sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Orada


O tio Joaquim Teodoro (1891-1993), em entrevista gravada, no ano de 1990:
A Senhora da Orada é muito antiga.
Houve uma lei, e foi cá e na nação toda, qualquer pai, mãe, que tivessem uma filha que aparecesse grávida, eram obrigados a desterrá-la, a matá-la ou a abandoná-la.
Um pai encontrou a filha grávida e, para não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova funda e o pai deixou-a lá. Por Deus, apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha a beber água à fonte, atrás da capela.
A rapariga esteve ali a viver naquela cova e chorava muitas lágrimas, num ermo daqueles e não se podia vir embora para casa, porque era proibido. Ela rezava muito e apareceu-lhe Nossa Senhora e disse-lhe que ela não andava grávida. Quando bebeu água numa fonte, de bruços, entrou-lhe uma cobrinha pequenina para dentro da barriga e governava-se pelo que ela comia. A Senhora disse-lhe para ir para casa dos seus pais e que lhes dissesse que aquecessem uma caldeira de leite quente e a cobra, quando lhe desse o cheiro do leite, se desenroscava e lhe havia de sair pela boca e cair para dentro da caldeira; que fizessem ali uma capelinha com o nome de Nossa Senhora da Orada. Orada pela oração que a rapariga fazia.
Os pais da rapariga pediram então uma esmola pelo povo e fizeram a capelinha. Na pia da água benta, dentro da capela, estava lá a cobra.
A capela já foi acrescentada, por várias vezes. Em 1930, quando a minha primeira mulher morreu, andavam a acrescentar a capela-mor, porque era muito pequenina.
Estiveram lá uns frades, há muitos anos.
A parte da casa onde estava a pedra d´hera pertencia à capela. O António Neto tirou a pedra e levou-a para a capela.
Eu estive lá muitos anos como rendeiro. O ermitão que lá estivesse era senhor da casa toda, só no dia da festa é que não. Vinham os festeiros a prepará-la, porque os padres iam lá a comer. A festa foi sempre no quarto domingo de Maio.
Houve um homem, o Ricardo Velho, avô do Manuel Valente, que aforou aquilo e morreu-lhe a mulher e depois ficou para a Casa Cunha. Depois eu estive lá de rendeiro e ainda me obrigavam a dar uma galinha com uma ninhada de pitos e muitas coisas da agricultura.
Havia uma fonte que estava atrás da capela, essa é que era a fonte. O Ricardo Velho é que, para aproveitar aquele bocadinho, arrasou a fonte e foi pô-la do outro lado, mas a fonte natural era atrás da capela. E ao pé da fonte havia um moinho para moer milho e outra semente.


Casa CunhaEsta família comprou a propriedade da ermida à Câmara Municipal, em data que ainda não conhecemos, mas certamente por volta de 1850. Em 1980, a Casa Cunha vendeu-a a Joaquim Teodoro dos Santos e a José Francisco Matias, os quais dividiram propriedade entre si e ainda hoje a detêm. É na parte de José Francisco Matias que se capta a água Fonte da Fraga.

CruzLocaliza-se a cerca de 100 metros da capela, no alinhamento desta com a casa do ermitão, sempre a subir, no meio do mato. Tem a data de 1887.

Festa no quarto domingo de MaioNão tinha razão o tio Joaquim Teodoro. Pelo menos até 1895, ano em que a festa se realizou no dia 21 de Abril, a data da festa era no domingo de Pascoela, que é o 1.º domingo depois da Páscoa. No passado, a romaria a Nossa Senhora da Orada integraria os festejos da Páscoa.

Fonte atrás da capelaSegundo relato do pároco de S. Vicente, na altura o P.e Tomás da Conceição Ramalho, em 1952 construiu-se o muro de suporte do terreiro da capela, tendo sido encontrada esta fonte, que foi novamente soterrada. António Teodoro trabalhou nessa obra como pedreiro e garantiu que a fonte tinha inscrições antigas e que foi tapada sem ser demolida. O P.e António Branco informou-nos que, em obras posteriores, tentaram localizar a fonte, mas não conseguiram.
O buraco na parede serve para escoar a água dessa nascente. Ao lado, havia um moinho.


Pedra d´heraÉ uma pedra de calcário, com o símbolo da Ordem de Cristo, que estava na parede da casa do ermitão. O António Neto, mordomo da capela durante muitos anos e colaborador do P.e Branco, tirou-a da parede da casa e guardou-a, para proteger esta obra de arte. Na parede da casa, ainda continua aberto o buraco do sítio onde estava a pedra.

Ricardo VelhoEra descendente de Ricardo Joze que, na época das Invasões Francesas (1807-1812), era o ermitão da Senhora da Orada. Ricardo Joze era natural do Souto da Casa. Cultivava as fazendas da ermida, era carpinteiro e cuidava da capela. O Ricardo Velho terá sido ermitão, nos inícios do século XX. Assim, esta família ocupou o cargo de ermitão da Senhora da Orada durante cerca de 100 anos. O Ricardo Velho era o avô do Manuel Valente.

Mais informação sobre a ermida pode ser consultada no livro: “Senhora da Orada”, de José Teodoro Prata, publicado pelo GEGA, em 2001. As fotos são do Tó Sabino. O livro está esgotado, mas existe em muitas casas de S. Vicente da Beira.

Um comentário:

Anônimo disse...

As imagens da Senhora "Dorada"... os tios que virão (ou não) na excursão de Lisboa, os ovos verdes na merenda pronta de véspera, as pútegas que se apanhavam e comiam no caminho do Casal "das Fragas" para a capela, o meu pai a escolher o melhor leirão para assentar arraiais e depois se comer a merenda, o sermão do padre Branco a falar dos emigrantes e dos soldados em África (duas referências que, dizia a experiência, eram dinheiro em caixa - emoção e choro garantidos), os corações de açúcar à venda numa das barracas, o projecto do tio M. Paiágua para resolver o problema do trânsito no local, no dia da festa, um flash fugaz dos rostos do avô Francisco e da avó M. do Rosário, a água que tantos juram capaz de fazer milagres, o vaso posto em cima da bica, com nome e ano - JT; 1970.

jmt