sábado, 19 de janeiro de 2019

Os sanvicentinos na Grande Guerra



Agostinho Miguel


 Agostinho Miguel nasceu em São Vicente da Beira, no dia 11 de setembro de 1893. Era filho de António Miguel, jornaleiro, e de Francisca Marques, moradores na Rua das Lajes.
Frequentou a escola primária e fez a 4.ª classe com o Padre José Antunes que, naqueles tempos, era considerado um dos melhores professores das redondezas. Diz o filho Albino que « cá na terra, naquele tempo, havia muitos ricos que nem a 4º classe tinham, mas o meu pai, pobre como era, lia e escrevia tão bem que fazia ver a muitos doutores».

De acordo com a sua Folha de Matrícula, assentou praça no dia 9 de julho de 1914 (esta data pode não estar correta) e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha de Castelo Branco. Na altura tinha a profissão de alfaiate.
Após a conclusão da recruta, foi destacado para Angola, para onde embarcou a 10 de setembro de 1914. Integrou a 1.ª Expedição que partiu para aquela província ultramarina, a fim de reforçar o contingente militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã. Participou em várias ações, nomeadamente na que teve lugar no dia 18 de dezembro de 1914 contra as tropas inimigas, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Calueque. Embarcou de regresso à Metrópole, no dia 17 de julho de 1915.
Em 9 de abril de 1916 foi promovido a 1.º Cabo e, pouco tempo depois, destacado para a Província de Moçambique, para onde seguiu em 24 de junho, integrando a 3.ª Expedição enviada para aquele território. Terá participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do rio Rovuma, para norte, e resgatar alguns postos ocupados pelos alemães. Felizmente não fez parte do elevado número de baixas em combate ou pelas inúmeras doenças que vitimaram muitos militares. Regressou a Lisboa, no dia 21 de dezembro de 1917.
Foi promovido a 2.º Sargento, certamente pelos bons serviços que prestara nas províncias ultramarinas, mas também por ter frequentado a Escola de Sargentos, onde obteve a classificação de 8 valores.
Licenciado em 30 de novembro de 1918, passou à reserva ativa em 31 de dezembro de 1918 e à reserva territorial em 31 de dezembro de 1934.
Condecorações:
·        Medalha comemorativa das campanhas no sul de Angola;
·        Medalha comemorativa das operações em Moçambique;
·        Medalha da Vitória.
O filho Albino diz que ainda se lembra de ver uma caixa com as medalhas que o pai recebeu; a neta Gabriela Vitório também conta que se lembra da mãe dizer que, em criança, brincava com as medalhas e os botões do capote que o pai tinha trazido da guerra. Depois terão desaparecido.
Agostinho Miguel ainda quis continuar a vida militar quando regressou das campanhas em África, mas desistiu para se casar com Margarida Moreira, a namorada de quem gostava muito.
«O meu pai chegou a sargento e tinha vontade de seguir a carreira militar, mas teve que desistir, porque o comandante da companhia queria que casasse com a criada dele. Ele, que já namorava uma rapariga (a mais linda cá da terra), negou-se, e começou a ser mal visto pelo superior. Com medo, abandonou a tropa e ficou convencido que, por causa disso, o comandante fez com que não lhe fosse dada a pensão a que tinha direito. Só começou a recebê-la já muito mais tarde.» (Testemunho do filho Albino Miguel) 

Família:
Agostinho e Margarida casaram no Posto do Registo Civil da freguesia de São Vicente da Beira, no dia 28 de fevereiro de 1919, e tiveram oito filhos:
1.      Adelino Miguel, que faleceu com 4 anos de idade;
2.      Rosalina Moreira, que casou com Aurélio Moreira e tiveram 7 filhos (4 morreram ainda crianças);
3.      Albino Moreira, que casou com Maria da Luz Inácio e tiveram quatro filhos;
4.      Maria de Jesus Moreira, que casou com Francisco Vitório e tiveram quatro filhos;
5.      António Miguel, que casou com Maria de Jesus Vitório e tiveram dois filhos;
6.      Francisco Miguel Cardoso, que casou com Maria do Céu e tiveram 3 filhas;
7.      Adriano Miguel, que casou com Maria da Silva e tiveram três filhos;
8.      Palmira Moreira, que casou com Ernesto Caetano e tiveram dois filhos.

«Quando o meu pai voltou da guerra começou a trabalhar na Quinta do Conde, como guarda. Era ele que tomava conta das propriedades que o Conde da Borralha tinha cá em São Vicente, que por cá era quase tudo dele, fora o que tinha por outros lados. Passava os dias a andar a pé, desde manhã até à noite, e só quando tinha que ir para mais longe é que ia a cavalo. Quando ia aos Escalos de Baixo, buscar o dinheiro da venda do minério da mina do Monte de São Luís, até levava a espingarda às costas, não fosse algum assaltante atravessar-se-lhe ao caminho.
À noite, quando chegava a casa, passava o serão a ensinar os garotos que moravam ali ao pé de nós. A nossa casa, ao serão, até quase que parecia uma escola. Foi ele que ensinou o Zé Colmeias, o Chico Calmão, o João Nunes e muitos outros. Também foi ele que me ensinou a mim a ler e a escrever; a mim e a mais alguns dos meus irmãos que não andaram na escola. O que sei a ele o devo e só não aprendi mais porque a minha queda era mais para a música. Desisti de fazer os exames e fui para a Banda. Andei lá mais de 60 anos!
O meu pai era bom homem; muito reto, mas um bocado militarista. O que ele dizia é que era. E à noite dizia logo que quem não estivesse em casa ao tocar das “Ad’Marias”, já não entrava. De modos que a gente, mal ouvia o sino, ó pernas para que vos quero, por aquela rua acima! E era muito temente a Deus. Não íamos para a cama sem rezar o terço e sem lhe pedirmos a bênção. Outros tempos…
Depois da divisão da Quinta do Conde, foi dispensado e ainda trabalhou alguns anos para o Coronel Barreiros, mas por fim, como não tinha terras, dedicou-se apenas a tratar uma horta que trazia à renda e a guardar algumas ovelhas que tinha.
Passados muitos anos, ainda conseguiram que lhe fosse atribuída a pensão a que tinha direito pelo tempo em que andou na Guerra. Não seria muito, mas ajudou-o a ter uma velhice um pouco melhor.» (Testemunho do filho Albino Miguel)
Agostinho Miguel, a quem toda a gente chamava Agostinho Sargento, certamente pelo posto a que chegou como militar, mas também pelo respeito que tinham por ele e pela persistência e frontalidade com que defendia as suas razões, faleceu no dia 27 de fevereiro de 1981. Tinha 87 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho Albino Moreira e das netas Gabriela Vitório e Filomena Caetano)

Maria Libânia Ferrreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"
À venda, em São Vicente, nos Correios e no Lar; em Castelo Branco, na Biblioteca Municipal.
A Câmara Municipal, que editou a obra, aceitou que o dinheiro da venda dos livros em São Vicente reverta para o Lar da Misericórdia.
Preço: 15 euros

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

O relógio


Tic, tac…tic, tac, diz o relógio baixinho
tic, tac… cadencialmente
tic, tac… tic, tac, o relógio não mente
apesar de andar devagarinho

Marca o tempo com regularidade
é um instrumento fundamental
no campo, no mar, no ar ou na cidade
sem ti, o mundo andava mal

De sol, mecânico, na torre a badalar
simples ou complicado
relógio, tu és usado
pelo rico, pelo pobre, em qualquer lugar

Altaneiro, na torre sineira
dá horas a quem passa
tic, tac… tem muita graça
O relógio de S. Vicente da Beira

Também dá horas a barriga
quando temos o estômago vazio
se estivermos sem comer horas a fio
olhem; não é que já ia uma miga!

Pode ser de bolso ou pendular
de pulso, de torre, frontão
de mesa, pesos ou repetição
corda ou pilhas, estão prontos a trabalhar

Pareces um relógio de repetição
repetes o mesmo a toda a hora
deita esse palavreado fora
muda de estilo, de narração

É uma máquina infernal
capaz de registar
capaz de controlar
é um relógio afinal

Gosto do teu relojoar
tic, tac… tic, tac
até ao dia do meu baque
quero-te ouvir badalar

Todas as horas ferem
a última mata
não sabemos a hora exata
depois, façam o que quiserem

Zé da Villa

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

A arte do Chico Eduardo


Jornal RECONQUISTA, 03.01.2019

José Teodoro Prata

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Da oliveira ao azeite


A oliveira, talvez a par da azinheira e do sobreiro, é das árvores mais bonitas de Portugal. Será também das mais antigas, com maior simbolismo e das que mais tem contribuído para a economia doméstica e do País.
  

Mapa de implantação da oliveira no período romano:
 zonas de cultivo (a verde claro), rotas de transporte (setas) e principais portos de tráfego (pontos pretos)

Foram os Romanos que desenvolveram o cultivo da oliveira na bacia do mediterrâneo, mas, muito antes deles, já existiam olivais em várias regiões, principalmente no Médio Oriente, Grécia, Itália, e Espanha, talvez trazidas pelos Fenícios. Existiriam também em Portugal muitos anos antes da chegada dos Romanos, uma vez que, métodos inovadores de datação das oliveiras, permitiu identificar vários exemplares com mais de 2000 anos, a maioria no Alentejo, mas na freguesia de Mouriscas foi identificada uma com 3350 anos. Será a oliveira mais velha de Portugal.
Não precisamos de andar muito para percebermos que também no território do que foi o antigo concelho de São Vicente da Beira, os olivais existiram desde há muitos séculos. A prová-lo estão alguns exemplares, belíssimos, que nos enchem de espanto e respeito só de olharmos para eles e imaginarmos as muitas gerações que já alumiaram e a quem temperaram o prato.
Oliveira no Casal do Monte Surdo

Algumas têm o tronco tão carcomido que parece impossível que consigam manter-se em pé, e suportarem e alimentarem os ramos que continuam a dar fruto (parece que uma das características das oliveiras que explica a sua longevidade é o facto de desenvolverem raízes aéreas e camadas à superfície do tronco, que substituem as que vão morrendo no interior). Provam-no também os muitos lagares que existiram, até há pouco tempo, ao longo da nossa Ribeira.
Seriam ainda uns sete ou oito em meados do século XX. Não paravam durante todo o inverno, dia e noite a moer, enquanto durasse a apanha da azeitona, que era transportada em carros de bois de quase toda a freguesia.
A primeira operação no processo de transformação da azeitona em azeite era a moagem: a azeitona era deitada no pio, um recipiente com capacidade para cerca de 500 kg, sendo depois triturada pelas galgas, duas mós de granito com 5 toneladas cada uma. 
Depois de moída a azeitona, a pasta obtida era colocada sobre seiras (ou ceiras?) que eram sobrepostas em camadas e depois espremidas através da prensagem. O líquido obtido era uma mistura de azeite, água a muitas impurezas que era transferida para a tarefa, um recipiente onde era adicionada água muito quente. O azeite, menos denso, vinha à tona, e a água e as impurezas, que ficavam no fundo, eram rejeitadas. Agarrado às seiras ficava o bagaço, composto pela maior parte do caroço e pele da azeitona.
Para completar o processo, o azeite era colocado numa máquina que, girando a alta velocidade, centrifugava o azeite, eliminando completamente a água. O azeite ficava, finalmente, pronto a ser consumido.

VERDE FOI MEU NASCIMENTO
MAS DE LUTO ME VESTI
PARA DAR A LUZ AO MUNDO
MIL TORMENTOS PADECI
Exemplos de antigos mecanismos de moagem da azeitona (gravura recolhida no Museu do Azeite de Belmonte)

A produção do azeite, desde a apanha da azeitona até ao produto final, era bastante penosa até há pouco tempo. Atualmente, com a introdução de tecnologias mais modernas e de outras espécies de oliveiras, todo o processo ficou mais facilitado. Dizem que o azeite não é tão bom, mas talvez seja exagero. A verdade é que, sendo Portugal um país pequeno, está atualmente entre os principais produtores de azeite, em quantidade e qualidade, devido à introdução dessas tecnologias e novas plantações. A desvantagem é que os novos olivais nunca chegarão a atingir a beleza e a resistência dos mais antigos (parece que a sua vida útil não ultrapassa muito as duas décadas). Mas a função das oliveiras também não é serem bonitas. O pior é se, dentro de algum tempo, as velhinhas se tornam apenas árvores decorativas de jardins e rotundas.

M. L. Ferreira

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Ano Novo


José Teodoro Prata

10.º aniversário

Foi há 10 anos que esta aventura começou!
10 anos é muito tempo, muitos dias e muitas horas a blogar, como cantava Paulo de Carvalho.
E o imediatismo deste mundo online e global impõe-nos mudanças.
É preciso que algo mude para que continuemos.
Alterámos o texto do cabeçalho do blogue e iniciámos o que pretendemos seja a série II.
Os até agora colaboradores, no sentido correto e antigo do termo, passam a ser administradores, podendo publicar os seus artigos e gerir o blogue.
É o reforço do espírito de equipa que sempre esteve presente n´Os Enxidros.
Faço votos para que esta nova vida do blogue permita estreitar a relação dos sanvicentinos com a sua vida comunitária, com o seu património.
Venham mais 10!
Bom Ano Novo para todos vós.

José Teodoro Prata