domingo, 22 de maio de 2011

Na romaria da Orada


A ermida, com a casa do ermitão mais acima.


A Senhora engalanou-se para a sua festa.


Matando a sede, numa pausa da dança.


As cantadeiras do rancho, em plena função.


Ainda há Nossas Senhoras de açúcar!

sábado, 21 de maio de 2011

O nosso falar: emborqueiro

Emborqueiro vem do verbo emborcar: virar de borco, virar do fundo para o ar, de cima para baixo.
Assim, o emborqueiro é aquele que se nega com o que combinou. De certa forma, ele vira a situação: do que está estabelecido para o contrário.
Um emborqueiro ou uma emborqueira não são de fiar, estão sempre a voltar atrás com o que combinaram.
Por exemplo: decidiram ir todos à Senhora da Orada, combinou-se a merenda, iriam a pé, como antigamente, mas à última hora não lhe apetecia e não foi. É um/uma emborqueiro/a.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A lenda da Orada

A lenda da Senhora da Orada foi contada a Frei Agostinho de Santa Maria, pelo ermitão da capela, antes de 1711, data em que a publicou na obra Santuário Mariano. Publiquei-a nos Enxidros, em 2009, nas palavras do Ti Joaquim Teodoro. Ele não leu o Santuário Mariano, nem Portugal Antigo e Moderno, onde Pinho Leal repetiu a versão escrita por Frei Agostinho. O Ti Joaquim Teodoro sabia-a por ouvir contar, chegou-lhe de boca em boca, contada durante centenas de anos.
A lenda que se segue é uma versão semelhante. Foi escrita, certamente, por um membro da família Robles, pois foi esta família que a deu ao GEGA.
Talvez tenha sido José Ribeiro Robles, o avô de Robles Monteiro, um homem de letras que desempenhava o cargo de escrivão da Câmara Municipal de São Vicente da Beira, em 1854.
O texto foi actualizado, na ortografia e na pontuação, para facilitar a leitura.



A Senhora da Orada, na romaria deste ano.
Foto da Sara Varanda.


Aninha-se ainda, nos corações piedosos destes povos, a crença tradicional de um invocado milagre que deu origem à edificação da capela, em que se venera a imagem de Nossa Senhora d´Orada. Remontando ao penúltimo século, o sítio em que se acha a ermida era um deserto. Por vegetação o mato, por habitantes o javali.
A natureza mostrava-se ali em toda a sua fereza.
No recôncavo dos vales mal se descobria a corrente de um regato que, também coberto pela ramagem dos agrestes arbustos, não suavizava a vista, nem amenizava a paisagem.
Por este tempo, um piedoso asceta, querendo empregar todos os seus dias na oração e na penitência, foi escolher para a sua habitação um sítio próximo dali. Edificou uma cabana, sustentando-se dos magros legumes que por suas mãos cultivava. Vivia simplesmente para Deus. Era um justo.
Uma tarde, quando o sol se ia sumindo no curto horizonte e o feliz anacoreta sentado em umas pedras admirava este prodígio da natureza e a Majestade Divina, viu que se lhe aproximava uma mulher, jovem ainda, mas vestida em desalinho, com o rosto turbado de angústia e sofrimento, que manifestava pelas suas lágrimas.
Chegada ao pé do padre, ajoelhou. Contou-lhe quais as suas dores, as tentações e os desesperos a que estava sujeita. Cria-se arguida, caluniada e expulsa da casa paterna por ter uma moléstia que não conhecia, mas de que a sua pureza a não acusava.
O som da sua voz e a expressão da sua pessoa tinham o quer que fosse de superior que, sem dúvida, tocavam a alma do padre.
“Ide minha irmã. Amanhã de manhã hei-de dizer missa e nela pedirei à Virgem a vossa cura. Nessa ocasião dar-vos-ei o pão eucarístico. Orai e tende fé.
Retirou-se a triste e o padre dirigiu os olhos para o céu.
Quando, porém, as brumas da noite vieram despertar o asceta da sua oração e convidá-lo ao repouso, no seu humilde tugúrio, ainda a desventurada vagueava por aquela solidão.
Cheia de fadiga, extenuada, com uma sede abrasadora, tentou dirigir-se a um regato que ouvia correr no vale. Mas, faltando-lhe de todo as forças, encostou-se ao fundo de um rochedo, elevou uma prece ao Altíssimo e adormeceu.
Quando, na manhã seguinte, o cemobito se preparava para ir à povoação cumprir a sua promessa, apareceu-lhe ela, não já como na véspera, lacrimosa e triste, mas radiante de alegria e juventude, como que aureolada de uma inspiração divinal.
O seu corpo já se não descompunha em monstruosas formas. Melgada, aprumada e linda, parecia desafiar, com a sua formosura, todas as belezas do universo.
O padre, estático, ouviu-lhe a seguinte narração:
“Mal pensava eu, quando ainda ontem ouvia as vossas palavras de conforto e de esperança, que tão depressa a Virgem se amenceasse de mim. Sim, meu padre, porque a Virgem salvou-me. Vi-a no meu sonho, além...”
“Além?”
“Sim, ao fundo daquele rochedo aonde caí desfalecida. Depois de ter vagueado pelo mato, sentindo-me opressa por uma dor imensa e com uma sede abrasadora, tentei descer ao ribeiro para refrescar o peito. Mas não pude. A dor e o cansaço prostraram-me ao fundo do rochedo. Julguei-me perdida para sempre. Parecia-me que ia morrer. Pedi então a Deus a sua Misericórdia, entreguei-me nos braços da Virgem, supliquei-lhe perdão para meus pais e adormeci.
No meu letargo, pareceu-me que estava no Céu. Vi a Virgem dourada como tantas vezes a tenho visto no altar, mas tinha vida e movimento. Eu quis beijar-lhe os pés e Ela sorriu-se. Tentei falar-lhe, mas não pude mais do que chorar. Chorei, chorei muito, e só quando aquele astro luminoso já dourava as cumeadas destas montanhas é que eu despertei.
Parecia-me que já não sofria. A meus pés deslizava uma límpida corrente. Sobre o rochedo, nos arbustos e em torno de mim, miríades de passarinhos gorjeavam alegremente. A natureza, ainda ontem tão sombria, aparecia-me hoje risonha e cheia de encantos.
Estou salva. Salva, meu padre, pelas vossas orações.”
“Não, pela vossa fé.”

Foi um dia festivo na povoação.
A nova espalhou-se rapidamente, como que por encanto, e parecia que os montes, as correntes, os arvoredos e as florinhas simples dos campos compartilhavam da alegria de todos os corações.
A expensas da família da venturosa menina, foi edificada uma capela, próximo da fonte até então desconhecida, sob a invocação de Senhora d´Orada, aonde ainda hoje se venera, recebendo uma constante peregrinação de devotos.
O padre que ali vivia, no sítio denominado Casal do Clérigo, tornou-se o verdadeiro eremita, passando para a casa que edificou próximo da capela.

domingo, 15 de maio de 2011

O nosso falar: pencas

Uma ida a São Vicente é um manancial para os Enxidros.
Ainda no domingo de Páscoa, encontrei-me com o Francisco Alves Barroso, pois as festas são momentos especiais pelo reencontro de amigos.
Conversámos sobre as nossas agriculturas, claro está!
"Então as tuas cerejeiras já dão prova este ano?"
"Já. Tinham bastantes cerejas, mas muitas não engrossaram, ficaram pencas, como diz a minha mãe."

Lamentou-se o Chico, desejoso de provar as cerejas da plantação que fez com o cunhado, lá para os Enxidros.
"É do frio. Também já me aconteceu o mesmo: num ano tinha as cerejeiras carregadas e depois deram poucas."
Do frio e da juventude da árvore, amigo Chico.


É curiosa esta palavra pencas, usada pela Ti Maria dos Anjos Alves.
O termo designa uma realidade exatamente oposta à deste caso concreto.
Penca é um nariz grosso, uma couve tronchuda, uma folha grossa e carnuda. Aqui, refere-se a uma cereja que mirrou, pele seca colada ao caroço, numa altura em que se esperava dela que ficasse carnuda e rubra.
Paciência, a natureza lá sabe as linhas com que se cose. «...pró ano já são mai muitas!"

sábado, 14 de maio de 2011

A fonte de 1854

Chamava-se apenas fonte. Só em meados do século XX terá ganho o nome de Fonte Velha, para a distinguir das fontes de Santo António e de São João de Brito, entretanto edificadas na esquina da Rua Velha com a Rua de São Francisco e na Praça, respetivamente.
A Fonte Velha não foi construída no local onde se encontra, mas sim a norte do atual chafariz, imediatamente a seguir à esquina do muro da quinta da Casa Cunha.
Ficou abaixo do nível do chão, pois descia-se para ela, por dois degraus.
Albertino Moreira nasceu em 1920 e ainda se lembra da fonte naquele local. Depois, cerca de 1930, foi trasladada para onde se encontra.
Conta o Sr. Albertino Moreira que, nessa altura, havia uma outra fonte a sul do chafariz, chamada fonte Nossa Senhora de Fátima. Depois foi demolida.


A nossa Fonte Velha foi, pois, construída, no ano de 1854.
À sessão de Câmara de 6 de Agosto, compareceram «...varios moradores desta Villa requerendo a Camara que achando se quasi seca a fonte publica desta Villa requeriaõ a Camara providencias sobre um tao grande mal. A Camara tomando na devida concederaçaõ o exposto deliberou se passassem Editais para a arremataçaõ da dita obra para o dia treze do corrente vista a necessidade que a Povoaçaõ esta sofrendo pela falta de Agoas.»
(Arquivo Distrital de Castelo Branco, Câmara Municipal de São Vicente da Beira, Actas, Maço 5, Livro 1850-1859)

A obra foi arrematada a Antonio Joze de Báu, por 112$000 réis, sendo seu fiador Antonio Lopes Rondao, ambos de São Vicente da Beira. A fonte devia ter «...seo frontespicio e dois canos e chafaris...»
Segue-se o respetivo Auto de Arrematação. Clicar na imagem, para conseguir ler.
(Arquivo Distrital de Castelo Branco, Câmara Municipal de São Vicente da Beira, Termos de Arrematação, Maço 10, Livro 1848-1855)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Fonte Velha

É um dos locais mais emblemáticos da nossa terra.
Enfeitada com vasos de flores, via partir e chegar os rapazes das sortes. Ali se começavam namoros e se encontravam amigos. E se a água é fonte de vida, a desta fonte mata-nos a sede há séculos.


A Fonte Velha, no largo Francisco Caldeira


REEDIFICADA
PELO PRESIDENTE DA CA=
MARA JOSE MARIA DE MOURA
BRITO E VEREADORES RO=
BLES GARRIDO MAGALHA=
ES NETO ANNO DE 1854


Juiz Pedro (IVDICES PETRUS)...1578
(A Igreja do Louriçal tem inscrito, na fachada, o mesmo nome Petrus, com a data de 1559. Poderá ter sido a mesma pessoa, com funções de Juiz de Fora, em representação do rei, que mandou edificar a fonte e a igreja.)


Sebastião, rei da Lusitânia
(Tradução demasiado livre, mas que respeita o sentido. Em 4 de Agosto de 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu em Alcácer Quibir!)

domingo, 8 de maio de 2011

As castanhas da Devesa

A par dos cereais, sobretudo do centeio, a castanha foi, durante séculos, o sustento dos nossos antepassados. A povoação de São Vicente da Beira estava rodeada de soutos de castanheiros.
Na segunda metade do século XVIII, o Conde de São Vicente tinha oito propriedades com castanheiros: Prado, souto ao pé do Pinheiro, Casal do Pisco, souto à Fonte do Infante, Oriana, Ribeiro de Dom Bento, Carvalhal Redondo e souto ao Vale de Pedro Lourenço.
Também o Capitão-Mor Francisco Caldeira era dono de vários soutos: Barroca do Forno, Barroca do Pisão, Vale de Pêro Lourenço, Pinheiro, Aldeões, Vale de Cabra, entre outros.
Manoel Vas Rapozo trazia aforados um casal (Casal do Aires ?) e uma fazenda de Antonio de Azevedo, a quem pagava de foro 18$000 réis e 8 alqueires de castanha pilada, por ano.
Na mesma época (1775), Antonio Fernandes o moço da Partida detinha a Tapada do Souto e pagava de décima, pela produção de castanha, $350 réis.
Entretanto, no mesmo século XVIII, iniciou-se a cultura do milho grosso, que veio disputar aos linhares as terras ribeirinhas. O incremento da cultura da batata foi bastante mais tardio, pois a sua produção só se generalizou na segunda metade do século XX.
Estas duas produções de origem americana foram a salvação das nossas gentes, pois os castanheiros começaram a morrer, a partir de finais do século XIX, atingidos pela doença da tinta.
Mas, em 1854, os castanheiros ainda dominavam a nossa Devesa. O documento que se segue refere-se à venda da castanha, pela Câmara Municipal.


Termo da arrematação da castanha pendente do souto da Devesa, própria deste concelho, que faz João Duarte, pela quantia de mil quatrocentos e cinquenta réis

Aos cinco dias do mês de Novembro de mil oitocentos e cinquenta e quatro, nesta vila de São Vicente da Beira e casas do concelho, aonde se achava o Presidente da Câmara, José Maria de Moura Brito, aí por ele foi ordenado ao oficial de porteiro, Manuel Francisco, lançasse a pregão, na Praça pública, a castanha pendente do souto da Devesa, no valor de dois mil e quatrocentos réis.
O dito porteiro assim apregoou a dita castanha, repetidas vezes, a fim de obter lançador, depois do que deu sua fé que João Duarte desta Vila lhe havia dado o maior lanço de dois mil quatrocentos e cinquenta réis e que não havia quem mais lançasse, à vista do que o dito Presidente lhe mandou entregar o ramo ao dito arrematante, que ele recebeu da mão do porteiro, em sinal da sua arrematação, e se obrigou ao pagamento da dita quantia, em uma só prestação, no dia vinte da Janeiro de mil oitocentos e cinquenta e cinco.
E para de tudo constar, se lavrou este termo que o dito Presidente assinou, com o arrematante e o porteiro. Eu, José Ribeiro Robles, escrivão da Câmara, o escrevi
.

Notas:
Porteiro - Era o funcionário municipal encarregado de publicitar, através de pregão gritado nas ruas, largos e praças, as decisões camarárias ou a arrematação de bens públicos. Também afixava avisos e posturas municipais.
Francisco Caldeira - Natural da Sertã, casou em São Vicente e foi o avô do 1.º Visconde da Borralha.
Manoel Vas Raposo - Antepassado dos Raposo Macedo Doria e de Hipólito Raposo.
José Ribeiro Robles - Trata-se do avô materno de Robles Monteiro, como informa o Comentário de Paulo Nicolau Almeida, à publicação "Robles Monteiro - Raízes", de 25 de Outubro de 2010, nestes Enxidros. José Ribeiro Robles era filho de Bernardo António Robles, natural da Covilhã, e de Antónia Raimunda Ribeiro, de S. Vicente.