quinta-feira, 28 de maio de 2009

Albano Jerónimo


A revista VISÃO, n.º 846, de 21 a 27 de Maio, traz reportagem sobre o nosso Albano Jerónimo. Não o lavrador, já falecido, mas o neto, jovem actor já consagrado.
O autor da notícia escreve, a certa altura:
«Não haverá nada de genético na sua decisão de ser actor. Nem os pais nem os irmãos – dois, mais velhos – estiveram alguma vez ligados à arte de representar.»
Engano, Albano. É mesmo dos genes! Lê a história que se segue e compreenderás.
E explica lá ao jornalista que ser actor e ser tímido são condições indissociáveis. Nós, os tímidos, exprimimos no faz de conta do teatro, do cinema, da escrita, dos blogues, o que os outros extravasam em cada momento do dia a dia.



Aqui vai a história:

O meu pai António Teodoro, de cognome, o Bravo, era primo direito da tua mãe, Jerónimo da parte da minha avó Maria Rosário Jerónimo, irmã do teu avô Albano Jerónimo.
Nasceu em Castelo Branco e dividiu a infância entre a cidade e S. Vicente da Beira, dependia do trabalho do avô Francisco, um hortelão de mão cheia, com quem aprendi a perfeição.
A escola encontrou-a só aos 14 anos, ainda em construção. Era moço de serventia dos pedreiros que erguiam o liceu de Castelo Branco e, a levar-lhes água e os ponteiros afiados, entre graçolas e ralhetes, vivia contente como um alho!
Mas a patroa da Feiteira deu em bater na tia Celeste, ainda menina, e o avô Francisco não esteve pelos ajustes. Porrada nos filhos, só ele! Mandou vir o carro de bois, enrolou os pertences numa manta e ala para a Vila.
O meu pai tornou-se pastor do tio Joaquim Teodoro que trazia arrendado o Rabaçal, a propriedade mais cimeira do vale da Senhora da Orada, situada ainda mais acima da capela, no caminho para o Fundão.
Em Maio, na calma da serra, tirava a roupa e enfeitava-se de flores dos matos. E vestido de ramos floridos descia as encostas da Gardunha, à hora de meter as cabras na corte.
Anos depois, antes de ir para a tropa, trabalhou nas Minas da Panasqueira. Com algum dinheiro que ganhou, comprou uma concertina. Aprendeu a tocar e animou festas e tascas. Comigo, teve dois desgostos: não era futebolista, nem sabia tocar concertina!
Mas isso foi mais tarde. Antes, casou e encheu-se de filhos. À hora da ceia, o único momento em que estava connosco, sentava os quatro mais pequenos ao colo, dois em cada perna, e vá de inventar histórias para nos encantar, como quando foi atacado por um rebanho de sardões à chegada ao Ribeiro de Dom Bento e valeu-lhe pegar numa varinha e tocá-los com jeito e manha, até os meter todos no palheiro e fechar a porta! Ou as lengalengas tradicionais, como aquela, nossa preferida, mas poucas vezes contada, da garrana dar um berro, que toda a gente atormentou, só uma velhinha ficou, atolhada num chocalho de merda até ao pescoço…
Nesse tempo, vivíamos na Tapada da Dona Úrsula. Na véspera dos Reis, o meu pai garantiu-nos que nesse ano é que os Reis iam mesmo passar pela Tapada. Claro que acreditámos! Ao entardecer, ele desapareceu, talvez tivesse ido a armar um ferro.
E no escuro da quelha, surgiu um vulto encoberto numa manta de trapos, dos lados da casa da minha madrinha. Nós e os meus primos, o João, o Tó e a Santita, ficámos perplexos, num encantamento temeroso. A medo avançámos para o Rei Mago e pedimos um presente. Deu algumas coisas aos da frente e desapareceu na esquina da nossa casa. Um grito da minha irmã Fátima! Duas das prendas eram metades de um livro da carrinha da Gulbenkian.
Houve ralhos e choros, mas o senhor Gulbenkian foi compreensivo.
Foi a única vez em que me apareceram os Reis Magos!
Depois, chegou a minha vez. Desde os 14 anos que faço ou oriento teatro. Coisas simples. Primeiro como actor, no Seminário do Tortosendo, depois como encenador, em S. Vicente e nas escolas por onde fui passando. No ano passado, a minha escola levou à cena, no Cine Teatro Avenida de Castelo Branco, uma peça da minha autoria.
Uma sobrinha minha, a Rita Costa, seguiu também as artes do faz de conta. Hoje, a minha filha Filipa sentirá pela primeira vez a magia de estar em palco, na festa da sua escola.
E isto será apenas a ponta do icebergue dos Jerónimos. Quantos mais não terão muitas outras histórias para contar?


Fiquei feliz por proibires a entrada a quem não andar espantado de existir. Há tantos anos que não encontrava alguém que vibrasse com as “Aventuras de João Sem Medo”! Um abraço. Merecido, por seres Jerónimo e por conheceres este livro do José Gomes Ferreira.


Fotos da revista VISÃO.

8 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Conversei com a tia Eulália e, afinal, a patroa da Feiteira batia era na tia Celeste. Com pouco mais de 10 anos, ela é que guardava as vacas e a patroa ralhava-lhe muito e batia-lhe por tudo e por nada.
Nesse tempo, a tia Eulália era de tenra idade e fazia companhia à menina da senhora, mais ou menos da idade dela.

Tina disse...

Mano, como é bom por uns instantes regressar às origens ficar a conhecer um pouco mais da nossa terra e das nossas gentes. Continua a partilhar connosco.
Tina

Morgaine disse...

É sempre uma delícia ouvir as histórias que fazem parte da nossa história familiar. Um grande abraço da chora-que-logo-bebes :D

José Teodoro Prata disse...

Só hoje (16 de Junho de 2009), ao analisar a região de S. Vicente, na carta militar, me apercebi de que trocara Rabaçal por Balcaria.
Já corrigi.

Paulo Duarte de Almeida disse...

Caro José Teodoro,

O que é que estes Jerónimos são a Miguel Jerónimo casado com a minha tia-avó Ana?

Cumprimentos

Paulo

José Teodoro Prata disse...

Ainda não falei com ninguém sobre a sua pergunta, mas havia um Miguel Jerónimo a morar no cimo de Vila, no alto da Rua Manuel Lopes, e penso que a esposa se chamava Ana.
A ser este, era irmão de Albano Jerónimo, avô materno deste actor Albano Jerónimo.
Eu sou neto paterno de uma irmã destes dois Jerónimos, chamada Maria do Rosário Jerónimo, casada com Francisco Teodoro, moradores no Casal da Fraga.
Soube há dias, pela minha prima Luzita Candeias, que estes Jerónimos tinham um quarto irmão, Francisco Jerónimo, que foi cumprir o serviço militar em África, talvez durante a 1.ª Guerra Mundial, lá casou e nunca mais voltou.

Paulo Duarte de Almeida disse...

Deve ser esse. Este Miguel Jerónimo era talhante. Era pai de uma Maria da Luz que mora ou morava no Casal da Fraga.

Muito obrigado

Paulo

José Teodoro Prata disse...

É isso mesmo!