quinta-feira, 26 de setembro de 2013

À caça do texugo

Este ano, ainda não tinha visto sinais dele e por isso já andava preocupado. Mas no fim-de-semana passado encontrei uma videira de moscatel branco só com os engaços pendurados, os bagos já tinham sido comidos. Foi de certeza o texugo, pois era um trabalho bem feito, sem estardalhaço, ao contrário do javali, capaz de arrancar uma videira para lhe comer apenas metade de um cacho. Por outro lado, a raposa é lambisqueira, passa e come uns baguitos, aquilo foi trabalho metódico, só de um texugo.
A minha irmã Isabel já o viu e diz que é preto e branco, mas eu nunca lhe pus a vista em cima. O primeiro e único texugo que avistei foi na primavera de 2012. Convidara o Pe. Jerónimo para apresentar, em São Vicente, o meu livro “O concelho de S. Vicente da Beira nos finais do Antigo Regime” e por isso fomos dar uma volta pelo território do antigo concelho. Entre o Barbaído e o Freixial lá ia um, todo lampeiro, na berma da estrada. Era acinzentado, com zonas mais claras e outras escuras, bem lustroso e felpudo.
Mas já o conhecia do “Romance da Raposa” do Aquilino Ribeiro, quando o li para mim e depois, repetidamente, para os meus filhos. E ainda antes, na minha infância. Nas noites quentes de verão, apareciam luzes na serra, por cima do Caldeira. Eram as almas penadas, mas alguém duvidava, talvez fosse o Joaquim do Bernardo que deixara uma lanterna no meio do milho, para afugentar o texugo.
Ele gosta de milho, não das folhas e do caule, mas dos grãos da maçaroca. Embarra-se na cana do milho e, com os dentes, rasga o folhelho que envolve a maçaroca. Depois enche a barriga e volta lá no outro dia e no outro e no outro. Como vai fazer com as minhas videiras!
O milho em São Vicente, na parte da encosta e dos vales ribeirinhos da Gardunha, é de regadia e só amadurece lá para finais de Setembro. Por isso a história da minha caçada ao texugo faz agora anos.
Tínhamos milho no Ribeiro das Moças, uma pequena propriedade das Quintas, dentro do grande vale da Ribeirinha. O texugo andava nele e já fizera bastantes estragos. Então o meu pai decidiu fazer-lhe uma espera. Eu também fui requisitado e por isso lá parti, já noite cerrada, com ele e com a minha mãe. Levávamos uma lanterna, mas só foi necessária para o caminho estreito da regadia do Carquejais, pois o restante era largo e os nossos pés já o sabiam de cor.
Chegados à horta, o meu pai fez a distribuição do pessoal: ele ficou no leirão do fundo, junto à regueira que descia leirões abaixo, e eu e a minha mãe no rego do ti António Romualdo, que levava a água da nossa mina, no terceiro leirão, para a propriedade dele. Os três armados com sachos, para o esmagar, logo que ele desse sinais.
Ficámos por ali, deitados no chão, a sentir o fresco e o cheiro da maresia, sem falar, nem nos mexermos. Sempre de ouvido à coca, quando não passávamos pelas brasas. A meio da noite, o meu pai veio fazer o ponto de situação e voltou para o seu posto. Nada. Um pouco antes de começar a aclarar, ainda noite fechada, sentimos barulho do lado de onde esperávamos o texugo, mas apareceu-nos o Tonho Romualdo, de sachola às costas, que vinha despejar a mina. Admirou-se de nos ver ali e nós explicámos. Depois chegou também o meu pai, a saber que barulheira era aquela.
Desistimos e regressámos a casa. Talvez o texugo tivesse dado pelo nosso cheiro ou o Tonho Romualdo o tenha espantado. Raio do homem, a regar à hora de dormir!

Esta, o texugo já vindimou!
José Teodoro Prata

4 comentários:

Margarida Gramunha disse...

Ao fazer a vindima na serra no passado fim de semana encontramos muitas videiras iguais a essa, ingenuamente atribuimos o prejuízo à raposa... Não sei se o avô Quim colocava lanternas no milho, mas as luzes o meu irmão garante que já as avistou várias vezes.
Em breve terminarei de ler o livro referido neste post, estou a gostar muito, confesso que não perco muito tempo nos quadros com dados , mas a envolvente sociologia e histórica de S. Vicente é para mim muito interessante. A visita a este blog é o meu momento diário relaxante, quase tão agradável como sobir a Serra. Bem Haja.

Anônimo disse...

Informo que as almas penadas não são luminosas, logo, não eram elas que andavam na serra. Confirmo que quando era pequeno usavamos a técnica da lanterna acesa durante a noite no milheiral, para afugentar o texugo.
E mais, as almas penadas são negras e o papel principal que podem ter é fazer de má hora, pois então.
fbarroso

Margarida Gramunha disse...

Ena, o que eu pedia para me flarem da ma e da boa hora... nunca percebi bem que tipo de entidade sao. Havera por aqui alguem capaz de falar sobre este tema? Todo este assunto traz a lembrança um valente susto que o tio Bernardo pregou aos amigos numa noite de caça às andorinhas...

José Teodoro Prata disse...

Margarida:
Em Junho, publicámos 3 textos sobre a Boa e a Má Hora. Se os perdeste, escreve Má Hora na janela do canto superior esquerdo e faz Enter. Eles aparecem. Mais, não sei.