sábado, 18 de fevereiro de 2012

O bodo de São Sebastião


Florentino Vicente Beirão acaba de publicar um livro sobre os bodos em geral e a Festa das Papas de Alcains em particular.
O autor é conhecido de muitos vicentinos, alguns dos quais foram seus alunos, na Secundária de Alcains.
Na fase de investigação, esteve em São Vicente e assistiu ao bodo de São Sebastião, no dia 23 de Janeiro.
Aqui se deixa a parte do livro referente ao nosso bodo.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

O jogo do speta


Um pedaço de pau de pinheiro, da grossura de um dedo e com uma mão-travessa de comprimento, mais um pedaço de varelha de um guarda-chuva estragado espetado no miolo do pau. Afia-se a ponta do arame em pedra de granito e está pronto.
O speta da foto tem 8 cm de pau e outro tanto de arame. Ainda não foi afiado, nem será, pois o dono já não joga.
Se faltar material ou a pressa for muita, um prego de caibro também dá e até um de solho, em desespero de causa.


Joga-se de setembro a maio, depois da chuva amolecer a terra. Há dois jogadores (o azul e o vermelho). Cada um faz a sua casa, um círculo, à distância que apetecer (2 a 4 metros). Cada segmento do percurso não pode ultrapassar um palmo do jogador. Se ultrapassar, perde. Se espetar o speta e ele cair, perde igualmente e joga o adversário. Cada jogador deve dar a volta à casa do adversário e voltar para a sua.


Os jogadores já deram a volta à casa do adversário e estão a voltar para trás, pois se forem em frente não poderão entrar na sua casa.


O azul jogou, mas perdeu ao tentar circundar a sua casa, num caminho propositadamente apertado pelo adversário. Coube a vez ao vermelho que fez a mesma coisa com êxito e terminou o percurso. Para finalizar, desenha junto à sua casa uma casinha do tamanho dos três dedos maiores da mão (comprimento e largura). Espeta lá dentro o speta e termina espetando 3 vezes dentro da sua casa. Ganhou o vermelho!

Ficou célebre, entre a rapaziada do meu tempo, a resposta do Alexandre do Casal dos Ramos, quando questionado pela Dona Natália do motivo para tão grande atraso na chegada à escola:
"Estive a jogar ao speta no lagar farrancha."
Referia-se a um lagar em ruínas, junto às passadouras da ribeira. Ali, o chão era bem molinho!

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O nosso falar: estar um barbeiro

O Ernesto Hipólito recordou-nos esta expressão no comentário a "Notícias da frente agrícola". Também nos trouxe à memória as noites de caramelo. Esta é fácil, são noites de caramelo quando a geada congela e fica como que em ponto de caramelo.
Estar um barbeiro é muito mais subtil! Os barbeiros rapam (rapavam) as barbas dos homens com as navalhas, tal como o vento gelado na cara das pessoas parece rapar-lhes (cortar) a cara.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FORAL MANUELINO - São Vicente, em 1496

O numeramento de 1496 foi uma das primeiras contagens da população portuguesa.
O concelho de S. Vicente da Beira tinha, então, 337 vizinhos (agregados familiares), o que corresponde a uma população de perto de 1 200 pessoas, dispersas por aldeias e casais, desde os cumes da Gardunha à Ocreza e desta à ribeira de Almaceda.

O concelho arrecadava, de rendimentos anuais, 16 000 réis, de diversas proveniências: 6 a 7 000 réis de portagem (imposto pago, pelos comerciantes forasteiros, à entrada da Vila, pelas mercadorias transportadas); 8 000 réis de foros (rendas de terras públicas); 1 600 réis de “soldo d´água”, um imposto pago no concelho, a que tinha direito Vasco Gil de Castelo Branco. Os rendimentos da portagem e dos foros eram divididos, em partes iguais, pelo comendador da vila e pelo mosteiro de São Jorge de Coimbra.
Este mosteiro foi uma das entidades que concedeu foral a São Vicente, em 1195, e o comendador era da Ordem de Avis, que aqui tinha uma comenda e com os seus rendimentos pagava metade das despesas da Igreja, no concelho (despesas correntes e sustento dos clérigos). A outra parte era paga pelo mosteiro de São Jorge, a quem cabia nomear o vigário (o chefe do clero do concelho) e pagar a outra metade das despesas religiosas. Por esta altura, essa obrigação passou para a comenda da Ordem de Cristo, criada pelos bens que tinham pertencido ao morteiro de São Jorge.


Janela manuelina na parede lateral da Igreja Matriz, junto ao altar-mor, a dar para a Rua da Igreja. Foi trazida de uma casa arruinada na Rua Velha, que fora a cozinha da Casa Visconde de Tinalhas, no final do século XIX e princípios do século XX.


Nesta época, no concelho, vivia um fidalgo (média nobreza) chamado Diogo da Cunha. Não foi o antepassado dos condes de São Vicente, pois esses vieram para cá através do casamento de um membro da família Cunha com uma descendente de Rui Vaz de Refoios, um membro da pequena nobreza que, em 1496, vivia em Castelo Branco
Existiam 4 escudeiros (pequena nobreza): Pedro Vasques, Rui Fernandes, Lopo de Azevedo e Pero Camelo (os dois últimos criados do rei e do Infante).
Havia, ainda, 9 oficiais, também eles pertencentes à pequena nobreza: 3 tabeliães, sendo um também escrivão das sesmarias (distribuição de terrenos incultos por cultivadores) e outro coudel (capitão de cavalos); 1 escrivão da coudelaria (criação de cavalos); 1 escrivão da câmara e almotaçaria (inspeção de pesos e medidas e fixação de preços); 2 juízes dos órfãos (menores sem pais, por morte ou abandono); 1 juiz das sisas (imposto por compra de propriedades); 1 escrivão das sisas.
O concelho de S. Vicente da Beira, era, no conjunto da Beira Interior, dos que apresentavam uma maior percentagem de privilegiados (nobres): 4%. Castelo Branco tinha 1% e a Covilhã 1,6%. Belmonte ultrapassava-nos com 4,1% e Salvaterra com 4,4%.

Além dos rendimentos acima referidos, os impostos pagos pelos judeus da comuna de São Vicente e Castelo Branco somavam 23 000 réis e pertenciam ao rei. Alguns judeus já aqui viveriam há muitos anos, mas a maioria era originária de Espanha, de onde haviam sido expulsos quatro anos antes, em 1492.
Dizer que os judeus de São Vicente e Castelo Branco formavam uma comuna significa que o rei lhes dera autonomia administrativa a troco dos referidos 23 000 réis.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Notícias da frente agrícola

1. Desde inícios de Novembro que não chove. Os terrenos estão secos, embora na serra ainda haja alguma humidade, graças à ribeira e aos seus afluentes. O ribeiro de Dom Bento está quase a secar, novamente.

2. As temperaturas andam baixas, mas mais altas do que habitualmente. Há muitas noites sem geadas ou gelo. De dia, nos sítios mais abrigados, parece primavera. Há anos aconteceu o mesmo. Os pessegueiros ficaram floridos todo o mês de fevereiro, mas pouco produziram, pois a flor estava como que congelada e a polinização foi fraca.

3. A imprensa de Castelo Branco deu notícia de um projeto agrícola que envolve um investimento de sete milhões de euros. Espera-se colher 400 toneladas de azeitona e produzir 500 mil litros de azeite por campanha. Os olivais ocuparão uma área de 300 hectares, em Vale Sarzedo e Esteveiras. Também será construído um lagar. Junto à estrada entre a ponte do Chão-da-Vã e o cruzamento do Padrão são já visíveis enormes olivais, uma barragem e um grande edifício.

4. Uma multinacional, a Unitom, está a plantar, no Ferro (Covilhã), um dos maiores cerejais do país: produzirá, dentro de 3 anos, 500 toneladas de cereja (10% da produção da Cova da Beira).

Nota: Várias publicações deste mês têm sido marcadas pelo pessimismo. Queria dar a volta a isto, mas... "Quem não tem cão caça com gato". Pode ser que as boas notícias alheias nos contagiem um bocadinho!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O nosso falar: esbarrondar

A palavra esbarrondar é relativa a barro. Desabava ou desmoronava-se uma parede em que as pedras eram coladas com barro. O mesmo que esboroar-se, que acontece frequentemente com coisas de barro já muito antigas.
Um dicionário on-line informa-me que também se usa no sentido de parir, na zona do Fundão, que é a nossa. O bebé está na barriga da mãe e, quando chega o tempo, rompe-se o véu e tudo se esbarronda, saindo a criança para o mundo exterior.
E ainda se utiliza com o significado de menstruação. Tem lógica, porque dizemos barronda se uma porca anda saída, isto é, com propensão para acasalar e procriar, pois está no período da ovulação. E a menstruação significa o fim desse ciclo reprodutor, esbarrondou-se tudo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trabalhos de fim de semana

Em 1974-75, ainda vivíamos na Tapada, a beber água da mina, à luz do petróleo. Por esses tempos, os operários da construção civil travaram grandes lutas e conseguiram melhores salários e a redução da jornada semanal de 48 para 45 horas. Assim, o meu pai trabalhava 9 horas por dia e já podia vir passar o sábado com a família.
Então, os meus pais compraram uma casa velha na Rua da Cruz e iniciámos a sua reconstrução. Como interrompi os estudos no ano letivo 75-76, o meu pai dizia-me o que fazer durante a semana e no sábado tinha tudo pronto para os trabalhos de pedreiro.
“Aqui, no chão, abres uma caixa quadrada de um metro de lado por 80 de fundo.”
No sábado, fizemos o pilar que suporta a escadaria.
“A toda a volta da parede, cava o barro por baixo da parede, da fundura de uma mão travessa.”
No sábado, encostámos uns taipais na prumada da parede e enchemos os buracos de massa.
“Esta semana, tira as telhas e arranca as ripas e os caibros.”
E foi assim, durante três anos. Depois, mudámo-nos para a casa nova da Vila. Há 37 anos, o sábado livre do meu pai fez toda a diferença para a nossa família.
A vida mudou muito, entretanto. Há cerca de 20 anos, quando se começou a falar em abrir os hipermercados aos domingos, duas funcionárias do antigo Jumbo de Castelo Branco vieram pedir-me para assinar pela abertura. Eu respondi-lhes que não assinava, pois, como professor, queria que elas passassem o domingo com os filhos.
Muitos desconhecem que o dia de descanso semanal ao domingo é uma conquista muito recente, de há cem anos, no início da Primeira República. Antes disso, a missa de domingo era um luxo proibido aos operários, numa época de grande religiosidade.
O mundo mudou para melhor, em muitas coisas, no último século, mas agora estamos a andar para trás, em nome de progressos que poucos sentem.

Nota: Ao contrário de muitos, com o Presidente da República à cabeça, que só há poucos meses perceberam a grande complexidade da crise económica que vivemos, eu percebi isso logo quando ela começou, embora tenha sido a única coisa que percebi, durante largo tempo. Por isso esta crónica não é uma tomada de posição contra ou a favor de algo ou alguém, embora não abdique da minha oposição ao aumento da riqueza nos ricos e ao consequente aumento da pobreza na classe média e nos pobres. E à desregulação das suas vidas.