sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tó Spínola

Acabo de ler esta notícia, no Diário de Notícias online, e penso que vale a pena partilhá-la convosco. Um abraço para o meu primo Tó!

Encontrou 3000 euros e foi entregá-los à GNR



Reformado das Forças Armadas pegou na bolsa e foi à polícia. "Podia gastá-lo, mas não era correcto", diz. O dono já tem o dinheiro.
"A honestidade não tem preço." É desta forma que António Prata Inês resume a decisão que teve de tomar ao final da tarde de quarta-feira, minutos depois de ter encontrado uma carteira que, entre notas (750 euros) e cheques já endossados, tinha mais de 3300 euros no seu interior. Para muitos, a tentação de ficar com aquilo tudo ou, mais que não fosse, com o dinheiro, seria natural, mas António Inês garante que só a ideia "já arrepia". Assim, "sem pensar duas vezes", este homem, natural de São Vicente da Beira, concelho de Castelo Branco, rumou imediatamente para a GNR a fim de devolver aquilo que "era pertença de outros".
"Nem quero imaginar a aflição que aquelas pessoas não estavam a viver. Três mil euros é dinheiro", sublinha este homem que, conforme faz questão de frisar, todos tratam por Marechal Spínola. "Eu não abdico dos meus valores. Sou deficiente das Forças Armadas e pára-quedista reformado, e o lema dos pára-quedistas é que 'nunca por vencidos se conheçam', ora eu ficar com este dinheiro seria certamente um vencido", diz António Inês, que até adiou uma viagem a Lisboa só para entregar o dinheiro.
"Estava a sair de casa, aqui no Fundão, para ir a uma consulta de oftalmologia em Lisboa, quando vi a bolsa nas escadas de um prédio. Pensei que podia fazer falta ao dono e peguei logo nela. Só depois de a abrir é que percebi que tinha tanto dinheiro e que os cheques até já estavam endossados. Podia levantá-los com facilidade e o dinheiro podia ir gastá-lo, mas isso não era correcto. Por isso, já nem fui embora. Perguntei onde era a GNR e fui entregar tudo", relata.
Confrontado com a pergunta de "se o dinheiro não o ajudava a completar a reforma, António Inês responde sem hesitar: "O dinheiro dá sempre jeito, então não dá. Mas, como já disse, nunca pensei ficar com ele. Só vivo com o que é meu. A minha cabeça não me permitiria tal coisa", conclui.
Entretanto, a GNR do Fundão já localizou o dono do dinheiro, José Dias Gonçalves, 79 anos, natural da Barroca Grande, nas Minas da Panasqueira, que naturalmente faz questão de agradecer a António Inês, conforme contou ao DN Zita Teixeira, a filha do homem que tinha perdido o dinheiro.
"Já pedi o número de telefone dele porque quero agradecer-lhe pessoalmente. O meu pai já falou com o senhor e já lhe deu os parabéns por ser um homem honesto e recto, mas eu também vou fazer questão de lhe apresentar o meu reconhecimento", refere Zita Teixeira, que também foi beneficiada por este gesto.
"Parte daquele dinheiro também era meu. Como o meu pai foi dormir à casa que tem no Fundão, mandei-lhe dinheiro para ele depositar no banco. Ele assim fez. Mas, quando estava a entrar em casa, encontrou uns amigos e ficou a falar com eles. Deve ter sido nessa altura que deixou cair a carteira e, como tinha mais pastas na mão, nem sequer deu conta. Passou a noite toda preocupado, e hoje de manhã [quinta-feira] telefonou-me para eu cancelar os cheques. Felizmente, pouco tempo depois, telefonou a GNR a avisar que afinal a carteira tinha sido lá entregue. Pronto, o meu pai foi logo lá e entretanto o dinheiro já nos foi restituído e já está depositado no banco", conclui Zita Teixeira, reiterando o reconhecimento e agradecimento em relação ao acto de António Prata Inês.

Nota: Corrigi o nome do Tó, que estava errado na notícia.

sábado, 11 de setembro de 2010

Coudelaria de Alter do Chão

Retornei à coudelaria de Alter do Chão e lembrei-me do São Vicente de antigamente.


Vi o primeiro e, durante muitos anos, único bufo-real, já morto, exibido como troféu de caça, à porta do caçador, a meio da barreira do Hospital.
Fora caçado perto do lagar que depois ficou submerso pelas àguas da barragem do Pisco. Segundo o caçador, tinha o ninho num pinheiro alto. Era enorme, maior que este.
Foi em finais dos anos 60 e fiquei, a um tempo, impressionado com a riqueza da natureza e triste, pela sua destruição.
Estes meados do século foram maus para a natureza, como também para o património histórico. A gente nunca fora tanta e não importava destruir, para fazer tudo novo.




O cavalo sorraia, aqui protegido da extinção.
Foi, durante séculos, o cavalo de trabalho dos campos portugueses. E certamente também o cavalo de sela para os lavadores do povo, com posses para andar a cavalo, mas sem riqueza para adquirir um cavalo lusitano.
Na publicação "Cavalos de Lista", de 5 de Agosto, já fiz referências históricas a este cavalo, na nossa freguesia.

Fotos da Filipa Teodoro

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Praça

A Praça é o centro social, político e religioso do nosso pequeno mundo.
Há muitas fotografias tiradas na Praça, algumas já aqui publicadas.
A Luzita Candeias enviou-me uma, a preto e branco, onde está o seu avô Bernardino Candeias. Fui ao meu album e encontrei outra.
São ambas da segunda metade da década de 70 e foram tiradas quase no mesmo local, no canto da Praça, junto à sacristia da Igreja Matriz.



quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Gafanhotos 5

Tinha-me proposto o desafio de acompanhar a evolução de uma espécie de gafanhotos este ano muito abundantes em São Vicente da Beira. Concluí agora, pois eles já desapareceram totalmente.
Ao contrário do que pensava, não eram os juvenis dos gafanhotos grandes com asas, pois desses quase não há vestígios, em oposição há abundância da espécie da foto. Por outro lado, foram encontrados mortos, sobretudo na água, inúmeros gafanhotos desta espécie.
O seu ciclo de vida terá terminado em Agosto, depois da postura dos ovos, no solo.

sábado, 4 de setembro de 2010

População da Freguesia

Na publicação anterior, escrevi que São Vicente da Beira atingiu o máximo de população nos anos 60 e 70.
Isso foi o que senti, na minha vivência desses anos. Mas uma coisa é a opinião e outra bem diferente é a ciência, o saber rigoroso.
Ora os documentos provam-nos que a freguesia atingiu o apogeu demográfico nas duas décadas anteriores.
Um trabalho de Paulo J. Gama Mota, de que há anos fotocopiei algumas tabelas, tem uma boa síntese da evolução demográfica da nossa freguesia. O estudo intitula-se Consanguinidade aparente em S. Vicente da Beira e parece-me que o autor será originário da nossa freguesia.

Aos dados deste estudioso, acrescentei mais alguns, para elaborar a síntese que se segue:

1758 – 960 habitantes (cerca de)
1779 - 1009 habitantes
1801 – 1397 habitantes
1878 – 2336 habitantes
1890 – 2833 habitantes
1900 – 2758 habitantes
1910 – 3282 habitantes
1920 – 3005 habitantes
1930 – 3536 habitantes
1940 – 4000 habitantes
1950 – 4185 habitantes
1960 – 3881 habitantes
1970 – 2505 habitantes
1981 – 2264 habitantes
2001 – 1871 habitantes

O estudo de Paulo J. Gama Mota termina com uma tabela referente às populações das diferentes aldeias da freguesia, em 1940 e 1981:



É interessante comparar os dados desta tabela com as informações da Matrícula dos Moradores da Vila e Termo, de 1779:

Casal da Serra - 33 habitantes (9 fogos=agregados familiares)
Mourelo - 99 habitantes (22 fogos)
Paradanta - 36 habitantes (8 fogos)
Partida - 110 habitantes (25 fogos)
Pereiros - 57 habitantes (17 fogos)
Tripeiro - 59 habitantes (16 fogos)
Vale de Figueiras - 24 habitantes (4 fogos)
Vila (S. Vicente da Beira) - 523 habitantes (153 fogos)
Violeiro - 68 habitantes (16 fogos)
(Total da freguesia, em 1779 - 1009 habitantes, em 270 fogos)

Além do trabalho de Paulo J. Gama Mota (Consanguinidade aparente em S. Vicente da Beira), publicado em "Antropologia Portuguesa", Vol. 1 (1983), p. 5-32, conheço um outro estudo demográfico sobre a nossa freguesia.
As autoras são Maria João Guardado Moreira (docente da ESE de Castelo Branco e neta do Senhor Manuel da Silva) e de Maria Isabel B. Correia Diogo. O estudo intitula-se Migrações internas para S. Vicente da Beira no século XVIII e encontra-se publicado em "Comunicações das I Jornadas de História do Distrido de Castelo Branco", edição do Secretariado Regional da A.P.H. e do Instituto Politécnico de Castelo Branco, 1994, Castelo Branco.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tardes de Verão


São lindíssimos, os Jardins do Luxemburgo, em Paris. Mais do que o palácio, as árvores e os jardins, chamaram-me a atenção os carrocéis, os passeios de pónei, as esplanadas, o teatro de marionetes e as cadeiras espalhadas por todo o espaço, usadas livremente por quem ali vinha descansar. Um grupo de crianças utilizava-as como balizas de futebol.
Ao percorrê-los, recordei a Praça de São Vicente da Beira, nos finais dos anos setenta.
Nessa década, Portugal atingiu o maior crescimento demográfico alguma vez registado. A emigração abrandara, por força da crise mundial de 1973 e um pouco também pela crença de que a Revolução do 25 de Abril traria tempos melhores. Os soldados tinham regressado da Guerra Colonial e com eles vieram também muitos portugueses que viviam nas nossas ex-colónias africanas.
A nossa terra atingiu, então, o máximo de população que alguma vez tivera ou virá a ter, a curto e médio prazo. A Praça enchia-se de gente. Todas as tardes de domingo pareciam segunda-feira do Santo Cristo. Uns sentavam-se nos muros e outros nos bancos. Crianças corriam de um lado para o outro, andava-se de bicicleta e jovens penduravam um cesto de basquete no ramo de uma árvore e tentavam encestar.
Havia então frondosas olaias em toda a volta da Praça e era à sua sombra que os vicentinos se protegiam do sol quente. Por vezes, uma bola, uma bicicleta ou uma criança chocava com um adulto, ouvia-se um ralho, mas tudo voltava à serenidade de uma tarde estival.
Depois a sociedade tornou-se muito disciplinadora e acabaram os jogos e as bicicletas. E vieram uns jardineiros da Câmara cortar as pernadas das olaias. Deixaram só os troncos, onde, em cada Primavera, rebentavam umas tímidas folhas e flores, insuficientes para abrigar os poucos vicentinos que resistiram ao chamamento das cidades.
Já não são olaias, as árvores da nossa Praça. A sociedade continua demasiado preocupada com a segurança e rareiam ainda as pessoas.
Mas, o tempo que passou, já passou. Não vale a pena olhar para trás. A cada dia, constroem-se novos sonhos e vivem-se outros momentos, também únicos para alguém.

Fotos da Filipa Teodoro

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

As Fontes do Campo

É rica e diversa a natureza em que se insere a povoação de São Vicente da Beira.
A norte ergue-se a serra da Gardunha. A sudoeste fica a charneca, assim chamada por, no passado, ser de matos rasteiros a vegetação que cobria as terras enrugadas da margem direita da Ribeira da Vila (ou Ribeirinha) para o poente. A margem esquerda, a sudeste, tem também o solo irregular, mas aos poucos vai-se alisando e torna-se campo, que se estende, com raras depressões e elevações, até ao rio Tejo.
Esta última zona, situada no sopé da serra, vai da Ribeirinha à Ocresa e foi povoada na época romana. Os muitos achados arqueológicos ali encontrados nunca mereceram o devido estudo, mas a sua abundância permite-nos essa conclusão.
Ficou-nos, desse tempo, a tradição do cultivo da vinha nesta área. A toponímia da zona atesta a existência de vinhas ancestrais: Vinhas, Monte das Vinhas, Alto da Vinha, Vinha do Fojo* e Vinhas de Miguel Vicente.
No século XVIII, há cerca de 250 anos, eram ainda essas terras um enorme espaço baldio, apenas salpicado por algumas propriedades semi-particulares, destinadas ao cultivo da vinha. Os vinhateiros eram donos das vinhas apenas entre o Santiago (1 de Maio) e o São Miguel (29 de Setembro), tempo em que as mesmas ficavam coutadas aos rebanhos. Nos restantes meses, todos eram livres de ali apascentar os seus gados.
O "Tombo dos Bens do Concelho" é um inventário feito aos bens públicos, realizado entre 1767 e 1785, a mando do rei D. José I, por Lei de 19 de Agosto de 1766. Dele já aqui apresentámos a demarcação dos Enxidros e dos Coutos da Vinhas.
Havia nestes Coutos da Vinhas três fontes públicas. A Fonte da Portela servia os vinhateiros e os pastores, mas também os viajantes, pois situava-se na estrada real que unia Castelo Branco ao Fundão e Covilhã, pela Ponte de Santiago, em Cafede, e pelo Alto da Portela ou Portela de São Vicente. Havia ainda um poço e uma poça de água, onde homens e gados podiam livremente matar a sede.
Das três deixamos a descrição, tal como foi registada no tombo de 1767-1785:

Medição e demarcação da Fonte da Portela
«E logo no mesmo dia, mês e ano atrás declarado (dezasseis dias do mês de Novembro da era de mil setecentos e sessenta e sete anos), no sítio da fonte da Portela, pelo dito ministro (o juiz de fora) foi mandado aos medidores medissem a dita fonte e, sendo por eles medida, principiou a medição pelo frontispício*.
Tem de medição quatro varas*, com os batórios*, e de comprimento uma vara e meia*. E o chafariz tem de comprimento uma vara e uma terça* e de largura uma vara menos uma sesma*. E assim a fonte, como o chafariz, que está pegado, é de cantaria.»




A actual Fonte da Portela (fonte e tanque). Comparando o texto com as imagens, conclui-se que a fonte já não tem a forma e a grandeza que teve no passado (além de se encontrar abandonada). O caminho que passa junto da fonte ainda apresenta troços de calçada romana bem conservada.

Medição e demarcação do Poço do Concelho que se acha na vinha de Joam Antunes de Abreu, ferrador desta Vila
«Logo no mesmo dia mês e ano atrás escrito e declarado (3 de Dezembro de 1768), em este dito sítio das Vinhas e vinha de Joam Antunes Ferrador desta vila (...).
Acharam que tinha duas varas de comprido e uma de largo e que era concelhio e o concelho se achava na posse dele.»



As Vinhas do Poço, na actualidade. O poço situa-se a sul (por baixo) da casa.

Medição e demarcação da Fonte da Mó
«…e vindo todos a este lugar nas Vinhas de Miguel Vicente que, no sítio dela, em vinha de Vicente José de Azevedo* desta mesma vila, se acha uma poça de água perene que tem nome de Fonte da Mó, a qual por sumária informação consta ser pública, tanto assim que, pretendendo o dito Vicente José mudá-la, lhe foi impedido pelo povo, constando mais que os ministros que servem nesta vila e seu termo impunham aos vinhateiros de limpar esta fonte ou poça, o Poço do Concelho sito nas mesma vinhas e a Fonte da Portela, pelo que ficava sem dúvida que a dita fonte ou poça era pública pelos públicos cuidados que com ela tinham os magistrados (…).
Tem a mesma a figura de uma poça da qual sai um rego de água (…), tem doze palmos* em circunferência e fica onze varas e meia arredada da estrada que pelo dito sítio das Vinhas de Miguel Vicente passa.»


Vocabulário:
Batório – Banco de pedra, para as pessoas se sentarem e pousarem os cântaros.
Frontispício – Fachada principal; frontaria.
Meia – Metade da vara.
Palmo – O uso do corpo para fazer medições foi anterior ao uso de objectos como a vara. No século XVIII, em medidas oficiais, ainda se usava o palmo para medições lineares em forma de circunfrência. Usou-se nesta poça de água e, na mesma época, também para medir a grossura (o perímetro) das colunas que sustentam o coro da Sé de Castelo Branco.
Sesma – A sexta parte da vara.
Terça – A terça parte da vara.
Vara – Antiga medida de comprimento, correspondente a 5 palmos. A vara traçada na porta oeste da muralha de Sortelha mede 1,1 metros. A vara era a unidade das medidas lineares usadas antes da introdução do sistema métrica, que ocorreu no início do século XIX, logo após as Invasões Francesas. Aliás, o sistema métrico decimal é uma criação da Revolução Francesa.
Vicente José de Azevedo – Vicente Joze de Azevedo Lemos Monforte e Andrade era filho de Manoel de Andrade Azevedo Monforte e de Maria de Lemos Franca, falecida a 28 de Fevereiro de 1766. Vicente Joze de Azevedo era cavaleiro da Ordem de Santiago. Em 1779, estava casado e tinha 3 filhos. A sua esposa era dos Escalos de Cima. Morava na Rua do Convento. Foi procurador do povo, em 1767. No dia 31 de Dezembro de 1775, substituiu o juiz de fora, como juiz vereador. Tinha um lagar de vinho na Vila, em frente da sua casa. Era dono do Caldeira, formado por um chão e um souto. No ano de 1762, a suas propriedades estavam avaliadas em 6.000 cruzados, mas, em 1781, a sua fortuna já subira para 10.000 cruzados (1 cruzado = 480 réis).
Vinha do Fojo – Actualmente, chama-se àquele local Vinhas do Poço e não do Fojo. Terão os militares que fizeram a carta percebido mal o nome ou Vinha do Fojo é um nome ainda mais antigo do que Vinhas do Poço? Um fojo era uma armadilha para apanhar os lobos, como já informámos na publicação de 8 de Julho de 2009.


Pormenor da Carta Militar n.º 268, apresentando a zona dos Coutos das Vinhas, onde se situavam as três fontes referidas. O sítio de Miguel Vicente ainda hoje mantém esse nome e situa-se por baixo da Oles, talvez no local indicado como Monte das Vinhas ou muito próximo dele. Clicar na imagem, para ver melhor.