Mostrando postagens com marcador grande guerra. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador grande guerra. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Os sanvicentinos na Grande Guerra


Aires Pedro

Aires Pedro nasceu em São Vicente da Beira, no dia 29 de julho de 1894. Era filho de João Pedro, cultivador, e Antónia Joaquina. 
De acordo com a sua Folha de Matrícula, assentou praça no dia 9 de julho de 1914. Foi incorporado em 12 de maio de 1915, no 2.º Batalhão de Infantaria 21 de Castelo Branco, onde fez a instrução da recruta. Na altura sabia ler e escrever mal e tinha a profissão de jornaleiro.
Mobilizado para integrar o Corpo Expedicionário Português, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, com o posto de soldado da 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21. Tinha o número 380 e placa de identidade n.º 8873
Do seu boletim individual de militar do CEP consta o seguinte:
a)     Punido em 13 de julho de 1817, pelo Comandante, por se ter negado a cortar o cabelo, dizendo que não o cortava nem que o mandassem para a 1.ª linha;
b)     Punido com 6 dias de detenção, por se apresentar na formatura apenas com uma alpercata, dizendo que a outra tinha desaparecido;
c)      Punido com 10 dias de detenção, por ter comido a ração de reserva que lhe tinha sido distribuída;
d)     Baixa ao hospital, por motivo não especificado, entre os dias 10 e 16 de janeiro de 1918;
e)     Louvado pela coragem e disciplina mostradas durante o raide efetuado pela sua companhia, no dia 9 de março de 1918;
f)       Punido em 2 de junho de 1918, com 15 dias de prisão, por ter abandonado o trabalho em 30 de Março e 2 de junho, desobedecendo às ordens do capitão, recusando-se a trabalhar e afirmando que ele ali não mandava nada;
g)      Punido em 5 de junho de 1918, com 5 dias de detenção, por ter faltado ao toque das 13h;
h)     Punido com 10 dias de prisão disciplinar, em 22 de julho, por levar de rastos uma pá que lhe tinha sido entregue para trabalhos de fortificação, sendo necessária a intervenção de um superior;
i)        Punido com 10 dias de detenção, em 1 de outubro de 1918, por uns dias antes se ter afastado do campo de instrução para ir beber água numa casa próxima;
j)        Punido com 15 dias de prisão correcional no DD1 (Depósito Disciplinar 1), no dia 17 de dezembro de 1918; voltou à unidade em 2 de janeiro de 1919.
k)      Regressou a Portugal no dia 23 de fevereiro de 1919, a bordo do navio Helenus, e domiciliou-se em São Vicente da Beira.
Passou à reserva ativa, em 11 de abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1935.
Louvores e condecorações:
·    Louvado pela coragem e disciplina que demonstrou no raide efetuado pela sua companhia, no dia 9 de março de 1918, contribuindo pelo seu esforço e ação para o êxito daquela operação;
·        Medalha militar de cobre com a legenda: França 1917-1918. 
  
 
Família:
Aires Pedro casou com Maria Justa, natural de São Vicente da Beira (ainda hoje é lembrado como “Aires da ti Justa”), em abril de 1921. O casamento foi dissolvido por morte da esposa, em junho de 1945. Voltou a casar com Maria Antónia Varanda, em agosto de 1948. Não deixou descendência do primeiro, nem do segundo casamento.
Aires Pedro foi gaseado na frente de guerra (talvez o motivo do internamento entre 10 e 16 de janeiro de 1918) o que, aliado a outras dificuldades por que passou, o tornaram numa pessoa com muitos problemas de saúde. Nos arquivos do hospital da Santa Casa de São Vicente da Beira existem registos de vários internamentos ao longo dos anos. Estas circunstâncias trouxeram-lhe muitas dificuldades em angariar os meios de subsistência necessários para viver com algum conforto. A única profissão que lhe conheceram foi a de carvoeiro, mas mesmo esta sem muitos proventos. Viveu quase sempre numa situação de grande pobreza.
Faleceu em 1962 e, segundo o livro de enterramentos da freguesia, foi sepultado na condição de indigente (contam que, na altura, foi feito um peditório pela Vila para lhe comprarem o caixão). Tinha 68 anos de idade.

Maria Libânia Ferrreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
À venda, em São Vicente, nos Correios e no Lar; em Castelo Branco, na Biblioteca Municipal.
A Câmara Municipal, que editou a obra, aceitou que o dinheiro da venda dos livros em São Vicente reverta para o Lar da Misericórdia.
Preço: 15 euros

sábado, 19 de janeiro de 2019

Os sanvicentinos na Grande Guerra



Agostinho Miguel


 Agostinho Miguel nasceu em São Vicente da Beira, no dia 11 de setembro de 1893. Era filho de António Miguel, jornaleiro, e de Francisca Marques, moradores na Rua das Lajes.
Frequentou a escola primária e fez a 4.ª classe com o Padre José Antunes que, naqueles tempos, era considerado um dos melhores professores das redondezas. Diz o filho Albino que « cá na terra, naquele tempo, havia muitos ricos que nem a 4º classe tinham, mas o meu pai, pobre como era, lia e escrevia tão bem que fazia ver a muitos doutores».

De acordo com a sua Folha de Matrícula, assentou praça no dia 9 de julho de 1914 (esta data pode não estar correta) e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha de Castelo Branco. Na altura tinha a profissão de alfaiate.
Após a conclusão da recruta, foi destacado para Angola, para onde embarcou a 10 de setembro de 1914. Integrou a 1.ª Expedição que partiu para aquela província ultramarina, a fim de reforçar o contingente militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã. Participou em várias ações, nomeadamente na que teve lugar no dia 18 de dezembro de 1914 contra as tropas inimigas, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Calueque. Embarcou de regresso à Metrópole, no dia 17 de julho de 1915.
Em 9 de abril de 1916 foi promovido a 1.º Cabo e, pouco tempo depois, destacado para a Província de Moçambique, para onde seguiu em 24 de junho, integrando a 3.ª Expedição enviada para aquele território. Terá participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do rio Rovuma, para norte, e resgatar alguns postos ocupados pelos alemães. Felizmente não fez parte do elevado número de baixas em combate ou pelas inúmeras doenças que vitimaram muitos militares. Regressou a Lisboa, no dia 21 de dezembro de 1917.
Foi promovido a 2.º Sargento, certamente pelos bons serviços que prestara nas províncias ultramarinas, mas também por ter frequentado a Escola de Sargentos, onde obteve a classificação de 8 valores.
Licenciado em 30 de novembro de 1918, passou à reserva ativa em 31 de dezembro de 1918 e à reserva territorial em 31 de dezembro de 1934.
Condecorações:
·        Medalha comemorativa das campanhas no sul de Angola;
·        Medalha comemorativa das operações em Moçambique;
·        Medalha da Vitória.
O filho Albino diz que ainda se lembra de ver uma caixa com as medalhas que o pai recebeu; a neta Gabriela Vitório também conta que se lembra da mãe dizer que, em criança, brincava com as medalhas e os botões do capote que o pai tinha trazido da guerra. Depois terão desaparecido.
Agostinho Miguel ainda quis continuar a vida militar quando regressou das campanhas em África, mas desistiu para se casar com Margarida Moreira, a namorada de quem gostava muito.
«O meu pai chegou a sargento e tinha vontade de seguir a carreira militar, mas teve que desistir, porque o comandante da companhia queria que casasse com a criada dele. Ele, que já namorava uma rapariga (a mais linda cá da terra), negou-se, e começou a ser mal visto pelo superior. Com medo, abandonou a tropa e ficou convencido que, por causa disso, o comandante fez com que não lhe fosse dada a pensão a que tinha direito. Só começou a recebê-la já muito mais tarde.» (Testemunho do filho Albino Miguel) 

Família:
Agostinho e Margarida casaram no Posto do Registo Civil da freguesia de São Vicente da Beira, no dia 28 de fevereiro de 1919, e tiveram oito filhos:
1.      Adelino Miguel, que faleceu com 4 anos de idade;
2.      Rosalina Moreira, que casou com Aurélio Moreira e tiveram 7 filhos (4 morreram ainda crianças);
3.      Albino Moreira, que casou com Maria da Luz Inácio e tiveram quatro filhos;
4.      Maria de Jesus Moreira, que casou com Francisco Vitório e tiveram quatro filhos;
5.      António Miguel, que casou com Maria de Jesus Vitório e tiveram dois filhos;
6.      Francisco Miguel Cardoso, que casou com Maria do Céu e tiveram 3 filhas;
7.      Adriano Miguel, que casou com Maria da Silva e tiveram três filhos;
8.      Palmira Moreira, que casou com Ernesto Caetano e tiveram dois filhos.

«Quando o meu pai voltou da guerra começou a trabalhar na Quinta do Conde, como guarda. Era ele que tomava conta das propriedades que o Conde da Borralha tinha cá em São Vicente, que por cá era quase tudo dele, fora o que tinha por outros lados. Passava os dias a andar a pé, desde manhã até à noite, e só quando tinha que ir para mais longe é que ia a cavalo. Quando ia aos Escalos de Baixo, buscar o dinheiro da venda do minério da mina do Monte de São Luís, até levava a espingarda às costas, não fosse algum assaltante atravessar-se-lhe ao caminho.
À noite, quando chegava a casa, passava o serão a ensinar os garotos que moravam ali ao pé de nós. A nossa casa, ao serão, até quase que parecia uma escola. Foi ele que ensinou o Zé Colmeias, o Chico Calmão, o João Nunes e muitos outros. Também foi ele que me ensinou a mim a ler e a escrever; a mim e a mais alguns dos meus irmãos que não andaram na escola. O que sei a ele o devo e só não aprendi mais porque a minha queda era mais para a música. Desisti de fazer os exames e fui para a Banda. Andei lá mais de 60 anos!
O meu pai era bom homem; muito reto, mas um bocado militarista. O que ele dizia é que era. E à noite dizia logo que quem não estivesse em casa ao tocar das “Ad’Marias”, já não entrava. De modos que a gente, mal ouvia o sino, ó pernas para que vos quero, por aquela rua acima! E era muito temente a Deus. Não íamos para a cama sem rezar o terço e sem lhe pedirmos a bênção. Outros tempos…
Depois da divisão da Quinta do Conde, foi dispensado e ainda trabalhou alguns anos para o Coronel Barreiros, mas por fim, como não tinha terras, dedicou-se apenas a tratar uma horta que trazia à renda e a guardar algumas ovelhas que tinha.
Passados muitos anos, ainda conseguiram que lhe fosse atribuída a pensão a que tinha direito pelo tempo em que andou na Guerra. Não seria muito, mas ajudou-o a ter uma velhice um pouco melhor.» (Testemunho do filho Albino Miguel)
Agostinho Miguel, a quem toda a gente chamava Agostinho Sargento, certamente pelo posto a que chegou como militar, mas também pelo respeito que tinham por ele e pela persistência e frontalidade com que defendia as suas razões, faleceu no dia 27 de fevereiro de 1981. Tinha 87 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho Albino Moreira e das netas Gabriela Vitório e Filomena Caetano)

Maria Libânia Ferrreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
À venda, em São Vicente, nos Correios e no Lar; em Castelo Branco, na Biblioteca Municipal.
A Câmara Municipal, que editou a obra, aceitou que o dinheiro da venda dos livros em São Vicente reverta para o Lar da Misericórdia.
Preço: 15 euros