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quinta-feira, 12 de maio de 2022

Crenças Populares

 

Desde que existe vida humana na Terra que a necessidade segurança e sobrevivência, ou de entender determinados fenómenos para os quais não havia explicação racional, levou ao aparecimento de mitos e crenças que foram passando de geração em geração, perpetuando-se ao logo dos tempos. Muitos chegaram até nós através das histórias que povoaram a nossa a infância, quase sempre pela voz dos mais velhos, e condicionaram, de certa forma, o nosso modo de vida desde muito cedo.

Quem não se lembra de, em criança, ouvir que se brincássemos com o lume fazíamos xixi na cama? Ou que brincar com a sombra era brincar com o diabo? Que contar as estrelas fazia crescer cravos nas mãos? E que andar para trás era ensinar o caminho ao diabo? E se era uma tentação, naquela idade, fazermos todas estas coisas! Ainda hoje, algumas vezes, dou comigo a brincar com o lume ou a contar as estrela.

Muitas destas histórias, com algumas especificidades regionais, são contadas em vários pontos do País; algumas até por esse mundo fora. As que aqui deixo ouvi-as, mais ou menos como as conto, na nossa freguesia. E há tantas outras para contar!

 

Bruxas e lobisomens

Havia algumas mulheres cá na terra que, dizia-se, eram bruxas; pelo menos da fama não se livravam. A maior parte já eram velhas, e só lhes dava para o mal. Recomendavam-nos que fizéssemos figas se tivéssemos que nos cruzar com elas. Mas às vezes nem as figas nos valiam e de um dia para o outro começávamos a ficar doentes, cheios de fastio e o olhar mortiço; ou então dávamos em fazer coisas que não lembravam ao diabo, prova mais que provada de que nos tinham feito mal.

O remédio para tirar o acedente (mau-olhado) era encher um prato com água e dizer esta oração: «Deus te viu, Deus te criou, Deus te livre de quem para ti mal olhou; em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo tirai este quebranto.» ao mesmo tempo iam-se deitando pingos de azeite no prato (cinco ou sete, para ser pernão). Se o azeite se espalhava, era sinal de mau olhado, mas se os pingos ficavam juntinhos numa bolha, o mal seria outro. Para acabar com o bruxedo tinha que se despejar a água do prato e repetir tudo as vezes que fossem precisas até os pingos ficarem juntinhos.

Quando se queria saber quem é que tinha feito o mal, bastava por uma panela com água a ferver ao lume, mergulhar lá dentro uma peça de roupa da pessoa embruxada, e picá-la com um espeto durante um bocado. Isto tinha que se fazer entre a meia-noite e a uma hora, e era limpinho que a bruxa havia de aparecer a pedir que parassem, que lhe estavam as doer muito as picadelas do espeto no corpo. 

 

Faziam coisas terríveis, as malvadas! Disse que uma vez, na Vila, houve uma que entrou pelo buraco da fechadura duma casa, pegou numa menina que estava a dormir no berço e trouxe-a pelas escadas abaixo. Eram as Festas do Verão, a banda a tocar na Praça, e os pais, gente nova, quiseram ir dançar uma moda. A mãe não se demorou muito, mas quando chegou a casa até lhe ia dando uma coisa. Não é que a menina estava caída no limiar, já rouquinha de tanto chorar, sujeita a ser comida pelo porco que estava na furda, mesmo ali ao lado?! Foi um caso tão badalado que ainda hoje se fala dele. 

 

Também me contaram que um dia uma mulher foi à missa e, no banco atrás, estavam duas calhandreiras a falar tão alto que ela já nem podia ouvi-las. Preada, voltou-se a mandá-las calar. Não é que quando chegou a casa tinha a toalha da mesa com uma grande tesourada? E que linda era aquela toalha! Percebeu logo o que tinha sido porque uma das calhandreiras não se livrava da fama de bruxa, e que Deus lhe perdoasse se estava a pecar por maus pensamentos, mas ali estava a prova...

 

E o susto que um homem cá da Vila apanhou uma vez? Era no tempo de fazer a aguardente e naquele dia tinha andado até tarde a ajudar o pai no alambique. Quando estavam a subir a rua da Costa, cada um com dois garrafões de cada lado, já tinha dado a meia-noite. Nisto começou a sentir passos atrás dele, e voltou-se para ver quem era. Até se lhe arrepiaram os cabelos quando viu um vulto negro, enorme, como nunca tinha visto igual. Nem abriu a boca para não assustar o pai, mas sentiu aquela presença até à porta de casa, no cimo da rua. Entrou a correr, e até ia a por a tranca na porta, mas encheu-se de brio e disse lá para com ele: «Mas eu sou um homem ou um cachopo?», e saiu porta fora com a tranca no ar, disposto a dar cabo do que quer que fosse. Mas o vulto tinha desaparecido; só ouviu um barulho, rua abaixo, como se fosse um cavalo a correr.

 

Faz lembrar o que contavam de um homem da Partida, boa pessoa, respeitador de toda a gente, um mouro de trabalho; mas diziam que era lobisomem. Em certas noites, principalmente noites de lua cheia, transfigurava-se e corria desalmadamente pelas ruas levando pela frente tudo o que se lhe atravessasse no caminho. Tiveram a certeza que era ele quando, uma vez que a mulher se atrasou a cozer o pão, já passava da meia-noite quando voltou para casa. Ia a subir a rua com o tabuleiro à cabeça e, nisto, começa a ouvir um barulho estranho, ao longe, que se ia tornando cada vez mais perto, até que sentiu que estava mesmo encostadinho a ela. Só teve tempo de se atirar para a valeta, não fosse levada à frente, mas sentiu o bafo e uns dentes enormes a abocanharem-lhe o xaile.

Por sorte, um dos irmãos do lobisomem ouviu o barulho e percebeu logo o que era. Saiu da cama a correr e, com o agulhão das vacas em punho, saltou-lhe ao caminho. Com tanta pontaria que conseguiu espetar-lho direito ao coração. Só desta maneira pôde desfazer a perneta que o irmão tinha desde novo.

Quando chegou a casa, tão amedrontada que quase não se tinha nas pernas, viu o homem sentado ao cimo das escadas, a arfar, ainda a cuspir bocados da franja do xaile.

 

Almas penadas

Às vezes os casos eram tão bicudos que só gente entendida, a poder de muitas rezas, defumações e esmolas, eram capazes de atalhar. Como o daquele homem que há que tempos trazia um peso no corpo e nenhum médico conseguia dar com o mal. Não teve outro remédio senão ir a uma dessas benzedeira que têm fama de curar todos os males. Não é que ela lhe afirmou, assim que o viu, que era o pai dele que lhe andava encavalitado nas costas? O caso era que o velho tinha morrido com promessas por pagar e queria que o filho as pagasse para poder descansar. A verdade é que depois de tudo pago, como mandou a tal mulher, o dito homem começou a sentir algumas melhoras.     

 

E o caso daquele pastor do Casal da Serra a quem, sem mais nem menos, começaram a aparecer ovelhas feridas e algumas até mortas? Desacorçoado, em saber o que fazer à vida, resolveu-se a ir a uma dessas mulheres, não fosse coisa do diabo. E a verdade é que ela viu, claro como a água, que era um amigo do dito pastor que tinha morrido há uns tempos, e todas as noites vinha fazer pontaria ao rebanho com uma fisga. Tal e qual como tinham feito muitas vezes juntos, ainda rapazes novos, só para apostarem qual acertava mais longe. Dizem que depois de cumprir as recomendações que a mulher lhe fez, não tornaram a aparecer ovelhas feridas nem mortas.

 

Esta contaram-ma há pouco tempo. Eram duas irmãs que moravam no fundo – vila e tinham uma tia, muito amiga, que morava do lado de cima da Fonte Velha. Em solteiras, de verão, iam quase todos os dias passar o serão para casa dela e ficavam lá até às tantas. Uma vez demoraram-se mais e deram-lhes as badaladas da meia-noite ainda antes de chegarem à Praça. Então não é que na rua Nicolau Veloso, mesmo à frente duma casa onde tinha morado uma costureira, ouviram claramente o pedalar duma máquina de costura? Ó pernas para que vos quero, todas arrepiadas, rua abaixo, porque bem sabiam que desde que a costureira tinha morrido a casa estava fechada. Não tornaram a passar por lá àquela hora, mas parece que houve quem por lá tivesse passado, também a más horas, e tivesse ouvido o pedalar da máquina de costura.      

 

Já lá vão muitos anos, uma amiga minha foi a Castelo Branco fazer o exame da quarta. Quando voltou à terra vinha numa tristeza tão grande que mal comia e sempre a suspirar. Por mais que lhe perguntassem, não dizia a ninguém o que é que tinha. As más-línguas até já diziam que se calhar tinha ficado mal no exame e não queriam dizer; como se fosse possível, numa terra onde tudo se sabe. A mãe fez o que pôde, mas nem rezas, nem defumações, nem xaropes, nada resultou. Até que a levou à benzedeira de Abrantes que diziam que era muito entendida nestas coisas. E a verdade é que ela viu logo qual era o mal: nem mais nem menos que o espírito de um tio afastado que tinha morrido há já uns bons anos, mas que ainda andava por aí, feito alma penada. Recomendou que rezassem umas certas orações, mandassem dizer duas missas e deixassem uma esmola na caixa das almas. A verdade é que, ao fim de pouco tempo a cachopa começou a melhorar e já nem parecia a mesma.

Passados uns tempos contou-me o segredo da doença: quando tinha ido a Castelo Branco fazer o exame, tinha lá visto um rapaz tão bonito como nunca tinha visto. De cabelos encaracolados, moreno, olhos verdes (ou seriam castanhos?), foi amor à primeira vista. A paixão tinha sido tão grande que até que se lhe tinha atado um nó na garganta e o coração parecia um cavalo a correr, a querer saltar-lhe do peito. O mais certo era nunca mais tornar a vê-lo, mas o nó da garganta também já se lhe tinha desatado e o coração batia mais devagar.

 

E outros mistérios

Contou-me a minha avó que, um ano, pela Páscoa, atrasou-se noutras andanças e não teve tempo da fazer os bolos antes de Sexta-Feira Santa. Começou a amassar logo de madrugada, com as medidas, as rezas e todas as voltas já do tempo da mãe dela. Nem de tapar a massa com o capote do meu avô ela se esqueceu. Lá para o meio-dia a massa havia de estar pronta para ser tendida e ir para o forno, ainda a tempo de poder ir à Procissão do Encontro. Qual quê? Quando foi ao meio-dia a massa ainda estava no fundo da masseira, e à noite continuava na mesma. Nunca tal lhe tinha sucedido.

 

Contava-se que a outra mulher tinha sucedido uma coisa parecida, só que a ela a massa tinha fintado que era uma maravilha; tendeu os bolos e meteu-os no forno, aquecido como deve ser. Quando foi por eles, estavam que nem carvão. Também era Sexta-Feira Santa…

 

A outra mulher, também cá da terra, houve um ano que a forneira teve tanto trabalho que já só já lhe arranjou vez para cozer os bolos na sexta-feira. Não teve outro remédio senão sujeitar-se, mas com o coração nas mãos por causa das histórias que já tinha ouvido contar. Razão tinha ela, que quando começou a partir os ovos estavam todos cheios de pintas de sangue. Nesse ano, na casa dela, não houve a fartura de bolos da Páscoa que era costume. Só o que uma vizinha, com pena dos filhos, lhe levou.

 

Conta-se também que uma vez uma mulher foi lavar a farda da tropa de um dos filhos. Tinha chegado de véspera, já quase noite e abalava para o quartel no dia a seguir, à tardinha. Mal o sol nasceu, a mãe foi a correr para a ribeira, mas assim que começou a ensaboar a roupa, parece que se desfazia em sangue; até a água ficou encarnada. Era dia do Corpo de Deus…

 

M. L. Ferreira

quinta-feira, 24 de março de 2022

Mitologia popular portuguesa - as bruxas

Ando a ler este livro sobre a mitologia popular transmontana. Nele é apresentada, na p. 135, esta história recolhida em Vila Seca, Adoufe, Vila Real:

«A camisa de linho

Numa ocasião havia um rapaz que andava interessado numa determinada rapariga lá da sua terra. Mas antes de falar com ela, a pedir-lhe namoro, resolveu vigiá-la, para ver o que fazia e o que não fazia. Descobriu então que, em certas noites, à mesma hora, ela pegava e saía sozinha de casa, o que naquele tempo não era coisa que se tolerasse numa rapariga.

- Coisa estranha!... - pensava ele.

Vai daí, numa dessas noites seguiu-a, acabando por ir dar com ela, junto de outras mulheres, no meio do arvoredo, onde todas se estavam a despir. Viu-as então despirem-se e a seguir viu-as desaparecer.

Ele vai, pega na roupa dela. e esconde-se nos arbustos. Passadas algumas horas, as mulheres voltaram, vestiram-se e foram embora. Só ela é que não, pois não encontrava a roupa. Aperece-lhe então o rapaz, e diz:

- Toma lá a roupa, e vai para tua casa! Já sei o que andas a fazer.

Ela pediu-lhe que não contasse a ninguém. E em troca, disse que lhe dava uma camisa de linho que ela própria tinha feito. No dia seguinte, ele lá recebeu a camisa de linho, só que, em vez de a vestir, atou-a ao pescoço de um cão.

E qual não foi o seu espanto quando viu o cão andar às voltas, às voltas, até que desapareceu. Nunca mais ninguém soube dele. E por isso o rapaz desistiu de pedir namoro à rapariga. Nem quis mais contas com ela.»

Esta história é outra versão (quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto) da recolhida pela Libânia e publicada neste blogue e no livro "Dos Enxidros ao Casais". Prova que há um património comum às diferentes regiões do país. Eis "A dança das bruxas":

Das muitas tabernas que existiram na nossa terra, já só resta a do Marcelino, no Casal da Fraga (hoje é da Amália, que a herdou do pai). Gosto de lá ir à tardinha ou à noite, principalmente agora no verão, porque é a hora em que param por lá bons contadores de histórias.
Quem contou esta foi a ti Trindade Marcelino que, diz, ainda se lembra do homem a quem aconteceu o seguinte:
Há muitos anos, se calhar mais de cem, havia um rapaz nos Pereiros que namorava uma rapariga das Rochas. Sempre que podia lá ia ele a pé, por montes e vales, até chegar à terra da namorada que ainda ficava a umas boas horas de caminho.
Uma vez, já a lua ia alta, ao chegar ao cimo da serra do Açor vê aproximarem-se uns pássaros pretos que traziam uma luz no bico. Poisaram todos num cruzamento que por ali havia e, ao tocarem no chão, transformaram-se em belas raparigas. A seguir chegou um pássaro ainda maior que se transformou num homem. As raparigas juntaram-se todas à volta dele, fizeram uma roda e puseram-se a dançar e, de vez em quando, chegavam-se ao meio e beijavam-no.
Ao fim dum bom bocado chega mais um pássaro que também se transformou em mulher e se juntou à roda, mas o homem, zangado, perguntou-lhe porque é que estava a chegar tão atrasada. Ela respondeu-lhe o seguinte:
“Quem tem filhos para dormir e homem para acalentar, da Sertã aqui não tem que tardar?”
E lá continuaram a dança até que, de repente, se transformaram de novo em pássaros e voaram cada um para seu lado.
O rapaz, que se tinha escondido atrás dumas giestas que por ali havia, assistiu a tudo com muito medo e bastante zangado, porque tinha reconhecido a namorada numa das raparigas. Apesar disso, resolveu continuar o caminho até às Rochas e tirar tudo a limpo. Quando lá chegou, a namorada já estava em casa. Ele contou-lhe o que tinha visto e quis que ela explicasse o significado daquela cena. A rapariga confessou que era bruxa e disse-lhe o seguinte:
“Agora que sabes a verdade, não és obrigado a casar comigo, mas ai de ti que, enquanto eu for viva, contes a alguém o que viste hoje! Se alguém souber, mato-te! Em paga do teu silêncio, vais receber todos os anos uma camisa e umas ceroulas de linho.”
O rapaz voltou para os Pereiros, arranjou nova namorada e passado pouco tempo estava casado. Todos os anos lhe aparecia em casa uma camisa e umas ceroulas e a mulher, desconfiada, fazia sempre a mesma pergunta:
“Ó homem, mas que diabo é que te manda todos os anos esta roupa tão fina?”
Ele respondia sempre o mesmo:
“Come e cala-te, mulher de Deus. Tu nem queiras saber…”
Foi assim durante muitos anos. Quando a encomenda deixou de chegar, o homem contou finalmente à mulher o que tinha visto naquela noite a caminho das Rochas e a história espalhou-se por toda a aldeia e arredores. Ainda hoje a contam…
O homem morreu de velho, cego, a caminhar com uma bengala pelas ruas.

José Teodoro Prata

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Almas danadas ao santorinho

Na nossa vila, principalmente em noites gélidas, frias, brancas e ventosas invernais, logo que anoitecia as pessoas recolhiam aos seus lares. Depois da ceia, à luz da candeia, com toda a família sentada em redor do braseiro, rezadas as orações, os mais novos escutavam com atenção estórias que os mais velhos contavam. Umas eram comoventes, outras, assim, assim e algumas eram terríficas.
Avô Zé, com as tenazes “conchegava” os chamiços que ardiam; avó Ana encostava o púcaro de barro ao brasido cheio de água da Fonte Velha, quando começava a ferver deitava para dentro uma ou duas colheres de café, era tão bom, tão bom, perfumava toda a casa.
Para assentar, punha dentro do púcaro uma brasa; sabia tão bem!
Avó, lenço negro atado à cabeça, cabelos brancos entrançados, era uma santa mulher. Avô, com seus safões de pele de cabra, barrete enfiado até às orelhas, começava:
Uma vez, era novo, tinha ido à vila, conversa puxa conversa, estava na praça mais uns poucos da minha idade o sino bateu a meia-noite; assustei-me, assustámo-nos todos. Entre a meia-noite e a uma hora era muito perigoso andar na rua, podia aparecer a má hora, uma alma do outro mundo, uma alma penada.
“Quem está aÍ! Se és uma alma do Purgatório diz o que queres; se és o demónio, eu te arrenego em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Pessoas muito altas, gente com pés de cabra, lobisomens. Quem se cruzava com estes seres sinistros corria esbaforido em direcção a casa, queria gritar por socorro e não conseguia. Era uma hora má, aquela.
Olhos bem abertos, atentos e ao mesmo tempo cheios de medo, ouvíamos com atenção, não olhávamos para trás, não aparecesse uma alma penada.
Naquela noite, ia para o Caldeira, estava vento, fazia lua; quando cheguei ao fundo da barreira do Marzelo, rebolava na minha direcção uma grande bola. Corri para São Sebastião cheio de medo, dei a volta pela estrada em direcção às Poldras, subi o Souto do padre Teodoro, o vento ventava com todas as forças; ao outro dia outras bolas rebolavam pela estrada. Sabeis o que era! Sargaços.
Certa vez, um homem vinha do Casal, quando ia a passar junto ao Calvário um vulto muito alto apareceu em cima da parede do cemitério, começou a correr cheio de medo, quanto mais corria, mais a aparição o acompanhava. Morava ao fundo da rua de São Francisco, ao chegar à porta, abre-a, entra, coloca a tranca rapidamente, do lado de fora uma voz cavernosa, forte, gritou:
-Foi o que te valeu!
- Ai home, que se passa contigo? - pergunta a mulher toda atrapalhada.
Este, com o dedo indicador apontou para a porta, sem nada dizer, ficou sem fala.
A esposa abre a porta, olha para a rua, não vê vivalma. O céu estava limpo cheio de estrelas, a noite serena, deitou-se no catre, não falava. No dia seguinte contou à mulher o acontecido.
- Ai home, a minha alma está parva…
- Ó vô; Como são os lobisomens!
- Durante o dia são pessoas como nós, à meia-noite transformam-se em lobos danados, andam uivando por ruas, montes e vales. No dia seguinte aparecem todos arranhados, feridos, por causa do esforço que fizeram. Entregaram a alma ao diabo estes damonhos.
- Credo!
- Olhem; nos cruzamentos e em lugares previamente escolhidos dançam as bruxas encarrapatas juntamente com o mafarrico. Cruz da Oles, Fonte da Portela… são locais onde isso acontece. Era noite cerrada, desci a rua a caminho da nossa casa com os meus pais e irmãos, lanterna acesa, dormi toda a noite com a cabeça debaixo das mantas, não aparecesse a má hora.
Meu avô dizia o seguinte proverbio: “Pelos santos, neve nos campos”. Como mudou o tempo, já não há neve, em contrapartida, ardem as matas.
- Dê-nos um santorinho

J.M.S