sábado, 17 de setembro de 2022

A Rota Romana ou Medieval de São Vicente da Beira

 Há dias decidi ir (a pé, está claro), à Portela da Senhora da Orada ver como paravam as modas. É uma forma de dizer. Desde a última vez que por lá andei, já passaram alguns anos. Foi num dia em que escrevi um texto (por sinal, publicado neste blog) e fotografei um cão que por lá apareceu, ao qual também fiz referência.

A partir da Portela da Senhora da Orada não consegui encontrar qualquer afloramento de calçada, na encosta norte da Gardunha, em direção a Alcongosta, Fundão ou outra povoação próxima.   

No dia seguinte fui à outra Portela a sul e, mais além, até ao fundo das Vinhas e Valouro. Agora como da outra vez, o fito principal era ir ver o estado da calçada romana ou medieval que vem do meridião, segue para norte, na parte que se contém, mais ou menos, nos limites da nossa freguesia. Ou seja, da estrada vicinal, hoje alcatroada, que vai do Louriçal do Campo à EN 352, próximo do Valouro e que corta, ortogonalmente, a nossa rota romana ou medieval.

A fim de situar as pessoas relativamente ao itinerário desta antiga estrada romana ou medieval da Vila, digo aquilo que me parece: entra na nossa freguesia a sul, pelo Valouro, Vinhas e Fonte da Portela. Foi cortada perto deste local pela EN 352 fundindo-se com esta. Ao fundo da Barreira da Fábrica, do lado da Vila, volta a autonomizar-se e segue pela estreita rua das Poldras para o Ribeiro do Marzelo; passa pela rua da Corredoura e segue pelo caminho do Cimo de Vila para a Senhora da Orada, até ao Alto da Portela, local em que desce para a encosta norte da Serra da Gardunha. Antes do calcetamento da rua da Corredoura e quelhas adjacentes (a nossa antiga circular externa!), ainda havia alguns afloramentos de calçada antiga na barreira do Ribeiro do Marzelo, do lado dos Cunhas, mesmo junto ao muro da quinta.   

Tal como me aconteceu na Portela, a norte, a partir da mencionada estrada vicinal para sul, não pude vislumbrar a referida via romana ou medieval, dadas as dificuldades do terreno e da vegetação. Mas creio que seguirá para Castelo Branco. Talvez se consiga encontrar, penso eu, se se fizer a pesquisa inversa, começando naquela cidade ou, em todo o caso, algures na Póvoa de Rio de Moinhos ou Tinalhas caminhando para norte.

Mas, digo estrada "romana ou medieval", porque, não sendo eu um especialista na matéria, entendo que não posso (nem devo) classificar, para já, esta via, sem que outros se pronunciem sobre o assunto. Sei apenas que se trata de uma estrada antiga (razão pela qual deve ser preservada), com algumas caraterísticas nas quais, segundo os entendidos, se podem enquadrar as estradas romanas, mas também as medievais. Esta via pode, de facto, ter uma origem romana e ter sido, posteriormente, modificada como, de facto, aconteceu por todo o país. Os melhoramentos, hoje, são desaconselhados, a não ser que sejam feitos por especialistas.   

A construção das vias nas províncias romanas não era tão complexa como na península itálica. Basicamente, era aberta uma caixa no terreno que se enchia de pedras e areia ou cascalho ou cal que, depois de batida, levava na superfície uma camada de lajes a formar uma face convexa, tudo para permitir a drenagem das águas pluviais. Algumas podem apresentar, ao centro, uma fila longitudinal de pedras. É o caso desta via junto à Senhora da Orada que, assim, se aproxima mais da configuração das antigas ruas da Vila de S. Vicente da Beira construídas na Idade Média.  De uma forma ou outra, o que é certo é que este sistema de construção das obras permitiu que a rede viária romana perdurasse por 2 milénios! Mesmo o MacAdam, com o seu método moderno, obrigava a reparações permanentes levadas a cabo por um verdadeiro exército de cantoneiros, cada um com seu "cantão"! Nenhum dos povos seguintes (Godos, Árabes) teve, como os Romanos, a noção da importância das estradas no desenvolvimento militar, económico e administrativo. Com o início da Idade Média (sensivelmente, no séc. V), como se sabe, a civilização ocidental estagnou ou deu passos atrás! Segundo os historiadores, até quase ao século XX (imagine-se!), a nossa rede viária assentava, fundamentalmente, na profusão dos caminhos rasgados pelos romanos!

Estão indicados na internet vários trilhos na nossa região, seja na planície ou na serra, nomeadamente, Castelo Branco, Sarzedas, Almaceda, Alcains, Soalheira, Louriçal do Campo, Alpedrinha, Castelo Novo. Todos seguem, como é óbvio, pontos de interesse turístico, quer naturais, quer culturais (culturais, isto é, onde há mão humana). Em S. Vicente da Beira também há indicação de trilhos no terreno mas, na internet, no que concerne à freguesia, creio que apenas se faz referência ao Casal da Serra, quando se descrevem as rotas do Louriçal do Campo ou de Castelo Novo.

Acontece, então, que a dita estrada romana ou medieval a norte, não está tão bem conservada como estava há uns anos atrás quando lá estive! É certo que foi contida a invasão da vegetação e, mais que contida, foi alargado o seu limite de crescimento. Essa operação, em si mesma, seria benéfica, porque deixaria mais à vista uma obra humana antiga que nós não temos o direito de destruir! A sul, esta via, está e sempre esteve pior porque foi sempre muito mais utilizada! O presidente da Junta de Freguesia disse-me, pessoalmente, há tempos, que iria ser limpa na área da Fonte da Portela, mas, por enquanto, ainda continua na mesma.

Sucede, porém, que, hoje, naquela zona norte, há eucaliptos para cortar e eólicas que ali foram instaladas que necessitam de manutenção. Deve ter sido por isso que a estrada, além do corte da vegetação, foi alargada por máquinas; e, embora pareça que a calçada foi poupada, encontra-se, na sua maior parte, coberta por uma camada de entulho. Não me parece que a estrada tenha sido, propriamente, soterrada, mas a cobertura de terra deve ser retirada e a calçada limpa! Em muitos locais do país estas vias antigas foram destruídas. É preciso que não se destruam mais. Por isso, a Junta de Freguesia deve tomar medidas e verificar melhor o que se passou, a fim de tentar preservar os afloramentos ainda existentes.  

Anexo: fotos de alguns afloramentos da calçada antiga e um vídeo de uma das eólicas da Portela Norte. 



José Barroso  

3 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Duas achegas:
1. O Zé Barroso não refere, mas a estrada romana junto à Fonte da Portela foi qualificada há anos, no tempo do João Prata como presidente da Junta, e na altura cobriu-se com saibro, para garantir a sua conservação, segundo me disseram. Já lá passei bastantew depois, mas não me lembro se a calçada está tapada ou não.
2. A via romana vinha do Ribatejo, seguindo um percurso próximo do atual da A23 (é curioso, pois a A1 também segue o percurso da via romana de Olisipo (Lisboa) para Calle (Gaia) e depois Bracara Augusta (Braga). Depois de Alcains, a via romana atravessava a Ocreza (a ponte romana ficou submersa pela barragem de Santa Águeda), seguia pela margem direita da ribeira e perto do Louriçal atravessava de novo a ribeira, rumo a Castelo Novo e depois Gardunha a cima. Segundo o Pedro Salvado, este desvio da via romana justificava-se pela existência de mineração na margem direita da ribeira. Nessa zona de exploração mineira e com muitas villas romanas (zona entre o Vinhas/Valouro/Ramalhoso e as teras baixas do Louriçal) a estrada romana bifurcava-se, seguindo o outro trajeto mais por oeste, de mais fácil travessia da serra (São Vicente - Orada - Alto da Portela). Esta é a minha opinião. Também penso que a mineração romana seria a céu aberto, como em muitos outros locais.

José Teodoro Prata disse...

As villas romanas eram quintas, tipo monte alentejano, também existentes na nossa região, até há pouco tempo: casa do dono, currais para os gados e instalações para os trabalhadores permanentes.
A passagem de uma via romana por onde atualmente de situa São Vicente, dever-se-ia ao povoamento da zona, tal como ao pvoovoamento de outras zonas na vertente norte da serra.

M. L. Ferreira disse...

Realmente já há muito tempo que não subias à Portela, José Barroso! Quase tantos anos como metade da vida de um cão com uma longevidade normal.
Mas nove anos não são nada para uma obra que atravessou vários séculos para chegar até nós. O problema poderá colocar-se se a manutenção que está a ser feita atualmente (alargamento e limpeza da via) for apenas para se poder chegar mais facilmente aos eucaliptos ou às eólicas. É que aquele tipo de calçada, por mais resistente que seja, poderá não resistir muito tempo à passagem de máquinas muito pesadas.
O José Teodoro já contextualizou o traçado destas estradas romanas relacionando-o com as atuais vias de comunicação. Percebe-se assim facilmente a importância que tiveram no desenvolvimento das localidades e regiões por onde passavam, e São Vicente será um bom exemplo do benefício que terá tido do facto de se localizar junto a uma dessas vias.
Num tempo em que já tão pouco nos resta do legado dos nossos antepassados, seria uma pena que também esta herança se perdesse.