Uma
das melhores formas de aprender é por imitação, principalmente quando se trata
de regras de convivência social. Dar a salvação é um bom exemplo. Desde
crianças que começámos a dizer bons dias,
boas tardes ou boas noites a toda a gente por quem passávamos (os mais velhos
ainda nos lembramos de ouvir Nosso Senhor
lhe dê bons dias; Nosso Senhor o
ajude; Vá com Deus, Nosso Senhor o acompanhe…). Ninguém nos
disse que tínhamos de o fazer, mas imitávamos o que víamos aos nossos pais e a
outros adultos significativos, sempre que passavam por alguém na rua, fosse ou
não gente da terra.
Negar
a salvação era a pior ofensa que se podia fazer a alguém, e só acontecia quando
a zanga era séria; por isso, a primeira vez que íamos à cidade (para muitos era
a ida a Castelo Branco para o exame da quarta classe) achávamos estranho que as
pessoas passassem umas pelas outras e não dessem a salvação, como se andassem
todas zangadas. A situação piorava quando, como aconteceu com alguns de nós,
íamos viver para uma cidade maior. Sentíamos que parte da nossa humanidade
tinha ficado para trás.
Regressados
à terra, muita coisa mudara: as crianças tinham-se feito homens e mulheres e já
não tínhamos o nosso pai e a nossa mãe a esperar-nos à porta de casa. Apesar
disso continua a ser reconfortante passar por alguém na rua e, muitas vezes,
poder ir para além dum apressado «bom dia». Estranhamente, começa a ser
frequente cruzarmo-nos com pessoas, geralmente mais novas, que, de tão
mergulhadas nas próprias bolhas, passam pelos outros como seres invisíveis.
Há
quem diga que é só falta de educação; é possível que seja sobretudo sinal de um
tempo de maior isolamento e solidão…
ML Ferreira