terça-feira, 3 de janeiro de 2017

As águas da Gardunha

Na minha rua (as) viviam muitas famílias. Parregas, Zé alfaiate, Manuel patrão, Maiaca,  Reinocos, Patanuchos, ti Maria Joaquina, Guiões, nós os Moscas…
            As mulheres de saias compridas, lenço na cabeça, xaile e avental iam à fonte, à ribeira lavar a roupa, cozer o pão nos fornos comunitários…
            As ruas nunca estavam sozinhas. No tempo da escola a praça fervilhava de catraios, nas férias, nomeadamente as grandes, manhã cedo, antes de o sol nascer, não tínhamos outro remédio senão levantarmo-nos, na rua já se ouvia falaçar. Beber o café, pegar numa saca de serapilheira. O Vale Covo ficava longe, era preciso encher a saca com pinhas, outros arranjavam um molho de tanganhos, um cesto de tocos, lenha miúda.
            Por vezes, principalmente no tempo de verão, a malta ia para a Canada onde havia uma peguia maior que o poço do Pelome e mais funda; assim que chegávamos, entrávamos na água era uma alegria.
            O dia passava depressa, a saca das pinhas por vezes vinha meia, o tempo era escasso para nadar. Como ficava mais longe, a Canada não era tão frequentada como o poço do Pelome. Chegávamos a casa cheios de fome, ceávamos de duas maneiras: sopa de landum, trabalhava a correia; depois da gritaria, comia-se a sopa de feijão manteiga.
As sovas só doíam na hora, no dia seguinte tudo recomeçava…
            Os automóveis naquela época eram escassos; contavam-se pelos dedos das duas mãos e ainda cresciam dedos. Em 1966, faz este ano meio século, começaram a chegar pessoas à vila que se iam instalando como podiam. Casas, partes de casas acolheram dezenas de famílias. A vila fervilhava de gente, parecia uma pequena cidade.
            No Casal do Pisco,máquinas rasgavam terras, transportavam pedras, no poço da Canada abriam-se grandes caboucos enchiam-nos de grossas pedras, cimento para as consolidar.
Aos poucos o paredão de terra ia subindo cada vez mais. A empresa Terbal era a responsável por todo aquele movimento, uma grande barragem estava a ser construída.
            O custo do empreendimento foi adjudicado por 29.971.012$10. O paredão tem cerca de 16 metros de altura e a sua capacidade máxima é de 1.400.000 m3 de água. Esta barragem foi comparticipada em 71% pelo governo, o restante valor ficou a cargo da câmara que teve de fazer um empréstimo. Com o crescimento demográfico na cidade de Castelo Branco a água da barragem do Casal da Serra, Penedo Redondo ou Sales Viana, já não chegava.
            Em 1890, a autarquia fora autorizada a fazer um empréstimo de 150.000.000 réis para diversos melhoramentos e o abastecimento de água era prioritário. O presidente da câmara estava mandatado para negociar nascentes em Castelo Novo. A opção foi o aproveitamento de nascentes de água a partir do rio Ocresa no Casal da Serra. Afixaram-se editais convidando os proprietários que quisessem vender os seus mananciais e, no mês de Novembro, a câmara recebeu três propostas.
            Passado um ano, o presidente entrou em negociações com o senhor Manuel Lucas e sua mulher Maria Patrocínio proprietários, moradores no Casal da Serra concelho de São Vicente da Beira afim de adquirir para a câmara as águas que estes possuíam nos prédios contíguos designados Corticeiras e Eirinhas, situados no limite de Louriçal do Campo. O preço acordado foi de três contos, a pagar em duas prestações de um conto e quinhentos mil réis. A escritura foi feita no dia 4 de Janeiro de 1892.
            A cidade crescia, a necessidade de água aumentava. No ano 1934, a câmara aprovou o concurso para que se construa uma barragem no rio Ocresa. A albufeira foi adjudicada por 472.000$00. No mês de outubro do ano seguinte as obras estavam terminadas e a cidade voltou a ter água suficiente para suprir as necessidades da população.
            O tempo passou, o precioso líquido voltou a não chegar. A cidade crescia. Chegámos ao ano 1966 e, na ribeira de São Vicente nasceu uma nova albufeira. No dia 24 de Dezembro de 1967 foi feita a ligação à rede de Alcains, ficando somente a fornecer água aos marcos fontanários. No dia 26 de Outubro de 1968 foi finalmente feita a ligação aos depósitos do Lirião.
            O presidente do conselho senhor professor Marcelo Caetano deslocou-se a São Vicente da Beira, onde inaugurou diversos melhoramentos, incluindo a barragem do Pisco. O ministro das obras públicas era o senhor engenheiro Arantes de Oliveira. António Liberato Oliveira, presidente da câmara municipal.

Pesquisa: A História e a Água no Concelho de Castelo Branco.


J.M.S 

2 comentários:

Anônimo disse...

Para muitos dos que vivíamos na pacatez dos dias descritos na primeira parte do texto, o termo do mundo eram as montanhas que avistávamos ao longe e nos limitavam os horizontes. Talvez por isso, a chegada dos operários e respetivas famílias que vieram trabalhar nas obras da barragem, gente com outras mentalidades e novos usos e costumes, foi um abanão para a nossa terra.
Nem tudo foi pacífico, mas foi como que um prelúdio para o 25 de Abril…
Sobre a água, oxalá tivéssemos todos consciência da sua importância para a vida das populações e fossemos mais cuidadosos na sua utilização; mas a facilidade com que atualmente temos acesso a ela, faz-nos pensar que é um recurso inesgotável.

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Uma boa resenha histórica do abastecimento de água a Castelo Branco.
Antes da chegada das águas da Gardunha, eram os poços. Há-os por todo o lado, mesmo no interior das habitações. Mas a situação seria aflitiva no verão, pois as águas aqui estão muito à superfície do solo e no tempo quente secam.