sábado, 31 de maio de 2014

Seara


Uma seara como já não há.
É do Veríssimo do Sobral e fica entre a estrada e a queijaria.

José Teodoro Prata

terça-feira, 27 de maio de 2014

Cerejas


Chegaram as cerejas! 
Este ano há menos, devido ao frio da Semana Santa, mas são sempre uma festa.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Eleições Europeias

Os resultados que se apresentam são da freguesia, do concelho e do todo nacional, por esta ordem.

Partido Socialista: 39, 6%; 42, 5%; 31,5%

PSD + CDS: 31,7%; 23,9%; 27,7%

MPT (Partido da Terra): 8,1%; 6,5%; 7,2%

Bloco de Esquerda: 3,8%; 3,7%; 4,6%

CDU (PCP + Verdes): 2,9%; 7,4%; 12,7%

Livre: 0,5%; 1,9%; 2,2%

Conclusões:
1. Como de costume, basta vir aos resultados da nossa freguesia para saber quem ganha em Portugal.
2. O fenómeno Marinho e Pinho (MPT) teve aqui ainda mais impacto do que no resto do país.
3. A CDU tem fraca implantação na freguesia.

José Teodoro Prata

sábado, 24 de maio de 2014

Acampamento na Orada

Tinha eu saído do Seminário há algum tempo, quando o Zé Teodoro se lembrou de vir com alguns colegas acampar à Senhora da Orada. Escolheu a altura da festa que, no meu modesto entender, é quando a natureza com as suas cores e os seus cheiros está no seu esplendor.
Armaram a tenda na margem de lá do ribeiro do Rabaçal e, como era sábado, e a festa era só no domingo, os jovens escuteiros desceram à Vila para visitar as famílias e conviver com os amigos que já cá se encontravam para a  peregrinação.
Havia na altura um grupo de amigos composto por ex seminaristas e outros estudantes que estavam cá em  S. Vicente, ou porque cá viviam ou porque cá vinham frequentemente. Eram uns "gandulos".
Quando souberam que aqueles meninos tinham acampado na Senhora da Orada, pensaram logo qual seria a melhor maneira de lhes estragar o arranjinho.
Como a noite era deles, deram tempo a que os rapazes regressassem ao acampamento. Lembro-me que um dos  "gandulos" era o Zé Miguel Teodoro; dos outros já não tenho a certeza.
Lá vamos nós a caminho da Senhora da Orada assaltar o acampamento, assalto esse que se resumiu a um grande estardalhaço e nada mais. Tudo acabou com assaltantes e escuteiros junto ao fogo a comer umas chouriças.
Pensávamos nós (parvinhos) que tudo tinha acabado, mas a verdadeira partida estava só a começar.
Quando regressávamos a São Vicente, já altas horas, numa curva do caminho de  que nunca mais me esqueci,  encontrámos uma mochila cheia de mantimentos que logo percebemos ser dos rapazes. Achámos  estranho  aquele achado, mas, como já estávamos longe, pensámos recolher a mochila com ideia de a devolver no dia seguinte. Trouxe-a para minha casa.
No dia seguinte, dia da festa, manhã cedo,  bate-me o Zé Teodoro à porta, com cara de poucos amigos, a exigir-me a mochila. Tentei explicar o que se tinha passado, mas ele, zangado, virou-me as costas e foi-se embora.
Tive que reunir os amigos e ir ao acampamento onde tive de empenhar a minha palavra de escuta para eles acreditarem que estávamos inocentes.
Mais tarde, viemos a saber que o sacanita do Manel Machana e alguns amigos se tinham adiantado a nós e aos rapazes e eles sim tinham assaltado o acampamento, levando a mochila.
Quando a encontrámos naquela noite, estavam eles escondidos no leirão por cima do caminho, a espreitar os parolos.

Há vários ditados que se podem aplicar a este caso:

De noite todos os gatos são pardos.
A noite até o Diabo a temeu.
O último a rir é o que ri melhor.
Etc.  etc.  etc.


E. H.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Comentário à Orada

"Romaria à Senhora da Orada" escrito pela Libânia recorda-nos vivências passadas, memórias que nos transportam e recordam a fé das pessoas daqueles tempos apesar de parcos em recursos materiais a alegria era contagiante, a preparação das merendas, os romeiros vindos dos mais recônditos lugares, as carroças enfeitadas, os cantares...
Vou narrar um facto verídico que se passou com uma família dos Escalos de Cima
Naquele lar, não havia alegria, a tristeza era uma constante, na vida daquela família. O filho de quem tanto gostavam estava doente e o médico não encontrava a cura para aquela criança que definhava mais e mais cada dia que passava.
Certo dia, com a cara banhada de lágrimas, uma vizinha diz:
«Vão à Senhora da Orada buscar água.»
Entardecia. Um familiar pôs-se a caminho, pois a vida daquele menino estava presa por um fio. No seu burrico, o romeiro caminhava e rezava à Senhora. Quando chegou à ribeira da Povoa Rio de Moinhos, parou a pileca e desceu, dizendo:
- Aqui vai água da Senhora da Orada.
Para que andar mais? Desceu à ribeira encheu o cântaro e regressou. Os galos já anunciavam a aurora, quando chegou à casa do menino. Imediatamente lhe deram a beber uma tijela daquela água bendita.
A criança, ao outro dia, já não parecia a mesma, melhorava a olhos vistos. A Água da Senhora da Orava tinha operado maravilhas.
A partir dessa altura, no dia da romaria, aquele povo começou a deslocar-se, em peso, à Senhora da Orada. Ainda hoje vêm romeiros...
O pino do sol há muito que tinha passado mas o calor ainda era bastante naquele domingo. Entardecia.
Desloquei-me à Senhora da Orada encher os garrafões. Sentada na fonte, encontrava-se uma "amorosa avozinha". Comecei a falar com ela, sobre a romaria...
A certa altura, disse-me ela:
«Olhe aqui, senhor. Quando era nova, era uma alegria, nós, as cachopas, trazíamos um tabuleiro com todo o género de coisas (paios, farinheiras, pão, vinho, doces, azeite, cerejas) e os cachopos traziam "despendurada" na camisa uma nota. Quando chegávamos ao fundo do terreiro, íamos terreiro acima, que não era como é hoje, e começávamos a cantar:

Nossa Senhora da Orada
Vinde abaixo à ribeira
Vinde ver a mocidade
De São Vicente da Beira
Nossa Senhora da Orada
Vinde abaixo dar a mão
Que a ladeira é comprida
Que me dói o coração
Nossa Senhora da Orada
À Vossa porta me sento
Venho enfadada do caminho
Chamai-me lá para dentro
Nossa Senhora da Orada
À Vossa porta me empino
Deitai-me a Vossa benção
"Maila" do Vosso Menino
Olhe aqui, senhor, eram sempre quinze ou mais os pares. Ao chegarem à capela, elas pousavam as ofertas, em cima da mesa que ainda hoje existe, e eles deixavam o dinheiro.
Finda a procissão, os produtos entregues eram leiloados e à tardinha, ao toque da banda vicentina, dançava-se em frente à capela, era uma alegria!»

Os seus olhos brilhavam.

«Quase sempre havia bordoada com os de outras terras...
Um ano, o senhor vigário proibiu o "balhe" em frente à capela. A partir desse ano, a dança era feita ao fundo do terreiro, no caminho.
Quando partíamos para a vila, cantávamos:

Nossa Senhora da Orada
Minhas costas vos vou virando
Minha boca se vai rindo
Meus olhos vão chorando

Nossa Senhora da Orada
Lá me fica o meu cordão
Fica muito bem entregue
Senhora na Vossa mão»

Descanse em paz, senhora Maria dos Santos da "Tonina".
Os baloiços, a vermelhinha jogada às escondidas da G.N.R...
Tempos passados que já não voltam mais, resta-nos a recordação.
Nos anos sessenta do passado século, os automóveis na vila eram escassos, o carro era um bem que só os morgados possuíam, ainda sou do tempo em que os dedos de uma mão chegavam para contar os automóveis que existiam...
Em Lisboa, sempre houve uma grande "colónia" de imigrantes vicentinos e todos os anos muitos deles regressavam para assistir à romaria e matarem saudades da família.
Nos nossos dias, graças às boas vias de comunicação existentes, depressa se chega à capital, mas naquele tempo as coisas não eram assim, demoravam-se muitas horas, merendava-se no caminho.
Lisboa ficava muito longe!
Na véspera, sábado à tarde, nós os cachopos íamos para o Vale Morena, à espera da excursão, para apanharmos uma "cavalada".
Às vezes a excursão vinha pelos lados do Fundão; raramente. Desilusão para todos nós...
Assim, para recordar esses tempos inesquecíveis, há muito que fiz estes versos:
A EXCURSÃO
É sábado da Senhora da Orada
A praça está cheia de gente
No Vale Morena a ganapada
O autocarro espera para vir nele até São Vicente
Os cachopos fazem montinhos de terra na estrada
Colocam neles uma palhinha
Encostam o ouvido, mas ainda não ouvem nada
Pachorrenta vem uma vaquinha
Eis que um grita bem forte
Já lá vem a excursão
Eia, estamos com sorte
Vai tudo a cavalo. pois então
O choufeur ao ver os ganapos
Faz uma chinfrineira ao travar
Estavam jogando com uma bola de trapos
Vamos lá...todos subir e começou a andar
A alegria é contagiante
Lisboetas e cachopada
Já vemos São Vicente
E lá no alto a Senhora da Orada
Há abraços e beijos na praça
Entre todos os familiares
Olha o Joaquim, o Elias e a Graça
E vão todos para os seus lares
Senhora da Orada, Senhora miraculosa
Mais um ano e cá estamos orando
Imagem tão linda e formosa
E todos vão cantando e rezando
...A excursão vai partir
A caminho da capital
Para o ano se Deus quiser hei de vir
Só se estiver muito mal
Partem os Vicentinos lisboetas
Ficam os vicentinos de São Vicente
Vão carregados de malas e maletas
Mas o coração está sempre presente
Adeus filho, adeus adeus
Boa viagem e que a Senhora te proteja
Todos rezam pelos seus
Bendito e louvado seja
Zé da Villa

domingo, 18 de maio de 2014

Romaria à Senhora da Orada

Mal entrava o Maio, com o cuco a cantar e a serra vestida de todas as cores, era uma alegria!
Quer fosse na ribeira, a bater a roupa no lavadouro; nos campos, na sementeira do milho, e na monda ou na sacha; por esses caminhos fora, com a cesta do jantar para o homem ou o molho de lenha à cabeça, toda a gente cantava:

Nossa Senhora da Orada,
Tem um sino no telhado,
Para chamar os pastores
Que andam na serra com o gado.

Nossa Senhora da Orada,
Tem um jardim na portela,
Mandai-o regar, senhora,
Por uma moça donzela.

Nossa Senhora da Orada,
Quem vos varreu o terreiro,
As moças de S. Vicente,
Com raminhos de loureiro.

Nossa Senhora da Orada,
Quem vos varreu a capela,
As moças de S. Vicente,
Com raminhos de marcela.

Os dias que antecediam a romaria eram vividos numa ânsia. Os mais velhos, levados pela fé, queriam agradecer à Senhora as graças recebidas ao longo do ano ou pedir ajuda para as muitas aflições que lhes consumiam as vidas:

Nossa Senhora da Orada,
Este ano lá hei de ir,
Não vos hei de levar nada,
Ainda vos hei de pedir.

Queria também ver a família toda à roda.
Os mais pequenos, antecipando o gozo da festa que era sobretudo o gosto das santinhas de açúcar penduradas ao pescoço, dos rebuçados de açúcar amarelo na roleta do Ti Viriato e as novidades das tendas que se estendiam ao longo do caminho, ao fundo do terreiro. 
Na véspera, as casas eram um burburinho. Começava-se logo de manhã a fazer a merenda, a contar com a família toda e mais alguém que aparecesse: ovos verdes, bolos de bacalhau, galo assado, o paio da tripa mais grossa, pão leve, pão trigo e vinho com fartura! Tirava-se a barriga da miséria de quase todos os outros dias do ano.
Ao outro dia era só acomodar os vivos, vestir o fato dos domingos e, antes que o sol começasse a apertar, lá ia tudo por aí a cima. Quanto mais cedo se chegasse, melhor. 
Os caminhos eram um mundo de gente vinda de todo o lado. Da Vila, da Charneca e de todas as terras das redondezas. Chegavam a vir até de longe, em excursões. Só de Lisboa eram pelo menos duas camionetas. Alguns iam a cavalo nos burros ou em carroças e carros de bois enfeitados com flores garridas. Mas de resto, era quase tudo a pé, com os cabazes da merenda e os açafates das ofertas à cabeça. E ninguém se calava:

Nossa Senhora da Orada
Para lá vou eu agora,
Meu coração cada dia,
Minha alma a toda a hora.

Nossa Senhora da Orada,
Vinde abaixo à ribeira,
Vinde ver a mocidade
De S. Vicente da Beira.

Chegados lá acima, escolhiam a melhor sombra para estender a toalha. Era um instante enquanto as barreiras, à volta do terreiro, e os lameiros, rente à ribeira, se enchiam de gente. Pareciam enxames! Cachopitos, então, nem é bom falar!
Depois era a missa campal, sempre uma eternidade… O fôlego do Padre Leal, a lembrar o milagre da Senhora à rapariga escorraçada pelo pai ou os que tinham abalado, levados pela sorte e pela guerra, punha toda a gente chorar. A seguir, a procissão, na cadência da música e do tempo; velas que uma mão não abarcava (algumas da altura de um homem) para pagar as graças alcançadas; o andor aos ombros de soldados, orgulhosos, metidos nas fardas de embarque; o vestido da Senhora cravejado de notas. E os ganapos, enfadados, num desassossego para irem cobiçar as gulosices, os piões, as cornetas e os pífaros de barro ou as bonecas que reviravam os olhos. Os mais espigados sonhavam já com um chapéu de palha novo, um anel de plaquê ou uns óculos de sol, bem escuros, de plástico verde ou cor-de-rosa garrido. Um vistão de fazer pasmar toda a gente!... As cachopas namoradeiras, insinuantes, a medirem o tamanho do amor dos namorados: «Ai que lindo lenço ali está!....» Um ano, o namorado de uma das minhas tias também me comprou uma prenda: um cinto de argolas de plástico, verde alface. Mesmo lindo! Nunca percebi a razão de tal generosidade. Só se foi porque eu nunca disse à minha avó que, quando lhes guardava o namoro, aos domingos à tarde, eles às vezes davam a mão ou um beijinho, à socapa. O que é que isso me importava, se o que eu queria era andar na praça a jogar ao paspelho ou às escondidas…
Comida a merenda e gastos os tostões escondidos no fundo do bolso ou atados na ponta do lenço, ia toda a gente beber água à fonte e ver a música e os ranchos.
Lá mais para a tardinha armava-se o baile. Se não havia música bastava uma concertina ou um realejo para animar a mocidade. Ao princípio os de cada terra faziam a sua roda. O pior era quando as rodas se juntavam e algum cachopo da Partida ou do Casal da Serra se atrevia a tirar, para dançar, uma rapariga que andasse debaixo de olho de um dos da Vila. Armava-se logo ali tal chinfrim que os carros de bois depressa ficavam sem fogueiros. Os de fora pegavam nos paus que tinham trazido de casa, à cautela, e ia tudo pela frente. Depois de muita cabeça partida e lombos derreados, tanto dos do lado de lá como dos de cá, era ver os outros a fugir, corridos à pedrada: «Anda cá, seu filha da p…! Se cá te apanho outra vez, parto-te os cornos!» Não se voltavam, nem para apanhar o chapéu, se calhava a ficar para trás… E era assim, sempre que se encontravam os da Vila e os da Charneca. Ódios antigos… Os de cá, manientos, a fazerem-se mais que os outros; os da charneca, orgulhosos, a quererem fazer ver que eram tão homens como os demais. E o vinho a empolar ainda mais todas as rivalidades…
Voltava-se a casa já rente ao sol posto. A alma cheia, mas o coração apertado pela nostalgia do fim da festa e a espera de um ano que, naquele tempo, era uma eternidade…
Mesmo assim, ainda a cantar:

Nossa Senhora da Orada,
As costas vos vou voltando,
Minha boca se vai rindo,
Os meus olhos vão chorando.


M. L. Ferreira

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A caqueira

Não é fácil separar a Céu Parrita da comadre Aurélia. Apesar de serem muito diferentes, mas, em certos aspetos,  completavam-se uma à outra. Nos cantos religiosos e profanos da nossa terra, estavam sempre as duas. Nos antigos teatros, nos passeios e até na  "marouva" que era e ainda é o roubo de frutas da época, lá estavam elas.
A Aurélia, de seu nome Aurélia Augusta Gama, tinha aquilo a que eu chamo "velhacaria boa" que no fundo é o sal que faz com que a nossa vida não seja uma coisa insípida, mas pelo contrário algo que vale a pena.
Já de pequena, no tempo em que se faziam teatros em S.  Vicente, ela lá estava.  Contava-me o meu pai que um dos teatros que cá se fizeram teve tanto êxito que tiveram um convite para ir representar às Minas da Panasqueira e lá foram. No fim da sessão, a pequenina Aurélia veio ao palco agradecer e disse:
- Vivam as Minas da Panasqueira!!! Vivam os Panascas todos!!!

Lembro-me de, muito novo, ainda ter tido o privilégio de cantar os Martírios, no grupo dela, fazendo eu a segunda voz.

Mas, porém, todavia, contudo, havia a parte da velhacaria:
Num tempo em que as festividades eram vividas com muita intensidade, o Carnaval não era exceção. Uma das atividades ou jogos desses dias era "a caqueira". Tenho que explicar aos mais novos que a caqueira era duas coisas:
 1º: Um jogo de Carnaval:  Roubava-se um cântaro de barro, enchia-se de palha seca e ateava-se o fogo. O barro aquecia e o jogo consistia em atirar o cântaro de uns para os outros, sem se queimar e sem o deixar cair. Quando alguém deixava cair o cântaro que naturalmente se partia, tinha que ir roubar outro para o jogo continuar. Era um tempo bom para os oleiros!
2º: Uma partida de Carnaval: Enchia-se uma lata velha com todo o tipo de lixo, muitas vezes com excrementos e pequenos animais mortos e, aproveitando a calada da noite e o facto de as chaves estarem sempre nas fechaduras das portas, lançava-se a lata para as escadas de modo a cair por elas abaixo e espalhar toda aquela porcaria.

A Aurélia adorava escrever cartas de Carnaval! Eram cartas muito engraçadas que eram dirigidas a alguém de quem se queria fazer troça. Metiam alguns palavrões, algumas cenas picarescas, alguns desenhos maliciosos, etc.
Naquele ano, a pessoa escolhida para destinatário dessas cartas fui eu. Veio a primeira, veio a segunda e eu sem saber a proveniência. Quando uma noite me preparava para sair de casa, vejo uma terceira carta a ser metida por debaixo da porta. Abro de repente e vejo a Ermelinda a escapar à esquina, a caminho do café da Janja. A Ermelinda já era quase nora da Aurélia e daí eu fiquei a saber quem era a autora das cartas: Era a Aurélia!!
Urgia uma vingança ou eu não fosse "Escorpião" de gema.

Eu e os meus amigos, dos quais destaco o Zé Barroso, costumávamos reunir  à noite, à volta da braseira do café da Janja, e foi aí que foi delineado o  plano de ataque.
Arranjei uma lata de tinta vazia, roubei meia dúzia de malaguetas (caralhetos) secas à minha mãe e passámos pela casa do Zé Barroso que naquele tempo vivia na Rua da Costa e onde o lume estava sempre aceso. Enchemos a lata de brasas e fomos direitos à casa da Aurélia.
Chave na porta é porta aberta! Foi só por a lata no lumiar, por as malaguetas dentro e fugir.

No 1.º andar da casa estava a Aurélia, a Céu Parrita e a Ermelinda, já que o namorado, o meu amigo Elias, trabalhava de noite, por ser padeiro. Estavam todas a ver televisão, mas a dormir no rés do chão estava o Sr. José Roque, marido da Aurélia, que, além de ser um santo homem, sofria de doença pulmonar crónica. Tínhamos esquecido o Ti Zé Roque!!!
Quando, mais tarde, fomos espreitar à esquina, o quadro que vimos foi o seguinte:
Três mulheres com o rabo voltado umas para as outras, a tossir convulsivamente e uma delas (a Aurélia ) a gritar:
- Foi aquele cabrão daquele Arnesto!!!
Como é que ela adivinhou?

Dêmos graças a Deus por não termos morto o Ti Zé Roque!


EH