sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Os ratinhos na Casa da Malta

Apresento alguns trechos do livro "A Casa da Malta", do médico-escritor Fernando Namora. As partes escolhidas narram a paragem dos ratinhos na Casa da Malta (Tinalhas), a caminho do Alentejo. Podiam ser os nossos pais ou avós, aqueles camponeses...

«Era uma espécie de saguão, colado à forja do ferreiro. Em tempos servira de abrigo às manadas de porcos da Granja; mas o patrão fora-se embora para a cidade, o portão de castanho abrira feridas ao sol e às chuvas das bandas do montado, e agora os que vinham de longe para roubar, pedir, emigrar, sabiam que era ali a sua casa. Um resto de palha da malhada forrava o chão térreo e cada ambulante acamara mais um molho de feno, de urze ou de trapos velhos. Ainda no domínio do saguão, em dois metros quadrados roubados ao adro, os ciganos arrumavam carroças e animais e expunham sedas vermelhas ao pessoal da vila.
Um dia aparecera por ali uma mulher estragada, das da vida, e uma semana depois davam com ela morta e podre num canto do saguão. Foi enterrada quando os bichos comiam a sua carne lívida e desfeita em água ludra; a autoridade foi contar que as palhas tinham sangue seco dos seus pulmões e toda a casa um cheiro empestado. Ficou o saguão com a fama de um lugar de nojo, maldito e sem dono. Agora é dos malteses: vagabundos, ciganos, gente do mundo que não escolhe tecto. É a casa da malta».
(…)
«O velho tinha chegado pela manhã, açaimara as palhas no canto protegido dos ventos, sentara-se a comer um punhado de castanhas que lhe haviam dado na Granja, e foi depois ao outro extremo do barracão olhar as nuvens pardas e a cacimba, enquanto desatava a sacola.
O filho mais velho do cigano enrolara um cigarro de barbas de milho e acendia-o na ponta chamuscada de um graveto. O cigano olhava, quase indiferente e enfadado, a mulher estendida sobre a manta. Ela voltava-se para a parede, gemia e, no intervalo das dores, apoiava-se nas lajes para se erguer e praguejar. O velho despia os farrapos do corpo e ia-os secando ao bafo das chamas».
(...)
«Veio a noite. O lume apagou-se, a vasilha de água quente deixou de desprender vapor e os homens aninharam-se nos cantos. Mas a sonolência foi logo quebrada pelos gritos e injúrias da cigana. O velho sentou-se de novo, sem mostrar desagrado, e perguntou ao cigano:
 - É pra hoje?
O homem tinha as faces transidas; os olhos húmidos, banhados de uma cor ictérica, fixaram-se nas trevas, e respondeu nuns sons incompreensíveis.
Com o amanhecer a chuva parou, a manhã nasceu serena e fria, derramando no céu uma luz álgida, sob a qual as árvores se erguiam soturnas, ensonadas. Aos poucos a névoa engoliu a claridade e dois carros de bois surgiram no adro, saídos, de súbito, de um rasgão de nevoeiro. Do grupo destacou-se um camponês com as abas do capote alentejano a abafarem as orelhas.
 - Vivam.
 Olhou o lume que o homem reacendera e disse:
 - ‘tá frio. – esfregou as mãos duras e depois remexeu-as, enervadas, sem objectivo, pelo capote grosso. Estava a preparar a pergunta: - Haverá lugar prá gente, mestre? Venho aí com uns camaradas pràs ceifas.
 - Casa de ambulante é casa de todos.
 - É. Também me disseram prà gente procurar este sítio. Vamos de passagem.
 - Todo o homem vai de passagem. A gente é como se fosse sempre a viajar neste mundo. É uma coisa sem destino certo. A gente atropela uns e outros sem pensar que a vida é mesmo uma viagem, e mais vale ajudar um camarada que fornicá-lo.
 O camponês ficou entontecido das falas do velho e julgou-o esparvoado. Quis disfarçar a conversa e disse, a fingir intimidades:
 - Deixe-me chegar à quentura. Vossemecê vai cozinhar? – E sem esperar resposta gritou para a névoa: - tragam daí uma saca! – E voltou-se para o velho e para o cigano:
- Vem aí que comer. Estamos a caminho do Alentejo, vamos prevenidos. Somos ratinhos. Vossemecês já ouviram falar em gaibéus e ratinhos?
 O velho acenou que sim. Sabia tudo. Conhecia todas as estradas; sabia que quem não tem pão na sua terra vai procurá-lo longe. E há homens, os ratinhos, que vão moirejá-lo no Alentejo.
 O ciganito tinha ouvido falar em comida a achegou-se, mas no caminho deu uma volta larga para não se aproximar da mãe. O camponês reparou na mulher quando o berro rompeu do escuro. E, alarmado, tirou o chapéu:
 - ‘stá d’ordens?
 Ia para sair, embaraçado, mas o velho pôs-lhe sossegadamente a mão no braço:
 - ‘stá de criança, sim, mas tem demora.
 Entraram outros camponeses, enquanto dois mais novos desatrelavam os bois. Foi preciso que o velho lhes espevitasse a coragem:
 - A casa é de todos.
 A cigana torceu-se no chão, levou os dedos ao ventre e deu outro grito. Os homens dos carros abriram um dos sacos e distribuíram toicinho e chouriço. O cigano estava isolado.
 - Vossemecê quer comer?
 - Nan…
 - Quer: ele tem as tripas vazias – insistiu o velho.
 Depois beberam de uma garrafa, limparam o gargalo à manga e ofereceram. Também a cigana bebeu aguardente. As dores vinham agora menos espaçadas e mais fortes. A mulher não encontrava posição. O útero contraía-se como um fruto espremido e depois ficava inerte, extenuado, mole. A mulher então suspirava, aliviada. O velho ajeitou-lhe a pele de carneiro por debaixo das nádegas e ordenou, imperioso, ao cigano:
 - Isto está por pouco. Vá arranjar uma mulher por aí e um lençol.
 O garoto cigano fora esquecido na roda de aguardente, pediu ao pai o seu quinhão e levou um sopapo rijo. O garoto puxou de um canivete, encarando o pai com desafio e maldade. Um dos homens do campo riu e agarrou-o pelas calças.
 - Olha o ganapo!
 Mas teve de safar o braço da ameaça da navalha.
 O camponês, ao lado do velho, tornou a baralhar as mãos e deu voz ás suas cogitações:
 - ‘stá-se-me a afigurar que vossemecê é daqui. Vive cá na casa.
 O velho abriu a boca e as gengivas inchada realçaram na buraca negra.
 - Sou um homem que vive da esmola. Já disse a vossemecê que ando em viagem. Ando assim a rodar, como uma bola, e o mundo também roda. – Fez um gesto circular, repetindo-o uma e outra vez, soltando uma gargalhada. – Venho a esta casa quando calha passar por aqui.
O camponês apoiou com a cabeça, receando desmentir o velho e excitá-lo. Não havia dúvidas de que o velho tinha falhas de juízo».
(…)
«O cão lambia as migalhas caídas e o ciganito pôs-se também à procura dos restos, afastando o animal. Este voltava sempre, lambuzando-lhe as faces e as mãos; depois ganiu quando o jovem dono lhe assentou o punho fechado entre os olhos. O velho pegou num braço do garoto e disse.
 - Põe-te lá fora, sobejo! Se ainda não encheste a tripa, logo a compões. Agora não é hora de estarem aqui fedelhos.
 O cigano acudiu a empurrar o ganapo para a rua.
 - Vai à praça pedir fruta.
«Pedir ou roubar», pensou o velho.
O garoto, amuado, rosnou vingança, repuxou as calças e saiu quando a mãe gritava como se tivesse o diabo no corpo:
 - Ai, que eu estoiro!
Ele sabia que as mulheres berravam para ter a canalha. Vira uma, certa vez, num pinhal, a rebolar-se no chão, mas essa lembrança esfumava-se no tempo. Agora era um homem e precisava saber ao certo como um ganapo saía de uma barriga inchada. O velho espantara-o, mas ele iria espreitar pelas frinchas do portão. Cruzou as pernas escamadas de poeira e apoiou-se às tábuas, um olho ajustado a uma fenda. Lá dentro era tudo escuro: tinha de abrir, com jeito, uma fenda maior, e depois, desfeito o segredo, largaria para a praça a negociar com um amigo cigano a sua descoberta. Talvez lhe dessem uma navalha das grandes, semelhante à do pai, se ele contasse tudo bem como era. E então viria coma navalha rasgar a barriga do velho, como se faz aos borregos.»
(...)
«Os homens tinham saído para junto dos bois. Amparados ao muro de pedra que separava o adro, cismavam. Amparados nos muros, a afeiçoar pedacinhos de sobro com a navalha, como nos dias longos da aldeia, quando não havia trabalho para ocupar os braços, depois de baterem à porta dos feitores, que os despediam com:
 - Pró que há, bonda a criadagem.
 Lá dentro ficaram a cigana, a rapariga a o velho mendigo. O ciganito agachara-se por detrás do muro, à espera que os camponeses se arredassem.
 A parturiente deu um grito maior que todos os gritos, um camponês disse a exclamação do seu povo: «Fora cão!», e fez-se de novo um silêncio grande».
(…)
« - Nasceu um menino! Que pretinho que ele é!
 Os homens descolaram do muro, esquecendo o cigarro apagado, emocionados.
A cigana estava pálida, quieta, meio adormecida; tinha os braços caídos e gastos ao longo do corpo. Os homens não sabiam palavras para dizer. A criança pertencia um pouco a todos eles.
 - Agora a gente vai preparar um jantar – anunciou, num timbre de festa, um dos camponeses.
 - As brasas inda estão quentes.
 - A gente vai assar chouriço e um naco bom de carne.
 -Há tempos que não punha o dente em carne fresca, mas vossemecês hão-de assim desfazer-se da comida para todos nós?
O velho mastigou saliva para dizer:
 - Quando um homem encontra outro com fome, reparte. Divide o que tem para comer. Pois tu querias fazer como a gente graúda: dar um pedaço de pão seco e comer os guisados?...
Troupas riu das próprias palavras e o camponês, aprovando sentenciosamente com a cabeça, tirou um navalhão do bolso para cortar uma grossa fatia de presunto. Cheirou várias vezes a carne.
 - Isto está que nem um regalo, homem! – exclamou o velho.
 - Eu queria morrer aqui hoje mesmo – disse o velho. Todos se voltaram para aquela face ressequida, onde o brilho súbito dos olhos punha qualquer coisa de anormal, de transfigurado. – Queria morrer mesmo. Hoje morria de barriga cheia e sem odiar ninguém. Tenho medo de morrer com o fel no coração, sinto que ele me entrou nas veias e que, certas vezes, me chega aqui ao peito. Se aqui chegar, morrerei como Satanás. Hoje estou contente com o mundo e não tenho nada na cabeça que seja das coisas feias que eu vivi. Vocês julgam que estou doido, mas quero falar assim mesmo. Nasceu uma criança e eu posso morrer. Ela virá fazer a viagem por mim. Se estou louco, pronto, estou louco, acabou-se. À vezes tenho vontade de ir por aí matar gente. Mas hoje não».
(…)
«Ninguém respondia ao velho, rostos atordoados de emoção. Sempre era certo o Troupas mendigo ser virado do juízo, mas sentiam que nessas palavras desvairadas havia uma coerência, uma revelação, que iam direitas ao íntimo de todos eles; elas traziam consigo lágrimas, mas também afecto e um certo conforto».
(...)
 «- Vamos comer, gente! Cheirem só este pedacinho.
O velho estendeu os dedos para o seu quinhão, arrancando um grande pedaço com as gengivas duras, e, de riso nas palavras, enquanto os músculos do pescoço ondulavam com a mastigação e os lábios escorriam gordura, comentou.
 - Isto está bom como o diabo!».

M. L. Ferreira

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Casa da Malta em Tinalhas

Ao acabar de ler um livro, ver um filme ou visitar um lugar de que gostei muito, dei comigo muitas vezes a prometer a mim própria que um dia havia de voltar a ler esse livro, ver esse filme ou visitar esse lugar (acho que isto acontece a muita gente). Mas existem tantos livros para ler, tantos filmes para ver e o mundo é tão grande que dificilmente conseguimos cumprir essa promessa.
Mas há exceções que valem a pena… Reli há pouco tempo «A Casa da Malta» e é notável a descrição que, ainda no prefácio, o Fernando Namora faz daquele lugar e das pessoas que por lá procuravam abrigo. Um retrato sociológico impressionante de uma época tão próxima de nós, mas que parece passar-se na Idade Média.
Aqui fica um bocadinho…

«Havia em frente ao meu consultório um pequeno adro e nele um casebre meio derruído, sem dono, ou assim poderia imaginá-lo pois quem o habitava era gente erradia, que vinha e partia sem se saber quando. Vagabundos, quase sempre, malteses a cumprir um fado de nómadas que a desconfiança dos outros atiçava, que a miséria deles e dos outros parecia legitimar, ambulantes que mercadejavam adornos ingénuos, campónios de passagem para ilusórios eldorados. A malta. Ali se abrigavam, para ali dirigiam sem hesitações, os passos, fosse qual fosse o seu destino, pois, reparem, quanto os simples têm o pressentimento de onde existe um tecto familiar. O instinto aponta-lhes os companheiros, avisa-os do perigo, tanto como dos apoios sem traição. Um atavismo que resulta de séculos de emboscadas, de ofensas, de sentidos apurados na espessura das noites, durante as quais foi preciso, simultaneamente, duvidar e confiar.
Esse casebre de malteses era uma nódoa no povoado. Cercavam-no, por contraste, as moradas de gente grada: o visconde perdido num casarão, os que tinham ido amealhar fortunas aos Brasis fabulosos e me davam às vezes o ar de negreiros reformados, os lavradores de largos teres que disputavam ao visconde o mando dos que obedeciam para sobreviver e ainda velhas famílias cuja última cepa seriam aquelas senhoras piedosas, magras, que nenhum forasteiro viera desencaminhar. No entanto, ninguém pensava em cauterizar essa pústula, tanto mais que só de raro em raro as pessoas que subiam a vereda reparavam que o casebre estava habitado. No intervalo de tais migrações, o tegúrio e o seu pátio serviam, uma vez por outra, para ferrar juntas de bois. No resto do tempo era uma paisagem morta. Só eu ia sondando alvoroçadamente, tecendo-lhe o enredo para as vidas insólitas com quem viera fundir-me.»

Enquanto transcrevia este texto, não pude deixar de me lembrar do Pistotira da história do Zé Barroso e de tantos outros que por aí andariam nessa época.

Quanto ao “Endireita da Paradanta”, é impressionante a crença que, ainda hoje, as pessoas têm nos curandeiros. A propósito das queixas mais ligeiras ou outras mais complicadas, o primeiro pensamento do doente ou da família é, muitas vezes, para o endireita. Actualmente os mais famosos são o do Ninho e o das Rochas. Parece que continuam a fazer milagres…

M. L. Ferreira

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O Endireita da Paradanta

            “Na primeira região da Beira Baixa que conheci não havia ali à roda curandeiros: apenas um antigo servente prestava serviços de enfermagem, sem consequências, aos seus clientes da barbearia. Falava-se muito, porém, no «Endireita da Paradanta». Era um ferreiro de dedos sensíveis e ágeis, que ajeitava com perícia ossos deslocados: os doentes chegavam em carroças, tolhidos, e o homem despedia-os pelo seu pé. Nenhum dos médicos da área conseguiu jamais gabar-se de ter observado uma fractura. Acontecia chegarem doentes ao hospital de Castelo Branco, resolvidos a correr o risco de uma assistência encartada, e aparecer um desconhecido amável, aconselhando uma retirada pela estrada da Paradanta. Às vezes eram agentes de motoristas, a quem convinha o frete rendoso.”

Fernando Namora, Retalhos da vida de um médico, Primeira Série, Publicações Europa-América, 26.ª edição, Lisboa, 2000, pp. 126 e 127 (subcapítulo VI – Mais Curandeiros).

Nota: O médico Fernando Namora trabalhou na região de Castelo Branco (Tinalhas e C. Branco) e em Monsanto, na década de 1950. Da sua passagem por Tinalhas escreveu “A Casa da Malta”, uma casa em que se abrigavam os viajantes e que se situava onde atualmente existe o Café Ginja, junto à Igreja. Neste texto, Fernando Namora parece referir-se ao período em que trabalhou em Tinalhas.

domingo, 1 de setembro de 2013

Inauguração da sede da banda


Descerrar da placa que assinala a Avenida Comendador Joaquim Morão 
(a parte da Estrada Nova desde o fundo da barreira do Hospital até São Francisco). 
Homenagem ao presidente Câmara, pelos melhoramentos realizados em São Vicente, nestes 3 mandatos autárquicos.


A nova sede da banda.
Tudo a postos para a inauguração


A banda em função, em frente à nova sede.


O presidente da Direção da Filarmónica, João Barroso, a agradecer ao presidente da Câmara Municipal, 
pela concretização deste sonho tão antigo.


O presidente da Câmara, em grande forma, como de costume.


Interior da sala de ensaios, no 1.º andar.


Finalmente, o petisco!
José Teodoro Prata e Luzita Candeias

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ir ao quinto

Desde que se lembra que acompanhava o pai na lavra das terras que traziam à renda ou nas jeiras, em campos alheios. Primeiro à frente, conduzindo as vacas, depois atrás, a guiar a charrua.
Um pouco mais velho começou a guardar as cabras na serra, por cima da Senhora da Orada. Tempos de fartura porque, se a merenda minguava, o leite corria direto das tetas do animal para a boca do pastor, fresquinho. Ainda hoje lhe sente o gosto…
Às vezes ainda fazia uns dias aqui ou ali, mas os tempos eram maus e, tirando a azeitona e a resina, pouco trabalho aparecia onde um homem pudesse ganhar a vida… 
Quando fez treze anos quis acompanhar o pai ao quinto. O trabalho era duro, mas a paga sempre era um pouco melhor. A foice afiada, uma panela de ferro enfiada num chamiço, meio quilo de açúcar, uma malga de esmalte e um copo de alumínio no fundo duma bolsa, e lá vão eles a caminho dos Escalos!
Quando encarou com ele, o manageiro torceu o nariz, mas o pai afiançou que era um bom braço de trabalho e já estava avezado à foice; não se ia arrepender… Recomendado desta maneira, foi-lhe atribuída a ração devida a um homem feito: um pão por dia, um queijo por semana, um litro de azeite e meio litro de vinagre (se fosse mulher teria direito a metade da ração, que as necessidades femininas eram outras …).
Os dias começavam ainda o Sol não espreitava lá para os lados da raia. Saíam do curral onde uma braçada de palha lhes servia de cama, comiam um naco de pão com queijo e por cima um ou dois copos de água que ajudavam a encher a barriga e a enganar a fome.
Só a ceifar eram uns vinte, nesse ano. Cada homem tinha à sua conta três leiras; punha-se na do meio e, ao ritmo de uma voz de comando imaginária, começava a cortar da direita para a esquerda. Tinham que ir todos ao mesmo ritmo e no mesmo sentido, porque se algum se atrasava a espiga já não ficava a jeito para os que vinham atrás a enfaixar. Era descompostura pela certa. Uma vergonha!...
Trabalhavam até o Sol já ir bem alto. Ao meio dia enchiam a barriga com um prato de feijões pequenos temperados com um fio de azeite, um naco de pão, e água para aconchegar. Se comessem depressa ainda poderiam descansar o corpo a uma sombra, quando a havia por perto. À uma já estavam outra vez de foice na mão para irem até que se visse, às vezes até para lá das dez porque, nesta altura, os dias estendiam-se, pringueiros, muito para além do Sol posto...
Quando largavam, já mal podiam com o corpo e com a fome, mas a ceia era ainda mais minguada que o jantar: umas sopas de pão duro migadas para a malga, amolecidas com água e adoçadas com uma colher de açúcar. O cansaço era tanto que estavam a mastigar e os olhos a fecharem-se. Às vezes nem chegavam a deitar-se no monte de palha que lhes servia de cama; tombavam para o lado e dormiam ali mesmo, ao relento, vestidos com a roupa que traziam durante o dia, ressequida pelo suor misturado com o pó da palha. Era trabalho adiantado para o dia seguinte, daí a meia dúzia de horas.
E era assim, todos os dias, durante um mês e meio. Ao fim, cada homem tinha direito a um quinto do que ceifava, o que, feitas as contas, dava um alqueire de semente por dia, mais coisa menos coisa.
Quarenta e tal alqueires de trigo, pagos a quarenta mil reis, rendiam uma boa maquia: o dobro do que ganhariam se andassem a trabalhar por dia, quando havia trabalho… Mas também, pudera, em cada jorna de ceifa cabiam muito para cima de doze horas…
Saía-lhes do corpo, mas graças a Deus que teriam farinha para as filhoses no Natal, os bolos na Páscoa, e pão trigo para os dias de festa! O resto era vendido para ajudar a pagar os avios da mercearia e outros arranjos da casa.    
Mas às vezes as dívidas já eram tantas que quando o carro de bois chegava à Vila com o quinhão de cada um, as sacas nem chegavam a atravessar a soleira da porta; iam direitinhas para os credores que tinham adiantado o dinheiro para pagar as contas que iam crescendo ao longo do ano. E aí era uma tristeza; era certo que não haveria filhoses no Natal nem bolos na Páscoa; só broa ou centeio, mesmo nos dias de festa… 
Felizmente que nesta comunidade quase medieval, havia sempre alguém que dividia com os vizinhos o pouco que tinha!

M. L. Ferreira

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Inaugurações



No próximo domingo, vão ser inauguradas as novas sedes da GNR e da Filarmónica Vicentina.

O novo quartel da GNR situa-se ao lado do atual, no outro lado da rua. É o edifício que está na foto, ao fundo. Cerca de 50 anos depois de ter chegado a São Vicente, a GNR muda-se para uma casa nova, mas continua em São Francisco, agora animada pelas brincadeiras juvenis do utentes da piscina, ali mesmo ao lado.

ÚLTIMA HORA:
A SEDE DA GNR AINDA NÃO ESTÁ PRONTA E POR ISSO NÃO SERÁ INAUGURADA.
A INAUGURAÇÃO DA SEDE DA BANDA É ÀS 17 HORAS DE DOMINGO!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Mapa de 1560


Parcela de mapa de Portugal, com SVB, publicado em Roma, no ano de 1560.
Autor: Fernando Alvaro Secco.

Ver o mapa completo em: http://purl.pt/5901/3/