Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quarta-feira, 24 de abril de 2013
terça-feira, 23 de abril de 2013
O centro cívico
A
Praça de São Vicente da Beira sempre foi o centro da vida social, económica,
religiosa e política desta antiga vila, cujas origens conhecidas datam do
reinado do primeiro rei de Portugal, em 1173.
À
maneira dos fóruns romanos, é ladeada pela Igreja Matriz dedicada a São Vicente
(séc. XII) e pela Igreja da Misericórdia, do século XVI/XVII, mas provavelmente
substituta da medieval Albergaria do Espírito Santo; a antiga Câmara Municipal,
hoje sede da Junta de Freguesia, ostenta a esfera armilar, onde funcionava o
tribunal a Câmara e a cadeia; ao lado situou-se o solar dos condes de São
Vicente; depois outras casas particulares e comércios; e finalmente um jardim
da Ordem de Avis (local da fogueira de Natal), já desaparecido.
Até
há 60 anos, era atravessada pela estrada de ligação entre Alpedrinha e
Almaceda, que passava pelo Marzelo, São Sebastião, Fonte Velha, Rua Dona Úrsula
(a do Beco era um beco, com escadaria), Rua Nicolau Veloso, Calçada da Ponte,
ponte de pau sobre a ribeira e depois Devesa acima.
Nesta
Praça de juntavam os vicentinos para arrematar as ervagens dos baldios, nela
concentraram as palhas para alimentar a cavalaria que conquistou Cidade
Rodrigo, nas Invasões Francesas, foi recreio de crianças em meados do século passado, quando a antiga Câmara era Escola Primária, nela nos encontramos ainda hoje para simplesmente
conversar, assistir a um concerto da banda ou a um espetáculo do rancho,
celebrar as Festas de Verão, terminar a procissão do Santo Cristo, festejar o
Natal em torno da fogueira…
No
espaço circundante sempre houve comércio: tabernas, mercearias… A estalagem
situava-se numa rua adjacente (Rua Dona Úrsula).
No
centro, o pelourinho altaneiro e orgulhoso, com a barca do padroeiro Vicente, a
cruz de Avis, o pelicano de D. João II e o escudo real, símbolo da nossa autonomia.
Foi
em torno deste centro cívico que construímos a nossa identidade, ao longo dos
séculos e ainda hoje ele é o centro da nossa comunidade.
(Resumo da minha intervenção na sessão do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios)
(Resumo da minha intervenção na sessão do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios)
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Património+ Educação=Identidade
O Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, em São Vicente da Beira
Vista do "balcão da cadeia". O professor Américo André explica aos alunos do 3.º ciclo o que é o património imaterial. Falou-lhes dos dois batismos que teve na freguesia: com a água da Senhora da Orada e com o chapéu de Santiago. Os populares estavam na zona envolvente, sobretudo à sombra da Câmara.
A professora Rosa Caetano, Diretora do Agrupamento de Escolas, explica aos alunos a importância da educação para a cidadania.
A companhia de teatro Bocage apresentou um pequeno sketch sobre D. Pedro e Inês de Castro.
Foto de grupo, no pelourinho, local simbólico da nossa identidade.
Ana Jerónimo Patrício e José Teodoro Prata
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Sabor Medieval
Com
a inclinação da terra para o lado oposto ao do sol, no hemisfério norte,
cresciam as noites e minguavam os dias, entre o equinócio do outono e o
solstício de inverno. Quando este tinha lugar, em dezembro, os dias cresciam
novamente, mas muito devagar. A rigorosa e permanente cercadura de nuvens à
volta da Vila, fruto do rigor desses invernos parecia não deixar lugar para os
dias medrarem.
Amanhecia
tarde. Não estava nada bom para levantar da cama e ir tratar da horta e dos
animais. E a terra fremia, ensopada, por mor de meses seguidos de chuva teimosa
que não despegava, desde a entrada do outono, parecendo que, apesar dos
agasalhos, a água e o próprio frio nos entravam pelos ossos dentro.
O
céu de dezembro e janeiro apresentava-se quase sempre carregado, a indiciar
chuva; ou, mais claro e liso, a adivinhar grandes nevões que cobriam tudo de
branco. O que, dada a quietude da vida, me parecia uma brancura de morte.
Talvez por tudo isso, se é certo que no nosso imaginário existe uma cor para
cada abstração, eram aqueles os meses que me pareciam os mais negros do ano. Lá
vinha, às vezes, um dia de sol brilhante, mas igualmente gelado e seco que nos
fazia tiritar.
Aquilo
é que eram Invernos!
Dava-se
a paragem das seivas na natureza e a hibernação de animais selvagens, obrigando
também o homem a quedar-se, meio letárgico. Os gados saíam menos e estavam mais
tempo nos redis onde se alimentavam a verdes secos guardados desde o verão. A
inclemência obrigava a uma maior contenção dos trabalhos no campo. Mas nem tudo
era desvantajoso. Com as noites maiores, seroava-se mais em família.
À
roda da ‘boutcha’ (1), no lar, onde
estrepitavam as corcódeas de pinheiro, entre dois dedos de conversa, comia-se a
sopa de feijão e a morcela de cozer, às rodelas, com couves e batatas bem
regadas com azeite. Cortava-se o naco do toucinho com a faca de cozinha e
punha-se em cima do pão, a pingar, como conduto. O presunto lascava-se, fino,
porque tinha que durar até mais adiante. E guardava-se, para oferecer, como
iguaria, a quem nos visitasse. Os adultos bebiam o vinho caseiro guardado na
adega, já cozido pelo frio e que, por isso, se tinha tornado numa pinga de
estalo. Havia ainda o queijo fresco ou curado, as azeitonas na talha, o pão de
centeio, a broa de milho e fruta todo o ano. Do que a terra dava, nada
faltava!
O
mau tempo não podia tolher a atividade dos que tinham braços para trabalhar na
grande azáfama da colheita da azeitona. Era necessário o azeite para temperar a
panela na roda do ano. E o que sobrava, porque se tratava de um precioso
líquido, vendia-se por bom preço, para ajudar na liquidez do orçamento
familiar. Tarefa a fazer, custasse o que custasse. E difícil, não pelo esforço
físico que era preciso despender, mas pela aspereza que a natureza impunha.
Engadanhavam-se-nos as mãos. Nos dias de ar mais cortante, acendíamos uma
fogueira para as aquecer. ‘És um nanho’ (2), diziam, por prosápia, os que pareciam
menos tolhidos, a disfarçar os efeitos que a crueza violenta e agreste do tempo
lhes provocava no corpo.
Mas,
já antes, com os primeiros ventos, aí pelos Santos, a recolha da azeitona
começara. Ia-se, por esses caminhos fora, com uma cesta de verga, a apanhar a
que caía, ainda verde, em terra neutra, nos caminhos, que dentro dos terrenos
ninguém entrava sem consentimento do dono! E guardava-se em baldes com água,
para não mirrar, até ir para o lagar conjuntamente com a de menor qualidade, o
‘destelo’ (3), para dar azeite grosso. Vinha depois a colheita. Seguia-se o
rebusco, durante o qual um ou outro fruto perdido, alguém ainda aproveitava,
mas, agora, por regra consuetudinária, sem ter que temer o dono, desde que não
danificasse o renovo. A bem dizer, não se perdia uma azeitona!
Já
os sete lagares da Vila, dispostos ao longo da ribeira, ainda em condições de
laborar, trabalhavam em pleno, estava a safra no auge! De norte para sul, era o
do Tonho Neto, da Natividade, do César, do Major, do Conde, do Albano e
Fundeiro (depois submerso pelas águas da barragem).
Pouco
se tinha avançado na técnica da exploração do azeite. Os lagares eram de vara
(exceto o do Major, por isso lhe chamavam ‘a fábrica’), a energia, a hídrica,
da levada de água, para mover as pesadíssimas galgas de granito que moíam a
azeitona. Os meios de transporte os de tração animal. Tudo durava há séculos.
Os
carros de bois a cargo dos ganhões, o Ti’ João Grilo, o Ti’ Dinis, o Ti’ João
Jarêto e outros, levavam para o lagar a azeitona nos sacos e traziam o azeite
em grandes bilhas, num vai e vem, que só abrandava um pouco a meio da noite
para que homem a animais recobrassem energias.
Tinham
rodas robustas de madeira com grandes eixos, reforçadas com aros de ferro que o
João Ventura aquecia na forja até ao rubro, aplicando-os depois no piso, ainda
incandescentes, para ficarem firmes, sem o que pouco resistiriam ao grande
esforço a que eram sujeitas.
Muitas
vezes fui acordado de manhãzinha ou embalado, já noite, pelo barulho cadenciado
destes carros, a passar na rua que, ora se aproximava, gradualmente, ora se ia
deixando de ouvir, até se dissipar de todo. Rodas a saltar, ferro contra pedra,
a compasso, ao ritmo dos pachorrentos bois, tau, tau, tau, tau, nas
irregularidades da ancestral calçada, anterior ao calcetamento de
paralelepípedos de granito.
Não
havia eletricidade. Os candeeiros antigos a petróleo ou azeite, soldados a
chumbo na parede de algumas casas para iluminar as ruas, em lugares
estratégicos da Vila, não eram acesos havia anos. Os dias eram curtos e, fosse
de manhãzinha ou depois do lusco-fusco, os carros de bois, nas suas andanças,
ostentavam, como pirilampos gigantes, uma lanterna acesa, de metal, com portas
de vidro, à prova de vento, para alumiar o caminho.
Certa
vez, em dezembro, nos afazeres destas fainas da azeitona, mas, nessa altura,
teria já os meus vinte e picos, andávamos nós, lá em cima, na Vala do Conde da
Borralha, a colher. Eu, o Ti’ Zé Maria Prata, o Ti’ Zé Marau, o Coluna, A Ti’
Maria dos Santos da Tonina e o Quim Mosca. Não sei se me escapa algum.
O
dia estava lindo! Mas era uma destas manhãs geladas, com uma grandessíssima
camada de ‘códão’ (4). O frio era
intenso porque, no inverno, o sol, fazendo jus ao poeta ‘dá muitíssima luz, mas não aquece nada’ . E tudo ainda era
agravado pelo facto de a Vala se situar numa depressão cavada na Gardunha, em
direção à Portela do alto da Senhora da Orada. Talvez ainda influenciado pelos
ares da Estrela que fica em frente, do outro lado da Cova da Beira, formando
ali um canal de vento gelado de alto lá com ele!
O
Ti’ Zé Maria Prata, tinha sido uma figura importante. Em tempos, terá
pertencido à força de Cabos de Ordens que, sob a supervisão do Regedor,
mantinham, na Vila, a ordem pública. Parece que chegou também a ser encarregado
de grande parte dos resineiros, numa considerável área de pinheiros bravos, na
exploração da resina. Fruto desse passado, dizia de si próprio, ao mesmo tempo
que batia com o pé direito no chão: ‘número
um de S. Vicente’! E ia repetindo várias vezes ao dia a mesma expressão: ‘número um de S. Vicente ’! batendo, de
novo, com o pé no chão. Maneira de refrear o ego com as lembranças de outros
tempos, já que, à época, andaria pelos seus setenta e muitos, longe dos tempos
áureos.
Sucede
que o Quim Mosca que gozava as férias escolares de Natal ou tinha já deixado o
seminário, estava mais habituado ao aconchego das salas de aula do que à dureza
do trabalho dos campos. Desde manhã, obra de mais de uma hora, mesmo assim,
tinha-se aguentado lá no cimo da escada, a colher e a rilhar o vento que
passava na Vala, como vidro cortante. De vez em quando, descia da escada e ia
junto da fogueira, entretanto acesa, para se aquecer.
Mas
a violência daquele frio num corpo habitualmente abrigado no interior das
paredes do seminário e, quase de repente, exposto à agrura extrema do tempo,
teve os seus efeitos negativos. Desceu da escada mal disposto, a tremer,
lívido, quase a vomitar. Nem a ‘gorra’
(5) que tinha enfiada na cabeça, até às orelhas, o protegera do ar gelado,
picante como aguilhão, que vinha pela Vala abaixo. Quedou-se ao sol, por um
bocado, a tentar recuperar do estado de quase desmaio.
Foi
logo objeto da mangação dos outros, com a sua bazófia, a fazerem-se grandes: ‘isto não é para seminaristas’’!
É
certo que também eles teriam os seus pontos fracos. Só que a natureza humana
carece, muitas vezes, de afirmar as suas competências contra o semelhante. Mas
o Quim, ao cabo de um bom migalho, lá acabou por recobrar do gélido
abanão.
A
Vila, era assim. E na nossa infância, podemos afoitamente dizê-lo, a vida tinha
ainda um sabor medieval.
Agora,
não há o rebuliço de antigamente, logo na obscuridade da manhã, do toque a
reunir da corneta, a chamar os da ‘camarada’
(6) do Tonho Dias ou do búzio, a chamar os da ‘camarada’ do Albano, para iniciarem a colheita da azeitona de mais
um dia. Nem das juntas de bois, nem dos grandes rebanhos de ovelhas ou de
cabras, a avançar, ouvindo-se, ao longe, de manhã ou ao entardecer, o som dos
chocalhos.
É
verdade que demos um grande salto tecnológico. Vimos chegar a televisão e o
homem à lua. O automóvel generalizou-se e apareceram as comunicações em massa
(telefones, telemóveis, computadores).
Mas,
hoje, estranhamente, deixamos a azeitona nas oliveiras!
Notas:
(1) Boutcha: na linguagem local, certamente,
com influência castelhana, diz-se de uma “grande fogueira”; deve ter origem no
termo ‘boucha’ que significa ‘desbaste de
mato que se queima para se cultivar a terra que ele ocupava ’; o mesmo que
bouça.
(2) Nanho: para nós é o mesmo que ‘incapaz’ ,
‘pouco expedito’ ; julgo (mas não tenho a certeza) que vem do latim ‘nanus’, anão; acanhado; que tem corpo
pequeno; nanismo: próprio do anão.
(3) Destelo (lê-se destêlo): tem o
significado geral de fruto caído por efeito do vento; mas, falando-se de
azeitona, significa (também) fruto caído por ter atingido um maior grau de
maturação.
(4) Códão: congelação da humidade infiltrada
no solo, formando uma crosta de gelo semelhante a pequenas estalactites (ou
estalagmites) de cerca de 5 ou 6 cm de espessura, entre a camada exterior do
solo e a camada seguinte; ao caminhar-se sobre ele, esmaga-se com um som
semelhante ao do vidro quando pisado; deve ter origem no termo côdea.
5 - Gorra:
há vários tipos de gorra; mas a nossa é do tipo que se assemelha mais à boina
basca.
6 – Camarada: conjunto de pessoas, homens e
mulheres, que trabalhavam, numa época, na colheita da azeitona, normalmente
para um mesmo patrão; os instrumentos de toque a reunir as ‘camaradas’ eram
diferentes para que, cada um, ao ouvi-lo, identificasse a sua.
José Barroso
José Barroso
terça-feira, 16 de abril de 2013
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Reminiscências
Como diz o Francisco Barroso, a capacidade do
cérebro humano para criar associações de ideias e guardar memórias não se
compara à de qualquer outra espécie à face da terra.
Vem isto a propósito do poema Reminiscências que foi o primeiro texto
do livro de leitura do meu primeiro ano na Telescola. Trata-se de um poema que descreve
a alegria de uma criança que passa com distinção no exame da quarta classe
porque conseguiu papaguear tudo o que lhe tinham ensinado na escola. Quando chega
a casa, orgulhosa, exclama: “Ó mãe, eu já
sei tudo!” O poema termina num acto de humildade da protagonista quando, já
madura, exclama: “ Ó mãe, eu não sei
nada!”. Este é um ensinamento que só o conhecimento adquirido ao longo da
vida nos dá: quanto mais aprendemos maior consciência temos do quanto estamos
longe do conhecimento total e mais humilde é a atitude perante a vida.
Tenho-me lembrado deste poema muitas vezes ao
longo dos anos, mas recordei-o especialmente há dias, aquando da declaração do
ministro Miguel Relvas sobre o seu pedido de cessação de funções governativas.
A sua declaração, como aliás quase todos os
atos em que esteve envolvido como ministro, foi tão despropositada e arrogante,
e revelou um auto-conceito tão desmesurado que só pode ser comparado ao de uma
criança de nove ou dez anos que acaba de passar no exame com distinção. Só que
ele nem o exame fez, como parece…
Aqui vai o poema que descobri há dias na
internet(http://leonoretta.blogspot.pt/2005/04/reminiscncias.html), ainda por cima acompanhado pela canção “Poetas
Andaluces” dos Aquaviva (uma maravilha!):
Reminiscências
"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..."
"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa...
(já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a professora sorria
enquanto eu papagueava a geometria)
"...D. Sancho, o Povoador...
D. Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1580
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, sim senhor!
A pequena é simpática)
E depois, em voz alta, o senhor Inspector:
- Vamos à gramática." -
"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D. Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava em surdina
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)
- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.
Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou, julguei-a quase escura...
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais...
E a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa, a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à terra, ao céu, ao mar, ao rio:
- "Ó mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro cada dia:
"-Ó mãe, eu não sei nada!..."
de Fernanda de Castro in Trinta e nove poemas (1941)
M. F. Ferreira
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