segunda-feira, 1 de outubro de 2012

5.º CENTENÁRIO DO FORAL MANUELINO DE S. VICENTE DA BEIRA


As comendas de Avis e de Cristo

O foral manuelino do extinto concelho de S. Vicente da Beira, cujo 5.º centenário estamos a comemorar, informa-nos sobre a Ordem de Avis, neste território.

«Tem a Ordem e Mestrado de Avis na dita vila propriedades de terras e olivais aforadas a pessoas particulares (…).

E tem mais a dita ordem no termo da dita vila um lugar próprio seu e foreiro de que arrecada seus foros antigos sem contradição, como de coisa sua patrimonial que não jaz debaixo do foral da dita vila. No qual se não pagam outros tributos nem foros senão os que adiante vão declarados. (…) Os quais são repartidos igualmente ao meio pela dita ordem e comenda dela e pelo mosteiro de São Jorge de Coimbra.»

Desde os alvores da nacionalidade que o território entre a Ocreza e o Tejo fora entregue aos monges guerreiros Templários, mais tarde Ordem de Cristo, mas o concelho de São Vicente, antes administrado pela Covilhã, permaneceu livre de senhores.

No entanto, outra organização de monges guerreiros, a Ordem de Calatrava, mais tarde de Avis, foi recebendo propriedades e rendas neste antigo concelho.

As terras concentravam-se sobretudo na zona sul do concelho, na margem direita da ribeira da Ocreza, onde se situavam os povoados da Póvoa e de Ceia (no passado existente na área do paredão da albufeira de Santa Águeda). Segundo o Eng.º Manuel Castelo Branco, parte destas propriedades eram a herança pessoal de D. Fernando Rodrigues de Sequeira, filho de pai vicentino e mãe albicastrense. Este D. Fernando doou estas terras à organização de que foi Mestre, a Ordem de Avis.

Antes desta doação dos inícios do século XV, já as terras do sul do concelho gozavam de relativa autonomia, dada aos moradores pelos mestres da Ordem de Calatrava/Avis. Assim, quer pelo poder autónomo da Ordem de Avis («…como de coisa sua patrimonial que não jaz debaixo do foral da dita vila.»), quer pelos privilégios dados aos habitantes deste senhorio, as povoações da Póvoa e de Ceia já se governavam a si próprias, como concelho à parte, no início do séc. XVI.

Esta pertença da Póvoa à Ordem de Avis está documentada pelo brasão da ordem de Calatrava, existente no edifício que terá sido, durante séculos, a casa da Câmara da Póvoa de Rio de Moinhos, situado na Praça desta antiga vila.


Símbolo da ordem de Calatrava, na casa onde se situou a Câmara da Póvoa de Rio de Moinhos.

 
Mas o património da Ordem de Avis não se restringia a estas terras da parte sul do concelho de S. Vicente da Beira. O foral de 1195 tem como outorgantes os membros da Casa Real e o mosteiro de São Jorge de Coimbra, mas, no séc. XIV, os rendimentos da Igreja do concelho eram já repartidos pelo mesmo mosteiro e pela Ordem de Avis. Segundo o foral manuelino, tal facto terá ocorrido em 1300 («…era de mil e trezentos, na qual era foi dada a dita vila à ordem de Avis…»). O rei criou uma comenda com parte dos bens/rendimentos que aqui detinha e doou-a à Ordem de Avis, ficando ao longo dos séculos esta comenda de Avis com metade das rendas da Igreja e consequentemente com a obrigação de pagar metade das despesas das igrejas do vigariato. A outra parte cabia ao dito mosteiro de São Jorge de Coimbra.

É esta competência da Ordem de Avis na gestão dos bens religiosos do concelho que explica a existência do brasão da dita ordem na fachada da Igreja do Louriçal, com data de 1559.


Símbolo da ordem de São Bento de Avis, na Igreja do Louriçal do Campo.

 
O mesmo se poderá dizer da presença do símbolo da Ordem de Cristo no cruzeiro e na casa do ermitão da ermida da Senhora da Orada, em São Vicente. É que, nos finais do séc. XV, D. João II criou uma nova comenda com os rendimentos do até então padroado de São Jorge de Coimbra. D. João II doou a nova comenda à Ordem de Cristo, com a obrigação de sustentar o vigário, o chefe do clero do concelho (do vigariato), cuja nomeação continuou prerrogativa do poder real. Embora o foral manuelino ignore a substituição do padroado de São Jorge de Coimbra pela nova comenda dada à Ordem de Cristo, tal facto já ocorrera em 1512.

O vigário nomeava os curas das igrejas criadas após 1539. Nas paróquias fundadas anteriormente, Póvoa e Tinalhas, a nomeação cabia alternadamente à Ordem de Avis e à Ordem de Cristo, o mesmo se passando com a nomeação do tesoureiro da Matriz da Vila. Mas aqui a nomeação de um cura competia exclusivamente à Ordem de Avis. Em termos das despesas, a Ordem de Cristo pagava ao vigário de nomeação real e a Ordem de Avis ao cura da Matriz de São Vicente, que nomeara. As restantes despesas quer as referentes ao sustento dos curas e do dito tesoureiro, quer as despesas correntes das igrejas, eram suportadas em partes iguais pelas duas comendas.

Símbolo da ordem de Cristo, no cruzeiro da ermida da Senhora da Orada.
Na casa do ermitão, existia igualmente a cruz de Cristo.

Um comentário:

Pedro Villa Franca disse...

Quem criou a comenda nova de S. Vicente da Beira, na Ordem de Cristo, foi o Rei D. Manuel.