quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Já saudade



Depois da azeitona colhida e das filhoses comidas, já a noite tinha caído, arrancámo-nos ao conforto da lareira e rumámos ao lar de S. Vicente.
Não seria possível partir sem visitar as nossas tias, para mim em especial a tia Rosa que já há muito não via.
Ao aproximar-me do edifício, senti que entrava num cofre… cheio de vidas e histórias daquelas que mais gosto, do antigamente.
Nas salas houve alvoroço, falámos alto, o tio Francisco perguntou quando é que começava o baile e ainda deu um pé de dança com uma das senhoras. O meu filho Tiago (4 anos) fez brilhar muitos olhos e portou-se como um grande pequeno homem. Abraçou e distribuiu beijos e sorrisos a quem o solicitou e foram muitas as solicitações. Já no quarto da Ti Trindade foi recompensado e ganhou um bolso de rebuçados.
Conversámos com muitas pessoas, mas constatei que falaram connosco mas não entre si. Aliás sempre que entrei nestas salas deparei-me com salas cheias de gente e de silêncio. Eu sei que os mais velhos gostam de se fechar em si próprios, no aconchego das memórias. Eu mesma gosto de me enfiar nesse canto do cérebro. Espero que tenham animadores socioculturais que os arranquem daí e os façam sentir alegria no presente.
Nos quartos visitámos pessoas ainda cheias de vitalidade, que nos mostraram os seus trabalhos manuais e falaram das suas vidas e esperanças. Entre elas a Luzita, uma nova amiga a visitar.
No quarto da tia Rosa encontrámos o fim da linha… A tia sentada na poltrona, muito frágil. Mas o tio, na sua alegria contagiante, fê-la rir e as gargalhadas que deu certamente já se não ouviam há dias naquele quarto. Mais uma vez foram as memórias…
- Ó tia, atão você lembra-se daquela vez que a avó nos chamou à Serra para irmos comer uma canja de perua? E lembra-se de subirmos a Serra cheios de alegria na esperança da barrigada? Foi uma barrigada, mas de fome, e do Ti Luís a descer a Serra e do que ele ralhava, lembra-se?
A tia ria a bom rir, a sua e a nossa alma encheram-se de vida e de alegria naquele momento.
No momento da despedida, voltou a tristeza, em especial aos olhos do meu tio e da minha mãe.
Soube que a tia partiu, escrevo no momento do seu último adeus. Não podendo estar presente, disse aos meus colegas que me teriam de dar um tempo para escrever. Este texto já andava a ser cozinhado desde esta visita, não poderia passar de hoje.
Um beijinho muito grande ao meu primo Zé, um até sempre à tia, que Deus a receba na sua luz.

Margarida Gramunha

7 comentários:

Anônimo disse...

Que bom termos de volta a Margarida e o seu olhar tão sensível do mundo, principalmente das pessoas! É pena que hoje tenha sido a propósito da partida da tia Rosa, que nos deixou a todos tão tristes. Mas quero acreditar que ela está hoje mais feliz, porque reencontrou o pai, por quem chorava muitas vezes de saudade.
Quanto ao resto, principalmente o ensimesmamento dos utentes do lar, é verdade. Muitas vezes me interrogo sobre isso. Não sei bem se é a única razão, mas acho que aquelas pessoas estão tão zangadas com a vida (o final da vida) que estendem essa zanga a todos os que estão à volta.
Que bom seria se os que estamos ainda do lado de fora pudéssemos ajudá-los “a sentir a alegria do presente”, como diz a Margarida.
Um desafio ao voluntariado…

M. L. Ferreira

Anônimo disse...

Tinha acabado de entrar na gastro, sentada num sofá estava a tia Rosa, à sua volta a enfermeira com um daqueles copos apropriados para se beber a água a tentar que ela bebesse
Ó Rosinha então, bebe...
Passa um médico apressado, abrandou o passo voltou-se para a tia Rosa; Ó Rosinha...
O senhor é da família pergunta a enfermeira
Sou sobrinho
Veja lá se consegue dar-lhe a água
e passou-me o copo
Teimei, bebeu dois ou três golos
Cada vez que metia o copo na boca para sorver mais um pouco do liquido é certo e sabido que havia engasgamento.
Rósinha,então;
Ela ria-se
Eu não tenho sede
Mas tem de beber, respondia a enfermeira
E ela ria-se...
Então Rosinha.
Descanse em paz.
J.M.S

Anônimo disse...

Esta nota da Margarida sobre a Tia Rosa, com quem tanto me ri ao longo dos anos, deixaram-me com uma lágrima de tristeza ao canto do olho, com a sua partida.
FBarroso

Anônimo disse...

Margarida:
Não consegui conter a água, levemente salgada, que me tolda os olhos. E que quase me impede de ver, ao escrever estas linhas!
Especialmente, por aquilo que contaste sobre a minha Mãe que, como é evidente, me diz imenso!
E que bem que pintaste a cena descontraída da vida de uma família, ilustrada com a piada do teu tio Francisco (o tal que tem um verdadeiro talento para a comédia!), sobre a 'banhada' da canja de peru, na serra!!
Cenas de vida, comuns a muitas outras famílias e amigos! Que também foram, certamente, família e amigos daqueles idosos que, hoje, ainda, se encontram no Lar da Santa Casa. Com quem eles riram, brincaram, saltaram e até ralharam! E que foram partindo, deixando-os ali, sós e desgostosos com o destino! Desgostos que, apesar de tudo, outros mais novos procuram minorar-lhes
Talvez não valha dizer: "A vida é apenas isto e tudo termina com a morte!". Pois não será isso demasiado redutor? Não fará sentido ir mais além e perguntar: "Se essas foram as pessoas, concretas, com quem partilhámos a alegria, a triteza, a vida, enfim, como poderemos, então, perdê-las?"
Há muito que me tenho lembrado de uns versos de Guerra Junqueiro. Este autor foi um anticlerical feroz, pelo menos durante parte da sua vida. A época em que viveu era propícia. Mas era crente em Deus (com um misto de Panteísmo) e respeitava Jesus Cristo. Não sei se chegou a reconciliar-se com a Igreja Romana.
Dizem esses versos:
...
"Deus,
Que em todo o seu esplendor,
Cabe num olhar de criança,
Ou num cálice de flor."

E, portanto, como o próprio poeta poderia perguntar, por outras palavaras: como podem existir coisas tão belas, como o olhar de uma criança ou o cálice de uma flor, sem que se conceba quem as possa ter criado?
A nossa parte emocional, dirá: é preciso que os nossos olhos possam, realmente, ver quando estão abertos! E a nossa parte racional: que temos aqui quase um imperativo lógico.

Bem vinda Margarida e obrigado pelas tuas palavras. Agradeço também as palavras da Libânia.
Abraços ao blogue.
Zé Barroso


Anônimo disse...

Ainda não tinha lido os outros comentários (do José Manuel dos Santos e do Chico Barroso), porque ainda não tinham sido publicados quando enviei o meu ao Zé Teodoro, como é óbvio.
De modo que é meu dever agradecer-lhes também as palavras e o carinho que sempre tiveram pela Ti' Rosa.
Um abraço.
ZB.

Ernesto Hipólito disse...

Gostei muito desta intervenção da Margarida.Já aqui lemos coisas muito bonitas desta senhora e esta saiu na hora exata, hora em que o Zé Barroso viu partir a sua mãe e se encontra fragilizado.Hoje, numa pequena homilia na missa de corpo presente da prima da Tia Rosa, a Maria da Luz, o nosso pároco bem frizou que estas partidas são bem mais uma chegada a outra vida em que não existem os sacrifícios que passamos neste vale de lágrimas. A ser assim, a Tia Rosa cumpriu bem a sua parte como ser humano bom e merece estar bem melhor.
Que descance em paz.

E.H.

Anônimo disse...

Agradeço também as palavras do Ernesto Hipólito sobre a minha Mãe.
Curiosamente, estávamos nós na Casa Mortuária, em S. Vicente, e ele a dizer que a D. Maria da Luz (prima da minha Mãe) estava muito mal. Daí a pouco recebeu a notícia da sua morte. Mais uma notícia triste que tem sido frequente neste ano de 2015. Infelizmente.
Paz às suas almas.
Zé Barroso