terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Palha para a mula

Tive acesso a alguns números do jornal “PELOURINHO”, digitalizados e publicados pelo Tó Sabino (trabalho admirável o dele e o de toda a equipa do GEGA na pesquisa e divulgação da cultura da nossa terra!), e tem sido um voltar ao passado cheio de emoções.
A construção da escola, as valas enormes no meio das ruas para receber a água e os esgotos, a chegada de luz elétrica, a construção da barragem, a telescola, o nicho da Nossa Senhora dos Caminhos… Tantas coisas que parece que aconteceram ontem e já lá vão tantos anos!
 No meio de tantas notícias, histórias, e artigos de vária ordem, aparecem também muitos relatórios de contas das festas, de peditórios, de esmolas, etc.
A propósito de tudo isto achei interessante esta explicação sobre a côngrua paroquial publicada em Dezembro de 1964:

CÔNGRUA PAROQUIAL

O V preceito da Santa Igreja diz assim: «contribua todo o fiel para as despesas de culto e sustentação dos ministros do altar, conforme os costumes e usos legítimos».
Entre os pecados que bradam aos céus, o quarto reza assim: Não pagar o jornal a quem trabalha. Para evitar abusos, o Episcopado Português regulamenta com quanto deve contribuir cada família anualmente para a honesta sustentação do seu pároco, do seguinte modo: cada família deve ajudar a sustentação do pároco anualmente, com o equivalente ao salário de um dia de trabalho, conforme a profissão do seu chefe e, as famílias cujos chefes não são assalariados, devem ajudar conforme as suas posses. As famílias que estão ausentes da freguesia, devem ajudar com metade do estipulado atrás. As que não cumprirem o estipulado, só têm direito a pedir e receber os sacramentos de necessidade absoluta para a salvação (Baptismo e sacramento em perigo de vida) e passados três anos não receberão a visita pascal, não serão aceites como mordomos da confrarias ou festas e todo o serviço paroquial ao qual são devidos emolumentos, serão estes pagos em duplicado.
Em resumo: quem não ajuda o pároco a viver honestamente não é paroquiano.
Não faremos comentários nem confrontos. Que os faça cada um para si e meta a mão na consciência se está a cumprir o prescrito na lei.

… E depois lembrei-me desta pequena história que me contaram há dias:

Ainda não há muito tempo, as estradas não eram o que são hoje e os automóveis eram raros. Os pobres, que eram a maioria, andavam a pé, por montes e vales, cortando caminho por veredas e atalhos; o mais que podiam sonhar era ter um burro. Os de maiores posses andavam montados em mulas ou cavalos.
Era o caso do Vigário cá da terra que tinha uma mula valente e aos domingos, logo pela manhã, era vê-lo no alto da montada, a caminho da charneca para dizer a Santa Missa. O sacristão ia atrás, a pé.
Tinha fama de ser muito zeloso e preocupar-se com tudo o que eram necessidades e intenções, próprias e alheias. Não se cansava de pedir para tudo o que eram obras da igreja (que todos os invernos era uma enxovia), necessidades dos santos e das alminhas do purgatório, para os pretinhos de África e para a conversão dos comunistas. Chegava até a pedir para a mula que, coitada, tinha que andar bem comida para aguentar as caminhadas até àqueles ermos. É que sem mula não havia missa; e sem missa, era direitinho para o inferno…
Uma vez, no Casal da Serra, a meio da prática, lá vem o choradinho do costume: dinheiro para isto; milho e trigo para aquilo; azeite para mais não sei o quê e, a rematar, palha para a mula! Daimoso, como são todos os do Casal da Serra, mas também já farto daquela ladainha, há um homem que, do fundo da igreja, diz assim:
 - Eh Senhê Vegário, em vossemecê querendo palha, é só abrir a boca!

M. L. Ferreira

2 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Libânia:
Aprendi o que é daimoso: bondoso.
Nunca a ouvira, onde a aprendeste?
Era duro pagar a côngrua, nos tempos em que se tinha tão pouco. Mas o pior eram os abusos, como os que contas.
A questão é velha, quase tão velha como a Igreja: devem os pastores das almas vier acima das posses dos seus paroquianos?
Ainda bem que atualmente as coisas estão equilibradas como talvez nunca tenham estado.
E claro que concordo com a côngrua: quem quer criados de graça vá ao diabo que os faça!

Anônimo disse...

Também não conhecia o termo daimoso, mas comecei a ouvi-lo com alguma frequência nas conversas que tenho com as minhas vizinhas, principalmente as mais velhas. Nunca fui ao dicionário ver o significado da palavra, mas, pelo contexto em que a ouço, deduzo que uma pessoa daimosa é alguém que gosta de dar, que é generosa …
Até já tenho ouvido dizer que as pessoas da charneca são mais daimosas que as da Vila! Não confirmo a comparação, mas que aqui no Casal as pessoas são muito generosas, isso é verdade!
As coisas que aprendemos ou recordamos com os mais velhos!
Há dias, sobre uma patroa que teve em Lisboa, a Tia Eulália dizia: «Era uma senhora que andava sempre muito bem preparada. E então, quando ia ao casino, com aqueles vestidos muito rabudos! …»
Delicioso!
M. L. Ferreira