rapaz, comportamento que não lhe seria tolerado noutras circunstâncias.
Atualmente, talvez porque o relacionamento
entre os jovens é encarado à luz de outros valores e liberdades, já não se
comemoram estes dias, pelo menos com o entusiasmo de outros tempos. Mas é
provável que estejam na origem do Dia de São Valentim, que acontece mais ou
menos na mesma altura, e é tão festejado por muitos casais de namorados, com
jantares e troca de presentes. Como dizia o outro: “Nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma” …
M. L.
Ferreira
2 comentários:
Lembro-me bem dessa tradição no cimo de vila. O cumprimento das promessas é que era difícil de levar a cabo...
Tanto quanto recordo, aliás, porquanto era eu um criançola, estava na reunião juntamente com elas e o jogo, nesse aspeto, não obedecia às regras normais. Não restam dúvidas de que fiquei muito marcado por essas vivências.
Quanto ao mais, pensava eu que era tudo de uma pureza e ingenuidade "atroz"; até porque as minhas potenciais comadres, em princípio, não eram potenciais namoradas porque eram muito mais velhas: as filhas da ti' Maria do Carmo, da ti' Luz, da ti' Laurentina, da ti' Celeste Dias, etc...
Mas quando os compadres e comadres eram de idades próximas, já havia trafulhice... Ah! malandros! Afinal, sempre é verdade que "o coração tem razões que a razão desconhece".
A mim passou-me completamente de lado o dia das comadres e dos compadres. Na Tapada e no Seminário não havia nada disso.
A minha memória desse tempo é do Domingo Gordo: íamos à salgadeira buscar o rabo do porco, que pertencia comer neste domingo.
Depois de mês e pouco mergulhado no sal, esta parte do animal, já de si saborosa, ficava um pitéu digno de estrela Michelin!
Nota: não era sobretudo a carne da cauda, mas de toda a zona envolvente da base do rabo.
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