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segunda-feira, 14 de março de 2022

Ainda os nossos professores

 A educação, no Reino de Portugal e em todas as terras do seu domínio, foi durante mais de duzentos anos confiada quase exclusivamente à Companhia de Jesus. Tinha, por isso, uma influência teológica muito grande. Com a Reforma Pombalina, em meados do século XVIII, influenciada pelas ideias Iluministas que cresciam por toda a Europa, as escolas Jesuítas são encerradas e o ensino secularizou-se, passando para a responsabilidade do Estado.

Alvará de 28 de junho de 1759 no qual D. José I traça algumas das ideias do que deveria ser o ensino em Portugal (retirado do livro de Francisco Goulão - Ensino Popular na Beira Baixa.

 

Após o encerramento dos Colégios Jesuítas, e durante um período relativamente longo, o Marquês de Pombal mandou que se fizesse um levantamento minucioso das necessidades do país e planeou uma rede de escolas que cobria grande parte das localidades principais do território nacional. Nesse mapa é estabelecida a localização das escolas bem como o número de lugares docentes por cada disciplina: Gramática Latina (236 lugares), Mestres de Ler e Escrever (440 lugares), Grego (38 lugares), Retórica (49 lugares) e Filosofia (35 lugares). Com a publicação da Carta de Lei de 6 de Novembro de 1772 está criado, finalmente, o ensino público em todo o Reino

O livro de Joaquim Ferreira Gomes - O Marquês de Pombal, criador do ensino primário oficial (PDF disponível na internet) apresenta-nos uma tabela onde podemos ver a distribuição destes lugares pelas diferentes comarcas do país. Na comarca de Castelo Branco foram criados 23 lugares para as diferentes cadeiras. Curiosamente, São Vicente não consta dessa lista inicial. Só uns anos mais tarde, por provisão de 13 de fevereiro de 1780, tivemos a nossa escola oficial de Primeiras Letras. Um dos primeiros professores dessa escola foi o Padre Joaquim Marques que, como podemos ver no documento seguinte, em 1805 requereu que lhe fosse renovado o título de propriedade do lugar que já regia há vários anos. A pretensão foi aceite pelo Príncipe Regente D. João, que autorizou também que lhe fosse pago o ordenado anual de 60 000 réis, “pagos aos quartéis”, através do Cofre do Subsídio Literário.

 

O Padre Joaquim Marques era natural de Tinalhas, filho de Filipe Martins e Maria Marques, família com algumas posses (penso que poderá ser este Filipe Martins Marques que o José Teodoro refere no livro “O Concelho de São Vicente da Beira nos finais do Antigo Regime” dizendo que morava na Rua do Cabo, numa casa com altos e baixos e era dono de uma atafona.

Foi durante muitos anos cura em São Vicente, mas não terá chegado a pároco. O seu nome aparece várias vezes em registos de casamento e batizados, quer como testemunha, quer como oficiante. Faleceu no dia 25 de janeiro de 1840, não se sabe com que idade (os registos paroquiais de Tinalhas estão bastante danificados e por isso de difícil consulta) e foi sepultado no cemitério da Vila. Seria uma pessoa abastada, com propriedades herdadas ou adquiridas em Tinalhas, Ninho do Açor, São Vicente e Partida, que deixou em testamento a dois sobrinhos que tinha.  

 

Para além desta Escola de Primeiras Letras, sabemos também que na segunda década do século XIX já existia uma Escola de Gramática e Língua Latina em São Vicente. Um dos primeiros professores desta escola foi o padre Francisco José de Mesquita. Teria inicialmente o estatuto de professor substituto, mas, por Despacho da Real Junta da Directoria Geral dos Estudos, de 19 de Outubro de 1818, foi provido no lugar como professor “proprietário” dessa cadeira. Vencia o ordenado anual de 140 000 reis, que lhe era pago igualmente aos quartéis pelo Cofre do Subsídio Literário. Era quase o triplo do vencimento do professor de Primeiras Letras, o que, mesmo tendo em conta os anos que passaram entre esta provisão e a do padre Joaquim Marques, é bastante significativo.

 

O Padre Francisco José de Mesquita era natural de S. Vicente. É possível que tenha nascido em janeiro de 1767, filho de José de Mesquita e Maria Genoveva (esta informação pode não estar correta porque, sendo padre, o único documento que encontrei foi o registo de óbito, que não refere nem a idade nem a paternidade).

Também foi padre-cura, mas não terá chegado a paroquiar a freguesia. Não terá sido um padre muito generosa porque, referido pelo José Teodoro numa lista de pessoas que fizeram donativos para o exército português, em “O Concelho de São Vicente da Beira na Guerra Peninsular”, Francisco de Mesquita não terá contribuído com nada, apesar de, à semelhança dos seus pares, ser supostamente uma pessoa com algumas posses.

Faleceu no dia 25 de setembro de 1823 e foi sepultado na Capela de São Francisco (a atual ou a antiga capela do convento onde algumas pessoas, segundo os registos de óbito ou testamentos, pediam para ser sepultadas?). Deixou testamento.

 

Embora as intenções que orientaram a Reforma Pombalina tivessem a ambição de tornar Portugal num dos países europeus mais adiantados em termos educativos, o que conhecemos diz-nos que os resultados ficaram aquém do esperado. As razões serão várias, nomeadamente a falta de professores com preparação adequada para ocuparem os lugares deixados pelos Jesuítas, assim como a qualidade das instalações e materiais científicos e pedagógicos que existiam na maior parte das suas escolas. Terá sido também o contexto político e económico do país, que não terá permitido levar para a frente as medidas idealizadas.  O facto de, como aconteceu em São Vicente, os professores serem muitas vezes padres, também não ajudou à democratização do ensino, quer em termos de classe social quer relativamente à educação das raparigas em igualdade com os rapazes.

Os números do analfabetismo por todo o país, mas principalmente nas zonas rurais, não deixam dúvidas quanto a essa realidade. Se consultarmos os registos de casamento ou batismo a partir dos anos sessenta do século dezanove (só a partir daí os registos nos dão alguma informação a este respeito), verificamos que uma percentagem muito elevada de nubentes ou padrinhos não sabiam assinar o nome. Se nos referirmos às noivas ou madrinhas a percentagem é ainda maior. As exceções referem-se quase sempre a raparigas ou senhoras pertencentes a famílias de estatuto sociocultural ou económico mais elevado (algumas nem eram naturais de São Vicente) que poderiam ter professores particulares que se deslocavam ao domicílio. Em 1900, no distrito de Castelo Branco, o analfabetismo ainda era de mais de 85%.

E a situação mantém-se quase inalterada até meados do século passado, principalmente, ainda, por razões económicas e culturais, (os filhos eram necessários como fonte de rendimento e a escola era pouco valorizada nas classes sociais mais baixas). A partir dos anos sessenta, com alguma melhoria das condições económicas das famílias e a criação de escolas de formação de professores em várias localidades, a situação melhorou bastante. Depois do 25 de Abril de 1974, pudemos todos, fosse qual fosse a condição das nossas famílias, frequentar uma escola perto das nossas casa, com professores que ainda hoje lembramos com alguma saudade.

 

M. L. Ferreira