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domingo, 15 de novembro de 2009

As Chuvadas de Novembro

Não participei no passeio pedestre pela encosta da Gardunha, organizado pelos nossos Bombeiros. A noite foi chuvosa e o clima matinal estava instável. Fiquei-me por Castelo Branco.
Mas um bom grupo de gente corajosa meteu pés ao caminho. Arriscaram e petiscaram. O mundo é dos afoitos, como diz o povo. Fica para a próxima.


As chuvas de Novembro são incertas. Tanto se podem ausentar durante anos, fazendo o Verão de S. Martinho, como chegar de mansinho ou caírem torrenciais e arrasarem tudo.
As deste ano são mansas (estão a ficar bravas, no centro e norte do país), mas as chuvadas mais violentas costumam cair neste período de transição entre o fim do tempo quente e a chegada do frio invernal.
A memória dos homens dá-nos alguns testemunhos de temporais de Outono.
A referência constante a Alcains deve-se ao facto de se situar num vale, nas margens da ribeira da Líria. Em S. Vicente da Beira, as ocorrências terão sido muito semelhantes às das outras povoações da região.

Novembro de 1807
O Exército Francês atravessou a França em direcção a Portugal, sempre debaixo de uma chuva impiedosa. Os soldados franceses chegaram a Castelo Branco, no anoitecer do dia 20, exaustos, encharcados e famintos.
Na noite de 21, havia 16 mil homens em Castelo Branco e arredores. Acenderam uma fogueira na igreja do castelo, para secarem a roupa e se aquecerem. O templo acabou por pegar fogo. Pelos campos, onde pernoitaram milhares de soldados, cortaram-se as oliveiras para alimentar fogueiras.
A passagem para Lisboa era difícil, neste tempo de poucas pontes e frágeis barcas. Choveu torrencialmente durante semanas e os rios e ribeiras iam de enxurrada. Muitos soldados morreram na travessia e outros andavam às voltas, na esperança de passagens mais favoráveis.
No dia 1 de Dezembro, Castelo Branco, uma cidade de cerca de 1000 habitantes, tinha alojados cerca de 6000 franceses. Todos os dias chegavam novos regimentos, mas a chuva não lhes permitia a partida. As cavalarias não tinham como atravessar rios e ribeiras.

Novembro de 1852
As ribeiros de Alcains galgaram os seus leitos, como não havia memória. A água subiu aos 4 metros, na parte baixa da povoação.
A ribeira da Ocreza subiu 12 palmos acima da maior elevação conhecida até à data. A torrente levou todos os moinhos e pontes. Houve mortos e desaparecidos.

Novembro de 1908
No dia 8, caiu uma tromba de água sobre Alcains. A água submergiu a parte baixa da povoação e muitas pessoas foram salvas pelos telhados, por pontes que se fizeram com as escadas de colher a azeitona.
A ribeira da Líria tomou tamanho caudal que destruiu a ponte da estrada para o Salgueiro.
A linha do caminho de ferro ficou interrompida próximo da estação de Alcains.
Não escapou nenhum dos moinhos da ribeira da Ocreza.
Nas Benquerenças, o temporal levou um moleiro, apanhado desprevenido no seu moinho.

Novembro de 1937
Pelos meados do mês, caiu uma tromba de água, sobre a parte este da Gardunha, levando a destruição às gentes das duas vertentes da serra. A maior descarga foi sobre o Sobral do Campo e depois Louriçal do Campo, Soalheira, Alpedrinha, Donas, Capinha…
Parte da população de Alcains esteve em sério risco. A água levou uma ponte da Ocreza e três da Líria. Desaparecerem moinhos e azenhas.
A Câmara de Castelo Branco teve de conceder subsídios para reparação dos caminhos nos Escalos de Baixo, Sobral do Campo e Louriçal do Campo.
O melhor testemunho deste temporal é uma carta de Armando Prata Lizardo, morador no Louriçal do Campo, publicada no jornal “A Beira Baixa”, de 27 de Novembro. Transcrevem-se alguns excertos.

«…foram arrastadas pela torrente impetuosa as azenhas, algumas delas pela base, ficando sem recursos algumas pobres famílias (…). Prédios rústicos, que ladeavam a ribeira, ficaram sem a camada de cultura, que as águas arrastaram, deixando a descoberto a rocha. Outros ficaram cobertos de uma espessa camada de areia, tornando impossível a cultura durante muito tempo (…).
A ponte de comunicação com a povoação da Torre ficou quasi por completo destruída (…), No mesmo estado ficou a ponte que faz a ligação de Louriçal com S. Vicente da Beira.
(…) Estragos iguais se deram na freguesia de S. Vicente da Beira, onde muita e pobre gente ficou reduzida a uma situação aflitiva.»


Em S. Vicente, os potes grandes do lagar que foi de José Mesquita, recentemente falecido, foram arrastados ribeira abaixo e ficaram presos nos amieiros junto à ponte do Ramalhoso, no Sobral, segundo me contou o centenário Tio Joaquim Teodoro.
A minha mãe, Maria da Luz Prata, nascida em 1927, lembra-se bem de as pessoas andarem a acarretar terra em cestos, para refazerem os terrenos agrícolas das margens da ribeira.