quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O nosso falar: estar um barbeiro

O Ernesto Hipólito recordou-nos esta expressão no comentário a "Notícias da frente agrícola". Também nos trouxe à memória as noites de caramelo. Esta é fácil, são noites de caramelo quando a geada congela e fica como que em ponto de caramelo.
Estar um barbeiro é muito mais subtil! Os barbeiros rapam (rapavam) as barbas dos homens com as navalhas, tal como o vento gelado na cara das pessoas parece rapar-lhes (cortar) a cara.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FORAL MANUELINO - São Vicente, em 1496

O numeramento de 1496 foi uma das primeiras contagens da população portuguesa.
O concelho de S. Vicente da Beira tinha, então, 337 vizinhos (agregados familiares), o que corresponde a uma população de perto de 1 200 pessoas, dispersas por aldeias e casais, desde os cumes da Gardunha à Ocreza e desta à ribeira de Almaceda.

O concelho arrecadava, de rendimentos anuais, 16 000 réis, de diversas proveniências: 6 a 7 000 réis de portagem (imposto pago, pelos comerciantes forasteiros, à entrada da Vila, pelas mercadorias transportadas); 8 000 réis de foros (rendas de terras públicas); 1 600 réis de “soldo d´água”, um imposto pago no concelho, a que tinha direito Vasco Gil de Castelo Branco. Os rendimentos da portagem e dos foros eram divididos, em partes iguais, pelo comendador da vila e pelo mosteiro de São Jorge de Coimbra.
Este mosteiro foi uma das entidades que concedeu foral a São Vicente, em 1195, e o comendador era da Ordem de Avis, que aqui tinha uma comenda e com os seus rendimentos pagava metade das despesas da Igreja, no concelho (despesas correntes e sustento dos clérigos). A outra parte era paga pelo mosteiro de São Jorge, a quem cabia nomear o vigário (o chefe do clero do concelho) e pagar a outra metade das despesas religiosas. Por esta altura, essa obrigação passou para a comenda da Ordem de Cristo, criada pelos bens que tinham pertencido ao morteiro de São Jorge.


Janela manuelina na parede lateral da Igreja Matriz, junto ao altar-mor, a dar para a Rua da Igreja. Foi trazida de uma casa arruinada na Rua Velha, que fora a cozinha da Casa Visconde de Tinalhas, no final do século XIX e princípios do século XX.


Nesta época, no concelho, vivia um fidalgo (média nobreza) chamado Diogo da Cunha. Não foi o antepassado dos condes de São Vicente, pois esses vieram para cá através do casamento de um membro da família Cunha com uma descendente de Rui Vaz de Refoios, um membro da pequena nobreza que, em 1496, vivia em Castelo Branco
Existiam 4 escudeiros (pequena nobreza): Pedro Vasques, Rui Fernandes, Lopo de Azevedo e Pero Camelo (os dois últimos criados do rei e do Infante).
Havia, ainda, 9 oficiais, também eles pertencentes à pequena nobreza: 3 tabeliães, sendo um também escrivão das sesmarias (distribuição de terrenos incultos por cultivadores) e outro coudel (capitão de cavalos); 1 escrivão da coudelaria (criação de cavalos); 1 escrivão da câmara e almotaçaria (inspeção de pesos e medidas e fixação de preços); 2 juízes dos órfãos (menores sem pais, por morte ou abandono); 1 juiz das sisas (imposto por compra de propriedades); 1 escrivão das sisas.
O concelho de S. Vicente da Beira, era, no conjunto da Beira Interior, dos que apresentavam uma maior percentagem de privilegiados (nobres): 4%. Castelo Branco tinha 1% e a Covilhã 1,6%. Belmonte ultrapassava-nos com 4,1% e Salvaterra com 4,4%.

Além dos rendimentos acima referidos, os impostos pagos pelos judeus da comuna de São Vicente e Castelo Branco somavam 23 000 réis e pertenciam ao rei. Alguns judeus já aqui viveriam há muitos anos, mas a maioria era originária de Espanha, de onde haviam sido expulsos quatro anos antes, em 1492.
Dizer que os judeus de São Vicente e Castelo Branco formavam uma comuna significa que o rei lhes dera autonomia administrativa a troco dos referidos 23 000 réis.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Notícias da frente agrícola

1. Desde inícios de Novembro que não chove. Os terrenos estão secos, embora na serra ainda haja alguma humidade, graças à ribeira e aos seus afluentes. O ribeiro de Dom Bento está quase a secar, novamente.

2. As temperaturas andam baixas, mas mais altas do que habitualmente. Há muitas noites sem geadas ou gelo. De dia, nos sítios mais abrigados, parece primavera. Há anos aconteceu o mesmo. Os pessegueiros ficaram floridos todo o mês de fevereiro, mas pouco produziram, pois a flor estava como que congelada e a polinização foi fraca.

3. A imprensa de Castelo Branco deu notícia de um projeto agrícola que envolve um investimento de sete milhões de euros. Espera-se colher 400 toneladas de azeitona e produzir 500 mil litros de azeite por campanha. Os olivais ocuparão uma área de 300 hectares, em Vale Sarzedo e Esteveiras. Também será construído um lagar. Junto à estrada entre a ponte do Chão-da-Vã e o cruzamento do Padrão são já visíveis enormes olivais, uma barragem e um grande edifício.

4. Uma multinacional, a Unitom, está a plantar, no Ferro (Covilhã), um dos maiores cerejais do país: produzirá, dentro de 3 anos, 500 toneladas de cereja (10% da produção da Cova da Beira).

Nota: Várias publicações deste mês têm sido marcadas pelo pessimismo. Queria dar a volta a isto, mas... "Quem não tem cão caça com gato". Pode ser que as boas notícias alheias nos contagiem um bocadinho!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O nosso falar: esbarrondar

A palavra esbarrondar é relativa a barro. Desabava ou desmoronava-se uma parede em que as pedras eram coladas com barro. O mesmo que esboroar-se, que acontece frequentemente com coisas de barro já muito antigas.
Um dicionário on-line informa-me que também se usa no sentido de parir, na zona do Fundão, que é a nossa. O bebé está na barriga da mãe e, quando chega o tempo, rompe-se o véu e tudo se esbarronda, saindo a criança para o mundo exterior.
E ainda se utiliza com o significado de menstruação. Tem lógica, porque dizemos barronda se uma porca anda saída, isto é, com propensão para acasalar e procriar, pois está no período da ovulação. E a menstruação significa o fim desse ciclo reprodutor, esbarrondou-se tudo.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Trabalhos de fim de semana

Em 1974-75, ainda vivíamos na Tapada, a beber água da mina, à luz do petróleo. Por esses tempos, os operários da construção civil travaram grandes lutas e conseguiram melhores salários e a redução da jornada semanal de 48 para 45 horas. Assim, o meu pai trabalhava 9 horas por dia e já podia vir passar o sábado com a família.
Então, os meus pais compraram uma casa velha na Rua da Cruz e iniciámos a sua reconstrução. Como interrompi os estudos no ano letivo 75-76, o meu pai dizia-me o que fazer durante a semana e no sábado tinha tudo pronto para os trabalhos de pedreiro.
“Aqui, no chão, abres uma caixa quadrada de um metro de lado por 80 de fundo.”
No sábado, fizemos o pilar que suporta a escadaria.
“A toda a volta da parede, cava o barro por baixo da parede, da fundura de uma mão travessa.”
No sábado, encostámos uns taipais na prumada da parede e enchemos os buracos de massa.
“Esta semana, tira as telhas e arranca as ripas e os caibros.”
E foi assim, durante três anos. Depois, mudámo-nos para a casa nova da Vila. Há 37 anos, o sábado livre do meu pai fez toda a diferença para a nossa família.
A vida mudou muito, entretanto. Há cerca de 20 anos, quando se começou a falar em abrir os hipermercados aos domingos, duas funcionárias do antigo Jumbo de Castelo Branco vieram pedir-me para assinar pela abertura. Eu respondi-lhes que não assinava, pois, como professor, queria que elas passassem o domingo com os filhos.
Muitos desconhecem que o dia de descanso semanal ao domingo é uma conquista muito recente, de há cem anos, no início da Primeira República. Antes disso, a missa de domingo era um luxo proibido aos operários, numa época de grande religiosidade.
O mundo mudou para melhor, em muitas coisas, no último século, mas agora estamos a andar para trás, em nome de progressos que poucos sentem.

Nota: Ao contrário de muitos, com o Presidente da República à cabeça, que só há poucos meses perceberam a grande complexidade da crise económica que vivemos, eu percebi isso logo quando ela começou, embora tenha sido a única coisa que percebi, durante largo tempo. Por isso esta crónica não é uma tomada de posição contra ou a favor de algo ou alguém, embora não abdique da minha oposição ao aumento da riqueza nos ricos e ao consequente aumento da pobreza na classe média e nos pobres. E à desregulação das suas vidas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

João Pereira de Carvalho

Quem foi João Pereira de Carvalho, uma das quatro pessoas que arrematou a compra das pedras do extinto convento franciscano?
Já encontrara o seu nome, na listagem dos notários de São Vicente da Beira do Arquivo Distrital de Castelo Branco. Há muita documentação por si redigida, relativa a testamentos e contratos de compra e venda dos anos de 1842, 1845, 1848, 1849, 1856, 1858, 1859, 1862, 1864, 1866, 1868, 1869, 1871, 1874 e 1876.
Não existem documentos de muitos anos entre 1842 e 1876, mas isso não significa que tenha interrompido a sua função de notário, pois os documentos podem ter-se perdido ou encontrar-se na posse de particulares.
Este João Pereira de Carvalho era natural das Sarzedas, filho de Luis Marques Pereira e Quitéria Rosa de Carvalho. Casou, em S. Vicente da Beira, no dia 11 de Outubro de 1843, com Ana Augusta Ribeiro Robles, filha de Bernardo António Robles e de Antónia Raimundo Ribeiro.
(Arquivo Distrital de Castelo Branco, Registos paroquiais de S. Vicente da Beira, "Assento dos Casados", maço 96, livro 1803-1859, fólio 122)
O matrimónio ocorreu 1 ano e 10 meses depois de vir trabalhar, como notário, para São Vicente, pelo que talvez tenha conhecido a sua futura esposa já depois de residir nesta vila.
O casal teve José Augusto Pereira de Carvalho, pai de Virgínia Maria da Conceição Pereira. Esta casou com José Maria dos Santos, os pais dos irmãos Pereira dos Santos que todos conhecemos.
Os membros destas três gerações habitaram a casa da família, na Rua do Convento, números 30 a 38. João Pereira de Carvalho terá comprado pedras do extinto convento para construir ou reconstruir essa habitação. Mas a atual fachada do edifício data de meados do século XX, como aqui já foi referido.
No número 30 existiu uma forja de ferreiro, durante muitos anos do século XX.
Maria de Lurdes Hortas viveu, na casa em frente.
Anos mais tarde, registou as lembranças da sua infância, nos versos de um poema.

EM FRENTE À CASA DA INFÂNCIA

Em frente à casa da infância havia um ferreiro.
Além das ferraduras para cavalos, suas mãos grandes e pesadas
fundiam o sol em sua forja. E sucedia que, ao acordar, eu me precipitava
para a janela a tempo de ver
as faíscas da luz escapulindo pelo escuro vão da porta do ferreiro
diluindo-se na neblina da rua.
Da mesma janela via surgir, no postigo do primeiro andar, a velha:
de vestes tão negras como o tempo que atravessara
e de cabelos tão alvos como a farinha que, todos os dias, àquela mesma hora peneirava.
Da casa voejava uma poalha de prata.
Se fosse Inverno, a neve parecia escapar-lhe da peneira
polvilhando a aldeia de silene magia.


(Maria de Lurdes Hortas, "Cantochão de Todavia", edição do GEGA, 2005, São Vicente da Beira)

Pedido: Outra pessoa que comprou pedras do convento foi a Ex.ma D. Anna de Brito Coelho de Faria. Tenho informações escritas sobre esta família, muito importante em São Vicente, no século XIX, mas nada sei sobre onde morava, se ainda lá vivem descendentes...
Agradeço qualquer informação, a quem souber alguma coisa.


Nota: Este texo foi completado a 26/01, na sequência do comentário de Paulo Duarte de Almeida.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O nosso falar: borrega

O veterinário da minha gata, bom conhecedor de São Vicente, onde sempre fez grandes amigos, recentemente veio de lá impressionado com a quantidade de terrenos agrícolas que temos ao abandono.
Consequentemente, algumas paredes mostram sinais de ruína. Os nossos antepassados, durante séculos, compuseram as terras agrícolas, endireitando-as e segurando-as com paredes. Assim nasceram os leirões.
Mas agora faltam cultivadores e tempo aos poucos que há, a ganhar o pão noutras atividades.
Por isso, muitas paredes incham para um dos lados, em forma de barriga dilatada, após refeição farta. Parecem barrigas de borregas, essas adolescentes dos ovinos.
(Cordeiros - acabados de nascer; borregos e borregas – ovinos jovens, ainda em crescimento; carneiros e ovelhas – ovinos adultos)
Mais dia menos dia, sobretudo quando chove muito, as paredes com borregas esbarrondam-se e caem ao chão. Então dizemos que caiu uma borrega na horta de fulano de tal.