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quinta-feira, 24 de março de 2022

Mitologia popular portuguesa - as bruxas

Ando a ler este livro sobre a mitologia popular transmontana. Nele é apresentada, na p. 135, esta história recolhida em Vila Seca, Adoufe, Vila Real:

«A camisa de linho

Numa ocasião havia um rapaz que andava interessado numa determinada rapariga lá da sua terra. Mas antes de falar com ela, a pedir-lhe namoro, resolveu vigiá-la, para ver o que fazia e o que não fazia. Descobriu então que, em certas noites, à mesma hora, ela pegava e saía sozinha de casa, o que naquele tempo não era coisa que se tolerasse numa rapariga.

- Coisa estranha!... - pensava ele.

Vai daí, numa dessas noites seguiu-a, acabando por ir dar com ela, junto de outras mulheres, no meio do arvoredo, onde todas se estavam a despir. Viu-as então despirem-se e a seguir viu-as desaparecer.

Ele vai, pega na roupa dela. e esconde-se nos arbustos. Passadas algumas horas, as mulheres voltaram, vestiram-se e foram embora. Só ela é que não, pois não encontrava a roupa. Aperece-lhe então o rapaz, e diz:

- Toma lá a roupa, e vai para tua casa! Já sei o que andas a fazer.

Ela pediu-lhe que não contasse a ninguém. E em troca, disse que lhe dava uma camisa de linho que ela própria tinha feito. No dia seguinte, ele lá recebeu a camisa de linho, só que, em vez de a vestir, atou-a ao pescoço de um cão.

E qual não foi o seu espanto quando viu o cão andar às voltas, às voltas, até que desapareceu. Nunca mais ninguém soube dele. E por isso o rapaz desistiu de pedir namoro à rapariga. Nem quis mais contas com ela.»

Esta história é outra versão (quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto) da recolhida pela Libânia e publicada neste blogue e no livro "Dos Enxidros ao Casais". Prova que há um património comum às diferentes regiões do país. Eis "A dança das bruxas":

Das muitas tabernas que existiram na nossa terra, já só resta a do Marcelino, no Casal da Fraga (hoje é da Amália, que a herdou do pai). Gosto de lá ir à tardinha ou à noite, principalmente agora no verão, porque é a hora em que param por lá bons contadores de histórias.
Quem contou esta foi a ti Trindade Marcelino que, diz, ainda se lembra do homem a quem aconteceu o seguinte:
Há muitos anos, se calhar mais de cem, havia um rapaz nos Pereiros que namorava uma rapariga das Rochas. Sempre que podia lá ia ele a pé, por montes e vales, até chegar à terra da namorada que ainda ficava a umas boas horas de caminho.
Uma vez, já a lua ia alta, ao chegar ao cimo da serra do Açor vê aproximarem-se uns pássaros pretos que traziam uma luz no bico. Poisaram todos num cruzamento que por ali havia e, ao tocarem no chão, transformaram-se em belas raparigas. A seguir chegou um pássaro ainda maior que se transformou num homem. As raparigas juntaram-se todas à volta dele, fizeram uma roda e puseram-se a dançar e, de vez em quando, chegavam-se ao meio e beijavam-no.
Ao fim dum bom bocado chega mais um pássaro que também se transformou em mulher e se juntou à roda, mas o homem, zangado, perguntou-lhe porque é que estava a chegar tão atrasada. Ela respondeu-lhe o seguinte:
“Quem tem filhos para dormir e homem para acalentar, da Sertã aqui não tem que tardar?”
E lá continuaram a dança até que, de repente, se transformaram de novo em pássaros e voaram cada um para seu lado.
O rapaz, que se tinha escondido atrás dumas giestas que por ali havia, assistiu a tudo com muito medo e bastante zangado, porque tinha reconhecido a namorada numa das raparigas. Apesar disso, resolveu continuar o caminho até às Rochas e tirar tudo a limpo. Quando lá chegou, a namorada já estava em casa. Ele contou-lhe o que tinha visto e quis que ela explicasse o significado daquela cena. A rapariga confessou que era bruxa e disse-lhe o seguinte:
“Agora que sabes a verdade, não és obrigado a casar comigo, mas ai de ti que, enquanto eu for viva, contes a alguém o que viste hoje! Se alguém souber, mato-te! Em paga do teu silêncio, vais receber todos os anos uma camisa e umas ceroulas de linho.”
O rapaz voltou para os Pereiros, arranjou nova namorada e passado pouco tempo estava casado. Todos os anos lhe aparecia em casa uma camisa e umas ceroulas e a mulher, desconfiada, fazia sempre a mesma pergunta:
“Ó homem, mas que diabo é que te manda todos os anos esta roupa tão fina?”
Ele respondia sempre o mesmo:
“Come e cala-te, mulher de Deus. Tu nem queiras saber…”
Foi assim durante muitos anos. Quando a encomenda deixou de chegar, o homem contou finalmente à mulher o que tinha visto naquela noite a caminho das Rochas e a história espalhou-se por toda a aldeia e arredores. Ainda hoje a contam…
O homem morreu de velho, cego, a caminhar com uma bengala pelas ruas.

José Teodoro Prata