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terça-feira, 7 de setembro de 2021

Os minerais dos Paulinos

Eis-nos mais uma vez com os minerais dos Paulinos, pai e filho. E temos de voltar muitas vezes, pois a sua grandeza é equivalente ao esquecimento a que estão votados, na linha. aliás, das declarações do João Paulino no final desta notícia do jornal Reconquista da semana passada.




José Teodoro Prata

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Cultura, anos 80

            Andava eu procurando uns apontamentos “que ainda não achei”, quando encontro este folheto do Teatro Experimental de São Vicente. Divulga mais uma peça teatral, desta feita um auto do grande poeta e dramaturgo Gil Vicente: “Auto da Barca do Inferno”. O encenador foi o professor Francisco Barroso “já nessa altura tinha queda para a arte de Talma” O teatro Morcego de Coimbra editou um livro da sua autoria, “Assim Fala Zaratustra”, uma adaptação teatral do meu cunhado Francisco. A tiragem foi de 500 exemplares, teve o apoio do ministério da cultura e da câmara municipal de Coimbra… adiante.




            A partir de certa altura, o grupo fez uma parceria com o Sport Clube de São Vicente da Beira. Embora ligados, continuavam autónomos. Rapazes e raparigas talentosos entregavam-se com denodo à arte de representar: Cila; António Candeias; Edite, “faleceu tragicamente num acidente de viação”; António Esteves; Manuel Leitão; Tó Luís; Luzita…
          O barracão paroquial era o nosso centro cultural. Filmes, teatros, exposições, colóquios, casamentos, baptizados… nele se instalou “através do padre Branco” uma pequena indústria:- confecção de malhas; mais de vinte jovens raparigas trabalhavam nesse espaço, fazendo camisolas…
            Tem história o barracão. A missão para que foi criado há muito terminou, fica a memória de tantos eventos que lá ocorreram.
        Aproveitando a embalagem, no mesmo momento encontrei este folheto da primeira exposição organizada pelo GEGA e que o “barracão” acolheu. Desde trajes antigos, uma grafonola, pedras com inscrições, cantareira… alguns objectos eram propriedade do grupo, outros foram cedidos temporariamente por particulares. O entusiasmo, a alegria, a entrega e o empenho, que muitos de nós demos ao trabalho de por de pé este acontecimento, contagiou as pessoas. A RTP veio fazer uma reportagem sobre o evento, foi um sucesso!



J.M.S


Belos tempos, boas recordações e grande encenador o Francisco Barroso! Pegou num grupo de jovens com diferentes ocupações e capacidades académicas e conseguiu pô-los a representar o "Auto da Barca do Inferno" e "Frei  Luís de Sousa, fazer os adereços e os cenários, (o Tó Luís era um artisa). Fizemos um grande sucesso e chegámos a representar em aldeias próximas.
Aqui ficam fotos dos mesmos:


Barca do Anjo e do Diabo.(Eu, a Cila, o Paulo Inês (parvo), Tó "patrão", 
Edite, Manuel, Maria José Lobo e Zé Carvalho.


Numa saída ao Casal da Serra.
Maria da Luz Teodoro

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Os trabalhos e os ganhos

Sendo uma terra [São Vicente da Beira] em que só havia agricultura, as pessoas não tinham emprego certo e tinham que ganhar a vida das mais variadas formas. Os grandes proprietários, na maior parte das vezes, não pagavam em dinheiro [anos 50 e 60]. Punham as terras e os meios para tratar da lavoura e os trabalhadores apenas davam a mão-de-obra. E a forma de pagar não era igual para todas as culturas. Por exemplo, por um dia de trabalho normal, os homens recebiam meio litro de azeite ou meio alqueire de trigo ou milho. Esta era a forma mais comum de serem tratados os terrenos e os respetivo pagamento. Quando se tratava de uma cultura específica, a forma de receberem já era diferente. Na cultura da batata, do milho e do feijão, o proprietário dos terrenos, além de dar a terra, também punha à disposição de quem trabalhava as ferramentas e a semente. O trabalhador tratava de toda a faina agrícola, que passava pelo arranjo da terra, sementeira, monda e rega, e quando se fazia a colheita era uma parte para o trabalhados e três para o dono da terra.
No olival, a percentagem era diferente. Aqui, o proprietário dava os terrenos e os olivais e o trabalhador tinha que tratar das oliveiras, colher a azeitona, limpá-la e transportá-la para o lagar que mais interessasse ao proprietário. Depois de recolhido o azeite, o trabalhador ficava com uma parte e o dono do olival ficava com sete partes. Naquele tempo, não ficava uma azeitona no chão. Tudo era aproveitado e até havia quem, depois da colheita, ia ao rabusco, ver se apanhava alguns quilos de azeitona, para poder fazer alguns litros de azeite. Foram uns tempos muito difíceis, em que havia muita gente que nem azeite tinha para pôr no caldo. O meu falecido pai ia do Valcaria para o Miguel Vicente, a cerca de sete quilómetros, trabalhar na colheita da azeitona. Por cada dia de trabalho, tinha de fazer catorze quilómetros a pé.
Na ceifa dos cereais, muitos dos habitantes de São Vicente da Beira iam para os mais variados locais a fazer a ceifa manual das grandes searas. O mais longe para onde foram trabalhar foi para o Alto Alentejo e na zona da Beira Baixa iam para todo o lado: Tortosendo, Lardosa, Alcafozes, Ladoeiro… Além do trigo, ceifavam centeio e aveia. Chegavam a andar lá por mais de cinquenta dias, sem virem a casa. A percentagem que recebiam era o chamado quinto, por isso diziam que iam ao quinto. Uma vida muito dura! Quanto mais se ceifava, mais cereal trazíamos para casa. Por isso, começava-se a trabalhar logo ao romper do sol, parávamos por volta das dez horas para o almoço e à uma da tarde jantávamos. A seguir, dormíamos uma sesta de uma hora e depois começávamos logo a ceifar. Isso durava até às seis da tarde, quando comíamos a merenda e depois voltávamos ao trabalho até ao descorecer, altura em que era comida a ceia. Dormíamos ao relento ou num cabanão de palha. Chegavam-se a juntar entre trinta e cinquenta homens, todos a ceifar.
Depois da ceifa, tínhamos de malhar os cereais. Numa eira grande, de terra batida ou de pedra, era espalhada a palha e com os mongais ou em propriedades maiores com as malhadeiras, que eram acionadas por tratores através de uma polie. Acabada a malha ou a debulha pela malhadeira, ainda se ficava lá mais dois ou três dias, para se atar a palha ou fazerem-se uns castelos com a palha empinada. Finalmente, regressávamos a casa com os cereais que foram ganhos com o trabalho e que eram transportados em carros de vacas.
Andei nestas ceifas em 1963, na Lardosa, quando o meu pai foi para a França. No ano de 1968, estive no Tortosendo, para o mesmo trabalho. Eram sempre à volta de trinta homens, quase todos já falecidos. Dos que me lembro, apenas cá andam três.

Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Animais de trabalho

A vida na agricultura era muito diferente [nos anos 50 e 60] do que é agora.
Não havia tratores, nem ouras máquinas agrícolas. Os fazendeiros tinham uma ou duas juntas de vacas, que lavravam os terenos e transportavam as colheitas. Colocava-se uma canga em cima do pescoço de cada vaca, composta por um tamoeiro e uma correia de cabedal, com um bocado de corda que se atava ao cangalho e passava por baixo do pescoço da vaca. O cambão era engatado na canga. Estes adereços serviam para atrelar o carro de vacas e a charrua de ferro, que havia do número um ao nove, conforme o trabalho que era para ser feito. Antes de haver charruas, o trabalho da lavra era feito com arados feitos de pau, por um habilidoso ou por um carpinteiro.
Os carros mediam cerca de 3 metros de comprido por 1,20 de largura, com um tiro ao meio onde era engatada a canga. Toda a construção dos carros era em madeira, incluindo as rodas e o eixo. Faziam muito barulho quando o eixo começava a rodar e por isso untava-se com gordura de porco ou sebo de cabra. O carro tinha em média quatro buracos de cada lado, onde se enfiavam os afogueiros. Havia também uma peça de madeira, com aspeto de uma forcalha, que se chamava zorra e servia para as vacas transportarem pedras grandes.
Quando andava na lavoura, as vacas traziam uma rede no focinho, chamada focinheira, para não comerem o renovo. Estes animais também eram atrelados às noras, para tirar água dos poços.
As vacas, quando andavam muito em terra batida ou mais agreste, eram calçadas com canelos. Estes eram indispensáveis nas deslocações muito grandes. Lembro-me de haver juntas de vacas que, com os seus carros, iam a Abrantes levar neve e no regresso traziam sal e outras coisas.
As vacas eram cobertas e em geral tinham crias uma vez por ano. Nos primeiros três meses, amamentavam os bezerros e depois disso era aproveitado o leite para ser vendido para alimentação.
Uma junta de vacas, a trabalhar, ganhava em média o ordenado de cinco homens. Um dia inteiro de trabalho era chamado uma geira e se fosse meio dia era meia-geira.
Os lavradores sem uma junta de vacas tinham outros animais que ajudavam na lavoura. O mais comum era o burro, mas também a mula e o macho, que faziam de tudo. Lavravam, transportavam cargas, faziam estrume e até aqueciam a casa no inverno. Normalmente, eram guardados nas lojas por baixo das casas e, como o isolamento era muito deficiente, o calor dos animais passava para a parte de cima das casas. Dos muitos apetrechos que estes animais esavam, destaco o cabresto, o bornal, a albarda, a canga, a carroça, as cangalhas, a tucinheira, etc. 
As fêmeas faziam sempre criação e muitas das vezes até cruzavam raças  para terem animais mais resistentes. Era o caso do macho e da mula que nasciam do cruzamento de uma égua com um burro. Para evitar o desgaste dos cascos, todos eles eram ferrados com ferraduras, os sapatos, como lhes chamávamos.

Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.

José Teodoro Prata

domingo, 19 de junho de 2016

Tempos de aprender

Entre os sete e oito anos, idade com que se entrava na escola primária naqueles tempos [anos 50 e 60], fui para a escola que funcionava por baixo do edifício dos antigos Paços do Concelho, local onde agora está a Junta de Freguesia. O meu professor era Artur Eugénio Couto, a quem chamávamos apenas Professor Couto.
Morávamos no Valcaria, a cerca de três quilómetros, e, quer chovesse, nevasse ou fizesse sol, todos os dias calcorreava este caminho, descalço, porque não havia dinheiro para sapatos. Na bolsa de ganga, apenas um livro e uma pedra com o seu lápis também de pedra. Nesta pedra em forma de quadro, de ardósia e madeira, aprendi a escrever as primeiras letras e a construir as primeiras frases. Numa bolsita feita com aproveitamento de tecido que outras pessoas já teriam vestido, levava a minha merenda para o dia todo: um bocadito de pão centeio ou de broa de milho, com um bocadito de queijo ou uma mão cheia de azeitonas.
Nas idas e vindas de e para a escola, muitas vezes transportava alguns bens que os meus pais produziam e que vendiam às pessoas mais ricas da Vila. Trazia cinco bilas de leite, três numa mão e duas na outra, umas de meio litro e outras de um litro. Os fregueses habituais eram o Dr. Alves, a Tia Patrocínia, o Sr. Mesquita, o Sr. Padre Nicolau e o Sr. Major Fabião. Estas entregas eram sempre feitas antes de entrar na escola, às nove horas da manhã. Durante muitos anos, fiz estas entregas que eram para mim uma afirmação de responsabilidade. Era com muito entusiasmo que assumia estes compromissos, sendo uma forma de ajudar os meus pais que, de sol a sol, trabalhavam a terra para o nosso sustento.
Nesse tempo, havia nas Quintas uma população estimada em cerca de vinte casais, todos eles com um rebanho de filhos. Toda a gente trabalhava nas terras e muitas das vezes colaboravam uns com os outros. Quando o trabalho era muito, ajudavam-se mutuamente. Se num dia íamos todos trabalhar para o terreno do vizinho, no outro vinham os vizinhos para o nosso, a compensar. Era uma espécie de troca de mão-de-obra.
Num dia sachava-se o milho e o feijão, no outro mondava-se o trigo e regava-se tudo. A rega era feita sempre ao pé. As ferramentas eram muito limitadas. Por exemplo, o foução era usado para cortar tudo o que havia na horta. Gadanhas ou outros utensílios mais modernos, não havia nada. Do nascer ao por do sol, era esta a rotina diária, acompanhada com um pedaço de pão, por volta das 10 horas. Ao meio dia, ao ouvir o toque das Avé Marias na torre da Vila, toda a gente parava, rezava e jantava. Depois do jantar, todos dormiam uma pequena sesta. A meio da tarde, comia-se alguma coisa e ao por do sol toda a gente largava o trabalho e ia para casa.
Como não havia relógios, o tempo de trabalho era regulado por cálculo e como orientação o nascer do sol, o toque dos sinos e muitas vezes o chilrear dos pássaros que nos acordavam de manhã muito cedo.

Relato de Joaquim Teodoro dos Santos, em pequena autobiografia, edição de autor, publicada pelo GEGA, em Janeiro de 2015.


José Teodoro Prata

sexta-feira, 2 de março de 2012

A vila da infância

FLUIDA ESPIRAL

Naquele tempo a aldeia era povoada.
Antigas canções de roda ecoavam na praça:
Quantos peixes há no mar? Eu nunca lá fui ao fundo…
Mais antigos, contudo, eram os cânticos da fonte
segredos de milénios guardados em novelos de eternas águas.
Escondida atrás do coreto, olhos fechados
voltada para as heras das paredes
Muitas vezes perguntei: É hora?
Vozes de outras crianças, trazidas pelo vento, respondiam, dolentes
ainda não, ainda não, ainda não…

Enquanto isso, velhos paravam à sombra das árvores
enrolando cigarros, ritual para melhor desenrolarem histórias
memórias de outros tempos, fluida espiral
fio azulado de fumaça, onde recuperavam o fio do passado.
Carros-de-bois chiavam pelas ruas
burrinhos trotavam, pachorrentos
transportando figuras negras
mulheres sentadas de lado, sob a sombrinha aberta
fizesse chuva ou sol
umas vezes indo, outras regressando dos campos.
E baliam cabras, vigiadas pelo pastor
entre toques de sino – alvorada ou crepúsculo.
Na ribeira, misturava-se o canto das águas viajantes
e o canto das lavadeiras, intervalo de linho e espuma
enquanto os maridos andavam nos montes e nas searas
estrelas que partem, estrelas que retornam
dia vai, dia vem, verões e invernos
flores que nascem e se esfolham.

(Maria de Lourdes Hortas, Cantochão de Todavia, Gega, 2005, São Vicente da Beira)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mãos mágicas

Eu era já grande e por isso recusei-me dar a faca à minha irmã mais velha, quando ela a veio buscar para ir fazer a ceia. Mas como era ainda demasiado pequeno para a vencer, fugi para a minha mãe, porque ela me agarrou a tentar tirar a faca.
Corri da quelha para casa, a chamar “Ó mãe, a Fátima quer bater-me!”, mas tropecei logo no primeiro degrau do balcão. Bati com o queixo no granito e fiquei com um corte a toda a largura. A minha mãe acudiu e atou-me um lenço do queixo ao alto da cabeça, para estancar o sangue.
Depois levou-me ao hospital. Descemos pela tapada dos Candeias, direitos ao Chão dos Negrinhos, e seguimos pelo caminho ao longo do muro da Casa Cunha, até ao Marzelo e daí para São Sebastião.
Era quase sol-posto, mas a enfermeira ainda estava no hospital, parecia que à minha espera. Desinfetou a ferida, fechou a carne cortada com umas latinhas e tapou-a. Sarou sem mais novidades.
Alguns anos depois, um dia à noite, fui com a minha mãe e as minhas irmãs ver o presépio da Menina Isaura, na escola velha, mesmo ao lado do hospital. E um mundo maravilhoso se revelou aos meus olhos: o presépio numa gruta e em volta tudo o que eu conhecia, mas muito pequenino. Além das pessoas a trabalharem e das casas, havia pedras, musgo, erva e até oliveiras com azeitona. Os lavradores lavravam a terra, os pastores guardavam o gado e as mulheres lavavam a roupa no ribeiro, onde corria água de verdade.
Tudo feito pela enfermeira que anos antes me tratara a ferida no queixo. A confirmar a magia das suas mãos.

Nota: Tenho a ideia de luz de lâmpadas penduradas nuns fios a iluminar o presépio. Ora a eletricidade foi inaugurada em Abril de 1969. Deve ter sido nesse Natal que a Menina Isaura repôs o seu presépio, já apresentado em 1959 e neste Natal exposto pelo GEGA, na Igreja da Misericórdia.

sábado, 17 de dezembro de 2011

GEGA apresenta presépio de encantar



Este é o presépio do Menino Jesus, idealizado e apresentado à moda antiga. As figuras foram todas realizadas manualmente e são da autoria de Isaura Maria, feitas de pano com todos os pormenores bordados à mão. O cenário é de musgo autêntico, com caminhos de pedra e areia. As árvores são mesmo pequenas árvores, as casas foram feitas à medida com pedra e telhas.
Foi em 1959 que, pela primeira vez, o presépio foi apresentado pela sua autora, enfermeira de profissão e artesã nos tempos livres.
Além da Sagrada Família e dos Reis Magos, o presépio retrata a vida rural, numa pequena aldeia e no trabalho do campo. Alfaias agrícolas, personagens que desempenham diferentes tarefas e profissões todos foram criados pelas mãos hábeis de Isaura Maria. No total, são cerca de seis dezenas de figuras feitas manualmente. Não falta o madeiro de natal junto da capela, o fontanário, os pastores e as ovelhitas, a cozinha onde se preparam as filhós, o sapateiro, a queijaria, a horta com o seu poço, o rio onde se lava a roupa, a apanha da azeitona, o moleiro e os moinhos, um castelo, uma ponte e a serra verdinha com pinheiros que acalenta o local onde o Menino Jesus nasceu.
Tanto as figuras, como as casas e a maior parte das peças necessitavam de algumas remodelações. Os responsáveis do Grupo de Estudos e Defesa do Património Cultural e Natural da Gardunha meteram mãos à obra e o presépio vai estar novamente exposto, na Igreja da Misericórdia, junto à Praça medieval, durante a época natalícia. A abertura será no próximo domingo, dia 18, pelas 15.00 horas, e ficará exposto até 8 de Janeiro de 2012, com abertura aos sábados e domingos, das 15.00 às 17,00 horas. Para visitas fora deste horário, agradecemos que nos contactem para 968053052 ou 272487035 (Inácia Brito) e fazer a respetiva marcação. A entrada é livre.

Nota: O material que serve de base a esta notícia foi-me enviado pela Direção do GEGA.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

São Vicente nos anos 70

GEGA RECUPERA FILME ANTIGO

O Grupo de Estudos e Defesa do Património Cultural e Natural da Gardunha, com sede em São Vicente da Beira, acaba de recuperar um filme com cerca de 33 minutos, rodado durante os anos de 1973 a 1976 e que mostra algumas das tradições desta vila do concelho de Castelo Branco. Destas tradições, algumas já desaparecidas, constam:
- A Semana Santa, com a cerimónia do Lava Pés, Procissão do Ece Homo, toda a recriação da Paixão de Cristo até ao Calvário e a Procissão do Enterro.
- A visita Pascal (Boas Festas), em que o pároco e sacristão visitavam todas as casas da Vila e das quintas à sua volta, com o Crucifixo que era dado a beijar a todos os habitantes.
- A romaria da Senhora da Orada, onde se pode ver como era o Santuário antes das remodelações a que foi sujeito.
- Uma tradição que foi mantida durante muitos anos, o Pic Nic em Lisboa, que era organizado pela extinta Liga dos Amigos da Freguesia de São Vicente da Beira, com sede na Capital no Bairro da Bica. Era um acontecimento que, nos anos 60 e 70, tinha a particularidade de juntar Vicentinos residentes em São Vicente da Beira e todos os outros que na procura de uma vida melhor se deslocaram para a zona da Grande Lisboa. Era nesta ocasião que se matavam as saudades e se convivia durante um dia que sempre ficava na memória de todos quantos participavam. A Banda Filarmónica Vicentina acompanhava sempre este acontecimento.
- Depois seguem-se alguns trechos da alvorada das Festas de Verão, em Setembro, onde se podem ver as centenas de foguetes que eram lançados.
- A fogueira de Natal e imagens do que era a Vila naquela altura.

Esta será porventura uma ocasião para recordar as vivências e os lugares de outrora.Por curiosidade refere-se que neste filme foram usadas cerca de 22 bobines de filme super 8 de três minutos cada e a revelação, feita em Espanha, demorou mais de um mês e meio. A montagem física do corte e cola do filme foi feita em dez dias e o que demorou mais tempo foi a recuperação digital deste documento histórico. Devido aos longos anos que esteve em bobine, a deterioração já era evidente e era urgente a sua recuperação. Muitos trechos do filme tiveram que ser recuperados digitalmente imagem a imagem, com ajustes da cor e outros tratamentos técnicos necessários. Ao fim de seis meses de intenso trabalho em computador, surge o que agora é mostrado, na tentativa de não deixar perder as memórias das gentes de São Vicente da Beira.

Como já é habitual, este filme pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=BKLzD9sc-UY.
Outros filmes já editados pelo GEGA podem ser vistos na internet no Youtube. Basta pesquisar por GEGA BEIRA e terão acesso a todos eles.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Orada no ciclo Pascal


Imagem da Senhora da Graça, em pedra ançã, do século XIV ou XV. Possível oferta de Nuno Álvares Pereira. Pertence à ermida de Nossa Senhora da Orada. Foto do Tó Sabino.

Fui ao espectáculo de apresentação do CD NINHO e valeu a pena. Música regional de qualidade! O Miguel Carvalhinho está de parabéns.
Quanto à nossa Senhora da Orada, nada, preferiu a sua Senhora da Serra. Deixou-se levar pelo coração, por ter passado três anos da meninice, em Castelo Novo! Não o podemos levar a mal.
Mas a sua entrevista ao Jornal do Fundão tem um aspecto que para nós é importante.
Ele afirma que a música da Senhora da Orada pertence ao ciclo pascal da Aleluia. Ora, este facto é mais um elemento, a juntar a outros, que confirma ter sido a festa a Nossa Senhora da Orada parte integrante da festa da Páscoa.
Síntese dos elementos já conhecidos:

Fontes escritas:
1.Em 1592, o Cónego Manuel Dias visitou a Igreja de S. Vicente da Beira, em representação do Bispo da Guarda. Uma das ordens que deixou foi: «Encomendo muito aos curas e mais padres desta vila que guardem os costumes antigos não fazendo procissões das ladainhas e a acompanhar o povo nas romarias que fazem na Nossa Senhora da Orada nos dias acostumados…».
2.Em 1758, nas Memórias Paroquiais, o vigário de S. Vicente da Beira informou: «…concorre de romagem muita gente à Senhora, principalmente no Verão de várias partes, e nos sábados da Quaresma a maior parte desta vila.» A Senhora era a da Orada. Pelos vistos, o povo fez ouvidos de mercador às recomendações de 1592.
3.Um opúsculo do final do século XIX, entregue ao GEGA, por descendentes da família Robles, afirma que «Uma romaria anual no domingo de paschoela chama ao local centenas de devotos…». O local é a ermida da Senhora da Orada e o domingo de Pascoela é o 1.º domingo após a Páscoa.
4.Dois ofícios da Administração do Concelho de S. Vicente da Beira para o Governo Civil, de 16 e 23 de Abril de 1895, informam que a festa a Nossa Senhora da Orada foi nesse ano, a 21 de Abril. Estes documentos confirmam a realização da festa na data indicada pelo opúsculo do século XIX.

Outras fontes:
a)Até à extinção das Boas Festas Pascais, nos inícios dos anos 70, elas eram, no Casal da Fraga, no segundo domingo depois da Páscoa, dia da festa de Santa Bárbara. A festa já se realizava nesse dia, quando a capela estava no Valouro, limite de S. Vicente com o Sobral.
b)Nas Quintas, as Boas Festas eram no dia da romaria da Senhora da Orada, 4.º domingo de Maio. A alteração da data da romaria terá arrastado consigo as Boas Festas, para este fim de Maio.
c)Ainda hoje, algumas pessoas fazem novenas à Senhora da Orada, no início da Primavera. Parece que a tradição secular se incorporou nos genes dos vicentinos.
d)É também no segundo domingo depois da Páscoa que se realizam as festas da Senhora da Encarnação (Póvoa de Rio de Moinhos), Senhora de Mércoles (Castelo Branco), Senhora do Almortão (Idanha-a-Nova). Em S. Vicente da Beira, é a festa de Santa Bárbara.
e)Vem agora Miguel Carvalhinho, no seu estudo, concluir que «…músicas que tenham a ver com a Nossa Senhora da Serra ou das Necessidades ou da Orada, têm muito a ver com um cântico que se canta em todo o lado que é o Cântico da Aleluia, no sábado que antecede o domingo de Páscoa.»

Conclusão:
Há uma relação directa entre estas festas de Nossa Senhora e a festa da Páscoa. Em S. Vicente da Beira, essa ligação era ainda mais forte, pois começava logo na Quaresma, com as novenas populares à ermida da serra.

Retábulo de alabastro, possivelmente do século XIV. Apresenta a degolação de S. João Baptista e a flagelação de Cristo. Pertence à ermida de Nossa Senhora da Orada. Foto do Tó Sabino.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A Malha



O mangual, com pormenor da ligação entre as duas peças.


As espigas do trigo vergavam com o peso. A ceifa teve de se fazer com cuidado, para não se perderem os grãos. Nada melhor que ceifar bem cedo, começar ainda antes do nascer do sol e já ter acabado quando aquecesse. O trigo já no chão, em paveias, aguardava pelo dia seguinte.
Depois fomos fazer os nagalhos, com o atado de palha alta de centeio mergulhado na água do açude, onde o meu pai plantara a nogueira que trouxe de Aldeia de Carvalho. Uma mão cheiinha de palha de centeio, mais outra porção e atámo-las uma à outra. Mais uma terceira mão cheiinha de palha, atada com um nó à segunda e tínhamos nagalho. Fizemos os necessários para os molhos que calculávamos para o trigo ceifado e deixámo-los amontoados na borda da água, tapados com umas sacas, para não secarem,nem os roubarem.
A manhã estava ganha e ala para casa, a ver do almoço. No dia seguinte, o sol já nos apanhou a juntar as paveias em molhos e a atá-los com os nagalhos. Depois, com o burro, acarretámos os molhos para a eira, sempre com muito cuidado, pois os grãos estavam desertos para cair.
Era na eira do Sr. José Gomes, por baixo do pinhal que encosta ao Ribeiro de Dom Bento, mesmo na orla com a fazenda. A minha mãe já limpara o chão da caruma e das pinhas e dava-lhe agora uma varredela com uma vassoura que eu fizera de giesta branca.
Espalhámos o trigo, com as espigas de uma camada em cima dos caules da camada anterior. Trabalho acabado e fomos comer para a sombra dos eucaliptos. Depois estendemo-nos no chão e dormimos uma sesta. Entretanto, na eira, o trigo crestava à torreira do sol. Quanto mais quente estivesse, melhor soltaria os grãos.
O meu pai acordou suado, com um raio de luz que se infiltrara pela ramagem. Mediu a altura do sol e o relógio confirmou o que ele já sabia, eram horas de começar a malha.
Eu fui com ele. A malha era um trabalho violento, para homens, mas eu já era forte. Tínhamos dois manguales e pedi ao meu pai para malhar também. Ele autorizou, com aquela calma que sempre punha nas coisas. Deu-me dois conselhos: cuidado com as cabeças, a minha e a dele, e levantar a vara, ao alto virar a mais curta no ar e depois deixá-la cair sem fazer força.
Fomos malhando, lado a lado. O sol abrasava e o suor escorria-me pela cara e no tronco, do calor e da atrapalhação de quem aprende. Parecia fácil não fazer força quando o mangual descia, mas os braços não obedeciam à cabeça. Parti logo o pau mais curto e largo do mangual
O meu pai passou-me o dele e foi arranjar um pau novo. Eu continuei a malhar. Quando já tinha batido todo o trigo, virei a palha, por causa das espigas que estavam por baixo. Fui-lhe apanhando o jeito, mas ainda me enganei as vezes suficientes para ter o outro mangual partido quando o meu pai chegou com o novo. A malha estava quase feita. Peguei nele e acabei. Na outra ponta, o meu pai ia levantando e juntando a palha com a forquilha, enquanto a minha mãe varria o chão de grão e pragana com a vassoura de giesta, formando um monte.
O sol já começava a abrandar. Fomos comer uma bucha à sombra fresca das mimoseiras do ribeiro, junto à bica do tanque. E descansámos, à espera do vento da tarde.
E com ele limpámos o trigo, lançando-o ao alto, com uma pá, e desviando a pragana, no chão, com um ramo de giesta. Já limpo, a minha mãe passou-o pela joeira, para tirar as impurezas mais finas, e meteu-o na saca, pronto a entregar ao moleiro.
Entretanto, eu e o meu pai atámos a palha em faixas, com os mesmos nagalhos, novamente molhados para serem flexíveis e resistentes. E o burro ajudou-nos a levá-las para o palheiro. O trigo regressou connosco a casa e ficou na arca, à espera que o moleiro da Torre passasse pela Tapada.




Estas duas fotos "pedi-as emprestadas" à página do GEGA «SÃO VICENTE DA BEIRA: a Terra, as Gentes, as Tradições». Depois de entrar, clique em "Tradições" e verá um conjunto de fotos que documentam todo o processo de fabrico dos nagalhos. O artista é o Sr. Emílio Francisco do Caldeira. As fotos são certamente do Tó Sabino.


A joeira, para limpar o cereal das últimas impurezas.



A dedeira de cabedal que os ceifeiros usavam na mão esquerda, para a proteger dos cortes da foice. O ceifeiro metia na dedeira dois ou três dedos. Segundo o meu tio Joaquim Pedro Nicolau, os ceifeiros que não tinham uma dedeira destas enfiavam os dois dedos de baixo numa cana, para os proteger.



A eira do Sr. José Gomes, no seu estado actual.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Orada


O tio Joaquim Teodoro (1891-1993), em entrevista gravada, no ano de 1990:
A Senhora da Orada é muito antiga.
Houve uma lei, e foi cá e na nação toda, qualquer pai, mãe, que tivessem uma filha que aparecesse grávida, eram obrigados a desterrá-la, a matá-la ou a abandoná-la.
Um pai encontrou a filha grávida e, para não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova funda e o pai deixou-a lá. Por Deus, apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha a beber água à fonte, atrás da capela.
A rapariga esteve ali a viver naquela cova e chorava muitas lágrimas, num ermo daqueles e não se podia vir embora para casa, porque era proibido. Ela rezava muito e apareceu-lhe Nossa Senhora e disse-lhe que ela não andava grávida. Quando bebeu água numa fonte, de bruços, entrou-lhe uma cobrinha pequenina para dentro da barriga e governava-se pelo que ela comia. A Senhora disse-lhe para ir para casa dos seus pais e que lhes dissesse que aquecessem uma caldeira de leite quente e a cobra, quando lhe desse o cheiro do leite, se desenroscava e lhe havia de sair pela boca e cair para dentro da caldeira; que fizessem ali uma capelinha com o nome de Nossa Senhora da Orada. Orada pela oração que a rapariga fazia.
Os pais da rapariga pediram então uma esmola pelo povo e fizeram a capelinha. Na pia da água benta, dentro da capela, estava lá a cobra.
A capela já foi acrescentada, por várias vezes. Em 1930, quando a minha primeira mulher morreu, andavam a acrescentar a capela-mor, porque era muito pequenina.
Estiveram lá uns frades, há muitos anos.
A parte da casa onde estava a pedra d´hera pertencia à capela. O António Neto tirou a pedra e levou-a para a capela.
Eu estive lá muitos anos como rendeiro. O ermitão que lá estivesse era senhor da casa toda, só no dia da festa é que não. Vinham os festeiros a prepará-la, porque os padres iam lá a comer. A festa foi sempre no quarto domingo de Maio.
Houve um homem, o Ricardo Velho, avô do Manuel Valente, que aforou aquilo e morreu-lhe a mulher e depois ficou para a Casa Cunha. Depois eu estive lá de rendeiro e ainda me obrigavam a dar uma galinha com uma ninhada de pitos e muitas coisas da agricultura.
Havia uma fonte que estava atrás da capela, essa é que era a fonte. O Ricardo Velho é que, para aproveitar aquele bocadinho, arrasou a fonte e foi pô-la do outro lado, mas a fonte natural era atrás da capela. E ao pé da fonte havia um moinho para moer milho e outra semente.


Casa CunhaEsta família comprou a propriedade da ermida à Câmara Municipal, em data que ainda não conhecemos, mas certamente por volta de 1850. Em 1980, a Casa Cunha vendeu-a a Joaquim Teodoro dos Santos e a José Francisco Matias, os quais dividiram propriedade entre si e ainda hoje a detêm. É na parte de José Francisco Matias que se capta a água Fonte da Fraga.

CruzLocaliza-se a cerca de 100 metros da capela, no alinhamento desta com a casa do ermitão, sempre a subir, no meio do mato. Tem a data de 1887.

Festa no quarto domingo de MaioNão tinha razão o tio Joaquim Teodoro. Pelo menos até 1895, ano em que a festa se realizou no dia 21 de Abril, a data da festa era no domingo de Pascoela, que é o 1.º domingo depois da Páscoa. No passado, a romaria a Nossa Senhora da Orada integraria os festejos da Páscoa.

Fonte atrás da capelaSegundo relato do pároco de S. Vicente, na altura o P.e Tomás da Conceição Ramalho, em 1952 construiu-se o muro de suporte do terreiro da capela, tendo sido encontrada esta fonte, que foi novamente soterrada. António Teodoro trabalhou nessa obra como pedreiro e garantiu que a fonte tinha inscrições antigas e que foi tapada sem ser demolida. O P.e António Branco informou-nos que, em obras posteriores, tentaram localizar a fonte, mas não conseguiram.
O buraco na parede serve para escoar a água dessa nascente. Ao lado, havia um moinho.


Pedra d´heraÉ uma pedra de calcário, com o símbolo da Ordem de Cristo, que estava na parede da casa do ermitão. O António Neto, mordomo da capela durante muitos anos e colaborador do P.e Branco, tirou-a da parede da casa e guardou-a, para proteger esta obra de arte. Na parede da casa, ainda continua aberto o buraco do sítio onde estava a pedra.

Ricardo VelhoEra descendente de Ricardo Joze que, na época das Invasões Francesas (1807-1812), era o ermitão da Senhora da Orada. Ricardo Joze era natural do Souto da Casa. Cultivava as fazendas da ermida, era carpinteiro e cuidava da capela. O Ricardo Velho terá sido ermitão, nos inícios do século XX. Assim, esta família ocupou o cargo de ermitão da Senhora da Orada durante cerca de 100 anos. O Ricardo Velho era o avô do Manuel Valente.

Mais informação sobre a ermida pode ser consultada no livro: “Senhora da Orada”, de José Teodoro Prata, publicado pelo GEGA, em 2001. As fotos são do Tó Sabino. O livro está esgotado, mas existe em muitas casas de S. Vicente da Beira.