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quinta-feira, 30 de junho de 2016

Os trabalhos e os ganhos

Sendo uma terra [São Vicente da Beira] em que só havia agricultura, as pessoas não tinham emprego certo e tinham que ganhar a vida das mais variadas formas. Os grandes proprietários, na maior parte das vezes, não pagavam em dinheiro [anos 50 e 60]. Punham as terras e os meios para tratar da lavoura e os trabalhadores apenas davam a mão-de-obra. E a forma de pagar não era igual para todas as culturas. Por exemplo, por um dia de trabalho normal, os homens recebiam meio litro de azeite ou meio alqueire de trigo ou milho. Esta era a forma mais comum de serem tratados os terrenos e os respetivo pagamento. Quando se tratava de uma cultura específica, a forma de receberem já era diferente. Na cultura da batata, do milho e do feijão, o proprietário dos terrenos, além de dar a terra, também punha à disposição de quem trabalhava as ferramentas e a semente. O trabalhador tratava de toda a faina agrícola, que passava pelo arranjo da terra, sementeira, monda e rega, e quando se fazia a colheita era uma parte para o trabalhados e três para o dono da terra.
No olival, a percentagem era diferente. Aqui, o proprietário dava os terrenos e os olivais e o trabalhador tinha que tratar das oliveiras, colher a azeitona, limpá-la e transportá-la para o lagar que mais interessasse ao proprietário. Depois de recolhido o azeite, o trabalhador ficava com uma parte e o dono do olival ficava com sete partes. Naquele tempo, não ficava uma azeitona no chão. Tudo era aproveitado e até havia quem, depois da colheita, ia ao rabusco, ver se apanhava alguns quilos de azeitona, para poder fazer alguns litros de azeite. Foram uns tempos muito difíceis, em que havia muita gente que nem azeite tinha para pôr no caldo. O meu falecido pai ia do Valcaria para o Miguel Vicente, a cerca de sete quilómetros, trabalhar na colheita da azeitona. Por cada dia de trabalho, tinha de fazer catorze quilómetros a pé.
Na ceifa dos cereais, muitos dos habitantes de São Vicente da Beira iam para os mais variados locais a fazer a ceifa manual das grandes searas. O mais longe para onde foram trabalhar foi para o Alto Alentejo e na zona da Beira Baixa iam para todo o lado: Tortosendo, Lardosa, Alcafozes, Ladoeiro… Além do trigo, ceifavam centeio e aveia. Chegavam a andar lá por mais de cinquenta dias, sem virem a casa. A percentagem que recebiam era o chamado quinto, por isso diziam que iam ao quinto. Uma vida muito dura! Quanto mais se ceifava, mais cereal trazíamos para casa. Por isso, começava-se a trabalhar logo ao romper do sol, parávamos por volta das dez horas para o almoço e à uma da tarde jantávamos. A seguir, dormíamos uma sesta de uma hora e depois começávamos logo a ceifar. Isso durava até às seis da tarde, quando comíamos a merenda e depois voltávamos ao trabalho até ao descorecer, altura em que era comida a ceia. Dormíamos ao relento ou num cabanão de palha. Chegavam-se a juntar entre trinta e cinquenta homens, todos a ceifar.
Depois da ceifa, tínhamos de malhar os cereais. Numa eira grande, de terra batida ou de pedra, era espalhada a palha e com os mongais ou em propriedades maiores com as malhadeiras, que eram acionadas por tratores através de uma polie. Acabada a malha ou a debulha pela malhadeira, ainda se ficava lá mais dois ou três dias, para se atar a palha ou fazerem-se uns castelos com a palha empinada. Finalmente, regressávamos a casa com os cereais que foram ganhos com o trabalho e que eram transportados em carros de vacas.
Andei nestas ceifas em 1963, na Lardosa, quando o meu pai foi para a França. No ano de 1968, estive no Tortosendo, para o mesmo trabalho. Eram sempre à volta de trinta homens, quase todos já falecidos. Dos que me lembro, apenas cá andam três.

Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.

José Teodoro Prata