terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Itinerâncias

Aqui há tempos, em conversa com uma amiga turca, falei-lhe das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian, e da importância que tiveram para promover o contacto e o gosto pela leitura nos lugares mais escondidos de Portugal.

Este seria o modelo Citroen original, mas a carrinha que vinha à nossa Praça era cinzenta.

Contei-lhe também a ansiedade com que esperava o dia da chegada da carrinha à nossa Praça e das artimanhas que arranjava para conseguir requisitar os livros que, segundo o senhor (não me lembro do nome do responsável pela carrinha que vinha a São Vicente) não eram para a minha idade. E, depois em casa, da dificuldade para conseguir lê-los às escondidas da minha mãe, que achava que ler era uma perda de tempo, e já me chegavam os da escola.
Há dias a minha amiga surpreendeu-me com esta fotografia. Pelos vistos, na Turquia, era assim, mais ou menos pela mesma altura.
 
Maravilhoso!

M. L. Ferreira

5 comentários:

José Teodoro Prata disse...

1. Há novos comentários na publicação sobre Viriato Russo, o farmacêutico.

2. O Calouste Gulbenkian era da Arménia, um povo sobre quem os turcos (então Império Otomano) cometeram um genocídio, na primeira Guerra Mundial. Ele, especialista na detetação de sítios onde havia petróleo, fixou-se me Paris, de onde fugiu para Portugal, devido à invasão da França pelos alemães do Hitler (Segunda Guerra Mundial). Gostou tanto de nós que nos deixou a sua Fundação Gulbenkian.
Desconheço se esta fundação tem um ramo turco, mas o que revela esta foto é a universalidade do livro e da leitura, sobretudo na primeira metade do século passado, período em que a cultura se democratizou, deixando de ser exclusiva das elites.
Acho que o tema está por estudar, mas estes livros da carrinha da Gulbenkian operaram uma verdadeira revolução nas mentalidades do mundo rural português, substituindo o imaginário popular de bruxas, lobishomens, Má Hora... pelo imaginário mais real dos livros.
Atualmente, a Câmara Municipal de Proença-a-Nova tem um projeto de leitura semelhante, com uma carrinha que percorre periodicamente todas as localidades do concelho.

Jaime da Gama disse...

Branquinho da Fonseca, 1905 (escritor português) Por proposta sua a José de Azeredo Perdigão (1º presidente da Fundação), foi criado em 1958 o Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, o qual havia de dirigir até o ano da sua morte (1974).

Jaime da Gama disse...

Extraordinária recordação, das mais gratificantes da minha infância. Eu e os meus irmão mais velhos estávamos sempre à espera de os ver chegar, os livros que já tínhamos lido, como éramos 4 tínhamos sempre muito que ler.
Levar os livros de Júlio Verne, Emílio Salgari ou as aventuras de Enyd Blyton, era pura magia. Os adolescentes de hoje, nunca irão imaginar nunca terão o prazer de ler um livro de Julio Verne,sonhar e viver cada aventura. Eram mágicas as carrinhas da Fundação Calouste Gulbenkian. Fizeram mais pela nossa cultura, do que o Ministério da Cultura, nos últimos 50 anos...

Anônimo disse...

Vivam!
O tema e o primeiro comentário (o único que aqui consta quando escrevo),
(Libânia e Zé Teodoro, respetivamente), não podiam ser mais interessantes! Porque falam da primeira possibilidade, através da qual pudemos chegar à cultura, aos livros! Para além da escola, evidentemente. Nós, que, antes da atual democracia e da globalização, vivíamos "atrás das pedras"! Hoje, felizmente, há melhores estradas e transportes. Abrimos um computador ou a televisão por cabo ou por satélite, em qualquer lado, e temos o mundo na mão! Não tem nada a ver. Mas, infelizmente, há menos pessoas, como sabemos.
E, na altura, foi muito importante o querer, a coragem e o sentido da arte pela arte - ars gatia artis, como diriam os romanos - do senhor Gulbenkian (o tal cidadão arménio). Comprou umas dezenas (ou cetenas?) de carrinhas, encheu-as com milhares de livros, pagou a funcionários e vai de os pôr a calcorrear as miseráveis estradas do país. Em muitas das quais, comparando com hoje, mal passava um carro! Levando outros horizontes às cabeças opacas de muitas crianças e jovens de Portugal. Opacas, pela condição social, mas não obtusas pela falta de faculdades, que as há em todos os recantos.
Há tempos fui a Castelo Branco ao Registo Predial e, como me demorei mais que o esperado, acabei a almoçar numa tasca perto da Senhora da Piedade. Lá estava um dos senhores que costummava ir na carrinha a S. Vicente da Beira nos anos '60. Eles eram dois. O que conduzia e o que estava encarregado dos registos de levantamento e devolução dos livros. É claro que ele não me conhecia. Soube que era ele pela conversa que estava a ter com o meteorologista Costa Alves (que esceve no Reconquista e que também lá estava). Mas eu lá falei no assunto e acabámos por trocar umas palavras a recordar o tempo da itinerância.
Abraços.
ZB


Anônimo disse...

Também me lembro de eu e as minhas irmãs esperarmos com ansiedade a Biblioteca e também do prazer que tinha ao ler os livros da Enyd Blyton e Júlio Verne - que são os que me deixaram mais lembranças- na barreira quando guardava as cabras e na cama a noite, a luz do candeeiro de petróleo.

Tina Teodoro