sábado, 17 de outubro de 2020

Os nossos primeiros professores

Nem sei se percebi bem, mas a notícia do jornal “Reconquista” desta semana sobre o provável fim da Escola Superior de Educação de Castelo Branco deixou-me alguma inquietação. A notícia não fala das razões do encerramento nem refere se já existe ou será criada outra escola de formação de professores que a substitua. Fica-se com a ideia de que a atual ESECB está a passar por alguns dos problemas das que a antecederam, mas que, apesar das muitas dificuldades, foram fundamentais para responder às enormes carências de pessoal docente para ocupar os lugares criados pela legislação que decretara a escolaridade obrigatória há já alguns anos (legislação que só muito tempo mais tarde começou a ser cumprida).

No início do século XX o analfabetismo era muito elevado em todo o País, mas principalmente nas regiões do interior, e junto das mulheres (em 1900, no distrito de Castelo Branco, num total de 216.618 habitantes, o número de homens analfabetos era de 84.623, e o das mulheres era de 102.764. Em 1950 a situação tinha melhorado um pouco, mas continuava a ser muito desfavorável para o sexo feminino: dos 273.468 habitantes, o analfabetismo nos homens era de 55.333, e nas mulheres era de 84.765).

As escolas de formação de professores tiveram também um papel importante na mobilidade social de um número significativo de rapazes e raparigas, principalmente das zonas rurais, que, sem elas, em meados do século XX ainda não poderiam sonhar em ter uma vida muito diferente da dos seus pais e avós.

 

Coincidência, ou não, por estes dias tenho andado a ler um trabalho de Francisco Goulão (Instrução Popular na Beira Baixa), onde, de uma forma muito exaustiva, o autor faz o retrato da primeira escola de formação de professores de Castelo Branco:

Criada em 1897, por decreto régio de 3 de Dezembro, iniciou as atividades em 17 de junho de 1898. Começou por se chamar Escola de Habilitação Distrital para o Magistério Primário; passou depois a Escola Normal e por fim a Escola Primária Superior (o nome por que era mais frequentemente designada e conhecida era Escola Normal). Recebia alunos de todo o distrito e alguns até de localidades mais distantes, como Coimbra, Guarda, ou Lisboa.

Durante os poucos anos de existência, a escola passou por muitas dificuldades, desde a precariedade das instalações (começou por funcionar numa casa na rua Vaz Preto; passou depois para outra dentro das muralhas do Castelo e finalmente para uma casa anexa ao Liceu Nuno Álvares, junto ao Paço Episcopal), dificuldade em recrutar pessoal docente, instabilidade política, dificuldades financeiras, oscilação da frequência (especialmente baixa a partir dos anos de 1924/1925), etc. que por várias vezes puseram em causa a sua continuidade. Em 1926 foi extinta definitivamente e, por quase trinta anos, não existiu nenhuma escola de formação de professores em Castelo Branco.

 

Consultando a lista dos alunos ao longo dos vários anos de funcionamento da Escola, encontramos vários nomes de rapazes e raparigas de São Vicente da Beira, que terão sido os primeiros a formarem-se e a exercer a profissão de professor primário:

 

Jorge Martins Ribeiro – Filho de Manuel António Martins Ribeiro, proprietário, do Louriçal do Campo, e de Francisca dos Mártires Moura de Brito, de SVB, nasceu no dia 22/01/1877, na Rua da Fonte. Fez o exame final do curso no ano de 1899, aos 21 anos de idade.

Terá falecido ainda jovem.

 

Maria Hermínia Ramos Lino – Filha de António Lino Lopes, jornaleiro, e de Maria José, ambos naturais de SVB, nasceu no dia 08/09/1884, na Rua de São Francisco.

Fez o exame final do curso no ano de 1902.

Faleceu em outubro de 1940.

 

Maria do Patrocínio Gama – Filha de Manuel Gama, jornaleiro, e de Maria Emília, ambos de SVB, nasceu no dia 03/07/1880, na Rua de São Francisco. Fez o exame final de curso no ano de 1903.

Faleceu na freguesia de Santa Maria da Graça, Setúbal, no dia 15/08/1961(?)

 

Maria da Ascensão Caio – Filha de João Maria dos Santos Caio, comerciante, natural de Monforte, e de Josefa Paulina, de SVB, nasceu no dia 18/05/1887, na Rua do Beco.

Fez o exame final no ano de 1905, aos 19 anos de idade.

Casou em 08/03/1911 (não é referido o nome do noivo nem a localidade). Também não se sabe a data e local da morte. 

 

Maria do Egipto Alves de Sousa – Filha de Simão Alves de Sousa, pedreiro, e de Maria da Natividade Raposo, ambos naturais de SVB, nasceu no dia 27/08/1887, na rua das Lajes.

Fez o exame final no ano de 1907, aos 19 anos de idade.

Terá exercido numa escola de Caria, pois foi lá que casou, com António José, natural daquela localidade, no dia 26/10/1910(?). Foi lá que faleceu também.

 

José Miguel Lopes – Filho de António Miguel, cultivador, e Mariana Casemira, ambos de SVB, nasceu no dia 29/12/1898 na rua Dona Úrsula.

Fez o exame final no ano 1918, aos 18 anos.

Casou em SVB com Maria da Purificação Bernardo Duarte, também professora, no dia 26/10/1921. Faleceu na Freguesia da Pena, em Lisboa, no dia 02/11/1985.

 

Sílvio Alves de Sousa -  Filho de Simão Alves de Sousa, pedreiro, e de Maria da Natividade Raposo, ambos naturais de SVB, nasceu no dia 04/12/1899 na rua de São Francisco.

Fez o exame final no ano de 1920, aos 20 anos de idade.

Faleceu em Castelo Branco no dia 05/02/1946.

 

António de Jesus Craveiro – Filho de Joaquim António Craveiro, jornaleiro, e Mariana Castanheira, ambos de SVB, nasceu no dia 05/03/1893, na rua do Convento.

Fez o exame final no ano de 1920, aos 27 anos de idade.

Casou em SVB com Aida Alves de Sousa, no dia 19/09/1927. Faleceu em Belo Horizonte no dia 27 de maio de 1977.

 

Maria da Purificação Bernardo – Filha de Agostinho Bernardo, lavrador, e de Maria da Trindade, ambos de SVB, nasceu no dia 02/06/1902 no Casal do Monte do Surdo.

Fez o exame final no ano de 1920, aos 18 anos.

Casou em SVB, com José Miguel Lopes, também professor, no dia 26/10/1921. Faleceu em 14 de junho de 1983, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, Lisboa.

 

Joaquim António Craveiro - Filho de Joaquim António Craveiro, jornaleiro, e Mariana Castanheira, ambos de SVB, nasceu no dia 14/04/1900 na rua do Convento.

Fez o exame final do curso no ano de 1922, aos 21 anos de idade.

Casou em Rio Torto, Gouveia, com Maria da Conceição Marta, no dia 26 de fevereiro de  1927(?). Faleceu nessa localidade em 18 de março de 1976.

 

Maria da Luz Gonçalves Batista – Filha de João Gonçalves Batista, feitor do Conde da Borralha, natural da Póvoa da Atalaia, e de Maria Leonarda, da Atalaia do Campo, nasceu no dia 04/07/1906 na rua da Igreja.

Fez o exame final do curso no ano de 1923, aos 16 anos de idade.

Casou na Póvoa da Atalaia com Manuel Dias Rato, de SVB, no dia 30/09/1942(?). Faleceu em 20/08/1986 na freguesia do Campo Grande, Lisboa.

 

Faz ainda parte da lista dos alunos que frequentaram aquela escola o nome de Artur Eugénio Couto - Era filho de João Alexandre Couto, relojoeiro, natural de Trancoso, e de Maria Angélica, de Oledo. Nasceu em Castelo Branco, na rua de São Marcos, no dia 04/01/1901.

Fez o exame final no ano de 1919, com 18 anos de idade.

Casou com Maria Emília da Ascensão Reis, também professora formada na mesma escola, natural do Sobral do Campo, no dia 25/12/1922. Viveram em São Vicente, onde foram professores durante muitos anos.

 

Do corpo docente da Escola Normal também fez parte um Sanvicentino:

 

Francisco Vaz Raposo Gama – Filho de João Hipólito Raposo, cultivador, e de Maria Adelaide Gama, ambos naturais de SVB. Nasceu no dia 04/09/1877, na rua Velha. Foi professor na Escola durante o ano de 1908.

O seu registo de batismo não refere se casou e a data da morte, mas está sepultado no cemitério de São Vicente, na campa dos pais.

 

Após a extinção da Escola Normal, só em meados do século XX foi criada a Escola Normal Amato Lusitano, uma instituição particular, pouco acessível à maior parte da população da Beira Interior, quase sempre pobre. Terá sido esta realidade que ajudou à criação da categoria de professoras regentes, pessoas com conhecimentos muito rudimentares a todos os níveis, mas provavelmente as que melhor serviam também os objetivos da educação, num tempo em que a cultura e o saber do povo eram considerados um entrave ao governo do País, como o recorte seguinte bem revela.

 

 

“A Voz” era um jornal católico, apoiante do regime, como se depreende pelo discurso.

 

M. L. Ferreira

11 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Listagem muito interessante, embora eu pesque pouco ou nada de apelidos e famílias.
Mas dá para perceber que ser professor era uma boa solução profissional para os filhos das elites locais, os únicos que então continuavam os estudos para após a primária.
Quanto às regentes, elas serviam os objetivos de Salazar de investir o menos possível na educação dos portugueses. Ontem como hoje, os fascismo é ideologia de elites que desprezam largos setores mais desprotegidos da população, apesar de, no passado e na atualidade, fingirem ser os defensores dos seus interesses.

M. L. Ferreira disse...

Curiosamente, alguns dos alunos da Escola Normal até eram filhos de jornaleiros. Deviam ser jornaleiros que tinham caído nas boas graças dos feitores...
Outras informações interessantes são as de que as habilitações necessárias para entrar na escola era apenas a instrução primária; inicialmente o curso tinha a duração de dois anos e mais tarde passou a ter três, e uma das críticas que faziam à formação era a de que tinha muitas cadeiras científicas e poucas pedagógicas e didáticas.

Anônimo disse...

Há coisas que me custam a entender. Uma é a conciliação do Cristianismo com a opressão dos semelhantes. Outra, a quantidade de pessoas capazes de violentar a sua razão, a sua verdade, para seguir os doidos que conseguem altos postos de comando ou liderança na sociedade. Doidos ou lunáticos sempre houve e haverá. Isso para mim é claro. O que não é claro é como conseguem tantos seguidores. Serão lunáticos ou serão cobardes? Há nessas massas seguramente pessoas muito inteligentes, mas o que as move? Será só a comodidade de funcionar como rebanho? Será o nosso conforto e egoísmo que facilmente se sobrepõe à razão?
Acabo perguntando: quem responde à questão?
FB

José Barroso disse...

Isto, pelo telefone, dá ainda mais gralhas, como verifiquei no último dos meus comentários.
Gosto sempre destas surpresas históricas, sobretudo, quando são de coisas, lugares ou pessoas de S. Vicente da Beira.
Fiquei a presumir uma coisa (porque não a vi escrita ou me escapou): se para entrar na Escola Normal era necessária apenas a instrução primária, então os futuros alunos (que acabariam a 4ª. classe pelos seus 10/11 anos), ficavam à espera até perfazerem os 16/17 anos para entrar? Isto, porque o curso da referida Escola era de 2 anos e saíam prontos para dar aulas aos 18/19 (em média)! Devia ser isso. Mas perdiam o ritmo!
Ainda me lembro de se falar nos professores oficiais e nos professores regentes. Os oficiais tinham a habilitação de entrada, mas nessa altura já seria necessário o 5º. - hoje 9º. - ano para entrar naquela escola e mais o curso que lá se ministrava e ficavam capazes de ser professores. O regente tinha só a 4ª. classe, talvez com alguma reciclagem e mais nada. Seria assim? Acho que havia uma irmã da Santita que era regente.
Quanto à questão política, pois...! Isso era para muito tempo! O Salazar era um católico, cuja doutrina manda auxiliar os pobres, mas ele defendia a miséria entre eles! Vá-se lá saber, intrinsecamente, por que razão adotou essa forma de ver as coisas e o mundo. O que se sabe, é que se confessava discípulo de Maurras, um filósofo antidemocrático, que defendia que quem devia governar eram os melhores de uma elite...! Mas nunca se disse como eram escolhidos esses 'iluminados'! Por isso, normalmente, saíam por vicissitudes várias, de um golpe político palaciano ou de rua.
Mas, como vocês sabem, a própria Revolução Francesa (a maior Revolução política da História da Hmanidade), a princípio, defendia o voto censitário, o que excluía os que eram totalmente miseráveis, porque não confiavam neles; já que eles, com o seu voto e ignorância, podiam entregar o país a qualquer corja de facínoras feitos em partido político. A nossa I República (1910/26), apesar de avançada, também o defendeu...
Mas depois de século e meio de Revolução Francesa e de a maior potência europeia (Inglaterra) estar a entregar as colónias, tudo devia mudar. E foi isso que Salazar não percebeu, fazendo uma leitura errada da história. Ele sabia que dar instrução ao povo contribuia para sua consciência crítica. Mas a evolução é mesmo assim e nada pode travar o progresso. E, por isso, a história foi o que foi! Ainda há dias ouvi dizer, aí em qualquer lado, que os negimes coloniais formaram muitos dos seus inimigos: o Amílcar Cabral era engenheiro do Técnico; o Agostinho Neto era médico (creio) da faculdade de medicina de Lisboa, etc... Por isso, Salazar sabia que a instrução popular era o seu grande inimigo; fazia crer que salvava o povo disto e daquilo, mantendo-o na ignorância. É verdade que a Igreja Católica oficial, alinhava com o poder mundano, mas a sua outra vetente (aquilo a que eu chamo a Igreja Católica popular), também foi muito relevante, sobretudo na mensagem de amor ao próximo.
Mas, actualmente, também vão aparecendo políticos 'esclarecidos', como o de Santa Comba. As pessoas já não são analfabetas como dantes, mas, não obstante, querem fazer delas ignorantes; para isso, exploram as fraquezas humanas e também dos regimes políticos (visto que nenhum é perfeito), e arvoram-se em salvadores. E isso é, frequentemnete, perigoso.
Abraços, hã!
JB

M. L. Ferreira disse...

Grandes questões, as do Francisco, que nem as sempre sábias explicações do José Barroso ajudam à compreensão de tantos paradoxos nos diferentes aspetos da vida do País, principalmente a política e a religião, desde quase sempre.
Respondendo às questões mais simples, depreendi que os poucos alunos que frequentavam e completavam a escola primária, ou prosseguiam os estudo no liceu ou ficavam-se por ali. Com a criação da Escola Normal, em 1897, surgiu a oportunidade de alguns poderem adquirir a habilitação para professor, já que era gratuita e apenas de dois (depois três) anos de estudo. A idade para a admissão devia ser de menos de 15 anos, já que uma das nossas conterrâneas terminou o curso com 16 anos, mas havia quem acabasse com trinta ou mais. O currículo devia ser, mais ou menos, o que tivemos no ciclo preparatório, sem grande investimento em disciplinas de psicologia ou pedagogia, mas já havia um tempo de estágio numa escola “externa”, como lhe chamavam.
Também acho que os professores regentes só teriam a quarta classe, mas mesmo assim ainda tinham que passar por um crivo de boas referências por parte das autoridades máximas da terra, principalmente o pároco. Penso que uma das professoras regentes de São Vicente era filha do senhor Fernando latoeiro.

José Teodoro Prata disse...

Vocês andam atormentados com o purismo da religião, mas a explicação é simples: ela é obra dos homens, mesmo na versão menos chocante de um meu professor padre (Deus fez o Mundo e entrou de férias, o que vai acontecendo é da responsabilidade dos homens).

Anônimo disse...


Ahahaha "Deus fez o Mundo e entrou de Férias", saído da boca de um padre diz muito sobre a sua própria fé e de que matéria podem ser constituídos os Guias da nossa Igreja.
Há muitos anos decidi-me a ler a Bíblia. Não passei das primeiras páginas, aquelas descrições de quem viveu e quantos anos foram demasiado enfadonhas para mim. Há alguns anos ultrapassei essa resistência e consegui, na Bíblia literária avançar até à construção do templo de Jerusalém, mas bolas,novo enfado, eu não percebo nada de construção civil e desde os Génesis até àquele ponto concluí que Deus era demasiado repetitivo para o meu gosto. Cheguei a comentá-lo como meu tio Francisco, que deve ter tido o mesmo professor ou outro de igual fé, porque me deu uma resposta parecida com essa.
A Igreja tem muito pouco que ver com a mensagem de Jesus. Foi subvertida pela sede de poder sobre o outro, os outros ou todos e é nisso que está também transformada a politica, os negócios e até nós somos socialmente programados para isso.
Dizia a minha avó : Quem não tem olhos que os abra
A mim, nesta minha experiência pessoal, que não é melhor nem pior, não mais nem menos válida do que qualquer outra. Parece-me que Deus fez o Mudo e espalhou-se nele, querendo experimentar-se em todas as formas e possibilidades. Numa espécie de jogo para ver quantas dessas possibilidades e formas conseguem descobrir a natureza de Deus em Sí, que são todos Um e que só o Amor é real.
Uma só consciência espalhada em muitas formas.
É a ilusão da separação, que nos impede de encontrar o Reino dos Céus aqui.
É esta mesma ilusão que não nos deixa perceber que o que fazemos aos outros fazemos a nós mesmos.
Só isso pode explicar que os pais consumam os recursos naturais até à exaustão do planeta, sem a mínima preocupação com as condições de vida, futura, dos seus descendentes.
Jesus, São Francisco de Assis, Madre Teresa, Buda, Rumi, entre tantos outros, têm apontado o caminho...
Escolher o caminho que é guiado pelo coração em vez de guiado pelo Ego é uma escolha pessoal de cada um de nós.
Não aprendemos todos que Deus nos deu o Livre Arbítrio? Se não estou em erro foi depois do diluvio, mas como ainda não cheguei lá...não tenho a certeza
Diz Dalai Lama : Faço por receber cada pessoa como se fosse um velho amigo. A minha religião é a bondade.
Sei que não preciso transcrever, pois todos sabem, as ultimas palavras de Jesus.
Que sejamos todos felizes, todos saudáveis, todos paz.
Um abraço, virtual, cheio de saudade aos que conheço pessoalmente e de reconhecimento a todos os outros.
Que Deus esteja sempre e vivo, em nós.

Margarida Gramunha

José Teodoro Prata disse...

Um ensinamento de um outro professor padre: Jesus não criou a Igreja Católica, ele nem pretendia uma estrutura como ela, a Igreja foi obra dos seus seguidores.
Já agora, em termos históricos, de facto a organização dos crentes em Jesus/Deus numa estrutura como a Igreja Católica só nasceu a partir do quarto século depois de Cristo, sobretudo quando o Cristianismo se tornou religião oficial do Império Romano e após o ano 500, quando a Igreja Católica substituiu o Império Romano, dando alguma unidade a uma Europa fragmentada em reinos rivais.
Mas isto não tira importância à Igreja como organização dos fiéis!
Deus tem as costas largas, serve para justificar tudo e mais alguma coisa, é uma boa bengala para os humanos se desresponsabilizara dos seus atos. Por isso o tal padre nos dizia que Deus fez o Mundo e entrou de férias. O que os humanos fazem é obra exclusiva deles e da sua inteira responsabilidade.
Mas nas outras religiões do Livro, irmãs do Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo, os crentes fazem a mesma coisa...

M. L. Ferreira disse...

Também a propósito disto tudo, lembrei-me duma conversa aqui à minha porta entre um padre da nossa terra e uma mulher já idosa. Foi mais ou menos assim:
- Ai senhor padre, quem me dera ser como vossemecê!
- Então porquê, senhora Maria?
- Porque os padres sabem o que é bem e mal e sabem o que é que hão de fazer para ir para o céu.
-Olhe, senhora Maria, sabe uma coisa? O céu e o inferno somos nós que o fazemos aqui na terra.

José Teodoro Prata disse...

A crónica do João Miguel Tavares, no Público de hoje, vem muito na linha do que aqui temos escrito.

José Barroso disse...

O que a Margarida foi buscar!
Eu não quis ir por essa frase do Chico Barroso ('Deus fez o mundo e entrou de férias'); quando se fala em política, isso já nos leva longe porque é um complexo problema do homem. Falar em religião, não é (mais) um problema do homem. A religião é "o" problema do homem!
A propósito da frase, veja-se este poema:

... "O pobre Criador sentindo-se já fraco,
......
Espojou-se, estirou-se ao longo do infinito,
Num imenso enxergão de névoa e luz doirada,
E até hoje, que saiba, ainda não fez mais nada."

Génesis, in "A Velhice do Padre Eterno", Guerra Junqueiro

Guerra Junqueiro era um homem inquietado com a vida e descrente, embora no final da vida se tenha reconciliado com a Igreja. Havia uma corrente anticlerical na sociedade portuguesa. Ele fez sempre uma grande distinção entre a Mensagem de Jesus Cristo e o Deus do Antigo Testamento (AT). Não admira, porque o AT é de outras eras. Não é um livro científico, nem histórico; está cheio de simbologia. Por certas passagens ali narradas, o escritor José Saramago chegou a dizer que "é um manual de maus costumes", o que irritou por aí muita gente.
É preciso compreender o AT para poder dizer que foi escrito por inspiração de Deus, o que não é fácil. Não foi por acaso que Cristo, sendo judeu, respeitava a Lei, mas (como diz), veio mudá-la, no que tinha de mais violento: "Já não é dente por dente, como ouvistes dizer, mas se vos baterem numa face oferecei também a outra". (estou a citar de memória). Creio nunca ter havido uma mensagem com esta profundidade na história da humanidade!
Na minha ótica, o que faz do AT um texto "avançado" para a época, com todas as contradições e polémicas que levanta (especialmente se lido à luz dos princípios atuais), é o facto de introduzir uma conceção de Deus completamente diferente da dos outros povos, alguns tecnicamente até mais civilizados que os judeus. Um verdadeiro passo civilizacional em frente com a ideia de um Deus Abstrato, ainda não ultrapassada. É essa a ideia que tem que se tirar do meio da violência, do Deus vingativo, que ora anda contente, ora anda zangado; que tem birras..., etc, etc, tal como nós. Enfim, "Humano, demasiado humano", como escreveu Friedrich Nietszche (um autor alemão, ateu). E digo “não ultrapassada”, porque, nós temos apenas duas hipóteses: ou somos ateus / agnósticos, ou cremos num Deus; e esse Deus só pode ser o que nos apresenta a Bíblia, com a ideia mitigadora que nos traz o Novo Testamento. E também digo “só” porque as outras religiões não vão mais mais longe.
Deixo aqui essa ideia que, para mim, é a principal. E isto começa a ser longo para um comentário.
Mas desaconselho a Margarida a ler a Bíblia de fio a pavio, seguida e continuadamente, como se andasse a estudar uma lista telefónica! kkk!!
Depois, o que está na base da interrogação do Chico Barroso ("Por que é que um homem sujeita outros e exerce poder sobre eles? Por que é que o egoísmo se sobrepõe à razão; por que é que tudo isto não diferente, com solidariedade entre todos, etc.").
Ora bem, respondo com uma frase de Herman Goering (sim, o nazi). No julgamento de Nuremberga, tendo um dos juízes perguntado como é que eles, nazis, tinham conseguido arrastar todo o povo alemão (raro foi o dissidente), para aquela catástrofe, ele respondeu: "Foi a natureza humana"!
Já há muito que aprendi que o homem é capaz das coisas mais nobres e das coisas mais hediondas, embora o que choca mais seja o mal gratuito. De resto, o homem tem interesses de todo o tipo, a começar pelos económicos que dão poder e acesso aos bens. Costuma dizer-se que o dinheiro não dá felicidade, mas ajuda muito! Neste sentido, todos estão sujeitos a fazer parte de um sistema (capitalista ou outro), dentro do qual (melhor ou pior), satisfazem as suas necessidades! Para ter princípios, é necessário alguém situar-se fora do sistema, mas, para tanto, é preciso coragem. E isso está apenas reservado a santos e heróis!
Ó Chico fica-te com esta!
Abraços, hã!
JB