quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A Casa da Malta em Tinalhas

Ao acabar de ler um livro, ver um filme ou visitar um lugar de que gostei muito, dei comigo muitas vezes a prometer a mim própria que um dia havia de voltar a ler esse livro, ver esse filme ou visitar esse lugar (acho que isto acontece a muita gente). Mas existem tantos livros para ler, tantos filmes para ver e o mundo é tão grande que dificilmente conseguimos cumprir essa promessa.
Mas há exceções que valem a pena… Reli há pouco tempo «A Casa da Malta» e é notável a descrição que, ainda no prefácio, o Fernando Namora faz daquele lugar e das pessoas que por lá procuravam abrigo. Um retrato sociológico impressionante de uma época tão próxima de nós, mas que parece passar-se na Idade Média.
Aqui fica um bocadinho…

«Havia em frente ao meu consultório um pequeno adro e nele um casebre meio derruído, sem dono, ou assim poderia imaginá-lo pois quem o habitava era gente erradia, que vinha e partia sem se saber quando. Vagabundos, quase sempre, malteses a cumprir um fado de nómadas que a desconfiança dos outros atiçava, que a miséria deles e dos outros parecia legitimar, ambulantes que mercadejavam adornos ingénuos, campónios de passagem para ilusórios eldorados. A malta. Ali se abrigavam, para ali dirigiam sem hesitações, os passos, fosse qual fosse o seu destino, pois, reparem, quanto os simples têm o pressentimento de onde existe um tecto familiar. O instinto aponta-lhes os companheiros, avisa-os do perigo, tanto como dos apoios sem traição. Um atavismo que resulta de séculos de emboscadas, de ofensas, de sentidos apurados na espessura das noites, durante as quais foi preciso, simultaneamente, duvidar e confiar.
Esse casebre de malteses era uma nódoa no povoado. Cercavam-no, por contraste, as moradas de gente grada: o visconde perdido num casarão, os que tinham ido amealhar fortunas aos Brasis fabulosos e me davam às vezes o ar de negreiros reformados, os lavradores de largos teres que disputavam ao visconde o mando dos que obedeciam para sobreviver e ainda velhas famílias cuja última cepa seriam aquelas senhoras piedosas, magras, que nenhum forasteiro viera desencaminhar. No entanto, ninguém pensava em cauterizar essa pústula, tanto mais que só de raro em raro as pessoas que subiam a vereda reparavam que o casebre estava habitado. No intervalo de tais migrações, o tegúrio e o seu pátio serviam, uma vez por outra, para ferrar juntas de bois. No resto do tempo era uma paisagem morta. Só eu ia sondando alvoroçadamente, tecendo-lhe o enredo para as vidas insólitas com quem viera fundir-me.»

Enquanto transcrevia este texto, não pude deixar de me lembrar do Pistotira da história do Zé Barroso e de tantos outros que por aí andariam nessa época.

Quanto ao “Endireita da Paradanta”, é impressionante a crença que, ainda hoje, as pessoas têm nos curandeiros. A propósito das queixas mais ligeiras ou outras mais complicadas, o primeiro pensamento do doente ou da família é, muitas vezes, para o endireita. Actualmente os mais famosos são o do Ninho e o das Rochas. Parece que continuam a fazer milagres…

M. L. Ferreira

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