quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O nosso falar: ...até o Marzelo.

A anterior publicação "Mãos mágicas" continha um erro que só detetei há dois dias.
Refleti sobre a demora e conclui que não o identificara porque não era bem um erro, mas uma maneira de falar.
Tenho uma escrita muito oral (tendo a escrever como falo) e falo à São Vicente (muitas vezes sozinho) sempre que penso na nossa terra, como nos momentos em que escrevo para os Enxidros.
Ora nós devíamos dizer "...até ao Marzelo", mas dizemos "...até ó Marzelo" e mesmo "...até o Marzelo", que é uma maneira ainda mais simples (e preguiçosa) de dizer.
O meu pai, nascido em Castelo Branco, por casos do destino, mas preso ao Casal da Fraga, pelas raízes, dizia-nos "Vou o Casal" e muito raramente "Vou ao Casal" ou "Vou ó Casal".

domingo, 1 de janeiro de 2012

3.º Aniversário

Hoje comemora-se o aniversário Dos Enxidros.
O blogue atingiu o máximo de publicações semanais (cerca de três), a meio deste terceiro ano, no final da Primavera. No início deste projeto, pretendia-se uma publicação por semana.
Mas apercebi-me de que estava a fazer um esforço muito acima das minhas disponibilidades de tempo e de materiais informativos. Por isso, abrandei o ritmo.
Existe uma limitação natural deste blogue que é ser feito a partir de Castelo Branco e não de São Vicente. Essa limitação é inultrapassável e as contribuições pontuais de várias pessoas, sobretudo do Dário Inês e do Ernesto Hipólito, apenas possibilitam disfarçar momentaneamente essa realidade.
É um desejo natural dos leitores terem sempre mais informação, mas de facto não há condições para garantir mais do que uma publicação semanal e só excecionalmente duas ou três.
O blogue é visitado entre 1700 e 1900 vezes, mensalmente. Os visitantes vivem na França, Suiça, Alemanha, Inglaterra, Rússia, Brasil, México, Estados Unidos, Canadá e sobretudo em Portugal. O blogue terá perto de 100 leitores fiéis e assíduos.

Bom ano novo para todos. Que não se concretizem as previsões Maias e os dirigentes europeus saibam encontrar soluções políticas e económicas capazes de tirar a Europa da profunda crise em que se encontra.
Quanto a nós, individualmente, a solução é fazermos cada coisa o melhor possível, sem esperar que os outros o façam.
Bom 2012!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Saudade

Dois poemas da escritora Maria de Lurdes Hortas, nascida em São Vicente da Beira, mas radicada no Brasil desde menina.
Lembrança dos que estão longe, divididos entre dois mundos, aquele em que vivem e o que tiveram de deixaram.


DUPLA

Presente aqui.
Ausente além.
E vice-versa, sempre.
Assim, tão dupla
é que sou inteira.


ECO DE GONÇALVES DIAS

Minha terra tem coqueiros
onde pousam rouxinóis.
Minha terra tem pinheiros
onde canta o sabiá.
As aves da minhas terras
cantam cá e cantam lá
sempre ao inverso de onde
as deveria escutar.

Poemas publicados no suplemento IDEIAS, n.º 3, do Jornal do Fundão (04-05-1990)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mãos mágicas

Eu era já grande e por isso recusei-me dar a faca à minha irmã mais velha, quando ela a veio buscar para ir fazer a ceia. Mas como era ainda demasiado pequeno para a vencer, fugi para a minha mãe, porque ela me agarrou a tentar tirar a faca.
Corri da quelha para casa, a chamar “Ó mãe, a Fátima quer bater-me!”, mas tropecei logo no primeiro degrau do balcão. Bati com o queixo no granito e fiquei com um corte a toda a largura. A minha mãe acudiu e atou-me um lenço do queixo ao alto da cabeça, para estancar o sangue.
Depois levou-me ao hospital. Descemos pela tapada dos Candeias, direitos ao Chão dos Negrinhos, e seguimos pelo caminho ao longo do muro da Casa Cunha, até ao Marzelo e daí para São Sebastião.
Era quase sol-posto, mas a enfermeira ainda estava no hospital, parecia que à minha espera. Desinfetou a ferida, fechou a carne cortada com umas latinhas e tapou-a. Sarou sem mais novidades.
Alguns anos depois, um dia à noite, fui com a minha mãe e as minhas irmãs ver o presépio da Menina Isaura, na escola velha, mesmo ao lado do hospital. E um mundo maravilhoso se revelou aos meus olhos: o presépio numa gruta e em volta tudo o que eu conhecia, mas muito pequenino. Além das pessoas a trabalharem e das casas, havia pedras, musgo, erva e até oliveiras com azeitona. Os lavradores lavravam a terra, os pastores guardavam o gado e as mulheres lavavam a roupa no ribeiro, onde corria água de verdade.
Tudo feito pela enfermeira que anos antes me tratara a ferida no queixo. A confirmar a magia das suas mãos.

Nota: Tenho a ideia de luz de lâmpadas penduradas nuns fios a iluminar o presépio. Ora a eletricidade foi inaugurada em Abril de 1969. Deve ter sido nesse Natal que a Menina Isaura repôs o seu presépio, já apresentado em 1959 e neste Natal exposto pelo GEGA, na Igreja da Misericórdia.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Oração

Lá vai lua alta
Mais alta vai a Senhora
Que para o céu subia
Madalena vai detrás
Alcançá-la não podia
Alcançou-a em Belém
Onde Jesus Cristo lhe assistia
Nossa Senhora era tão pobre
Que nem um paninho lá trazia
Lançou as mãos à cabeça
Era um véu que trazia
Partiu em quatro quartos
Jesus Cristo embrulharia
Desceu um anjo do céu à terra
Paninho de ouro lá trazia
São José lhe perguntou
Como ficou lá Maria
Maria ficou bem
Na sua salinha metida
Cantando Avé Maria
As paredes são de ouro
Lavradas de prata fina
Quem também as lavraria
Foi o filho da Virgem Maria

Nota: Oração recolhida e publicada em trabalho escolar, por Maria Isabel dos Santos Teodoro, na década de 1980.

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Menino Jesus



FELIZ NATAL PARA TODOS

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O nosso falar: chalincar

Lembram-se do Chalim? Teria uma doença neurológica e por isso abanava muito os braços e as mãos, isto é, chalincava. Por isso ganhou a alcunha de Chalim.
A palavra mais próxima que encontrei nos dicionários, pela grafia e pelo sentido, foi chinelar: fazer o ruído de quem anda de chinelas. É o mesmo que chilindrar e chelindrar, esta da zona da Covilhã. Abanar e por isso fazer barulho é o nosso chalincar.
Há dias, levei os Enxidros a uma tertúlia literária da minha escola e li a crónica “Chalim”, publicada a 5 de fevereiro de 2010. Foi um sucesso.
Aqui vo-la deixo, porque muitos dos atuais leitores do blogue ainda não a conhecem e porque é Natal, o tempo de ser bom.

Chalim
Nunca soube o nome dele, mas chamavam-lhe Chalim. Às vezes avistava-o na Praça, sempre a babar-se e a dar com os braços e a cabeça.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à missa, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, de tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aparecer nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.