sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Haja saúde



Há alguns meses, saiu na televisão nacional a notícia de um médico de província que, ao longo dos anos, tinha reunido uma grande quantidade de termos usados pelos seus pacientes.  Pensou então publicar em livro esses ditos e daí a notícia. Ainda não consegui o livro e estou curioso, porque geralmente estes apanhados são muito giros.
Por acaso, ou porque tenho o hábito de colecionar coisas, também eu fui juntando papelinhos com apontamentos de termos engraçados usados pelos nossos conterrâneos e não só. Já ando nisto há trinta e tal anos e infelizmente perdi vários desses papelinhos. Sem querer de modo algum imitar o tal médico, gostaria de vos dar uma pequena amostra do que fui recolhendo durante todos estes anos.

Começo com uma velha e gasta anedota para desanuviar: 
  - Ó Senhor Doutor, não me receite supositórios que se me agarram à placa!

No Sobral do Campo, onde também trabalhei, um doente disse para a saudosa Dra. Helena Gomes:
  - O alegume que eu ainda vou comendo melhor é o bocadito do queijo! Também me doem os “cascos“,  - referindo-se à cabeça.
Também outro doente daquela localidade sentia um frio no miocárdico.

Por cá, os campeões são os migrantes, sem desprestígio para os mesmos:
 -O meu pai foi operado à visicule  e tem um pensamento na barriga que é preciso mudar; está cá a imfermiére?
 -Preciso de um randévú (consulta).
 -Quero uma ordenança (receita médica).
 -Preciso de fazer uma rádio e umas analizias.

Quando falam em especialidades médicas, é comum os doentes não conhecerem os termos técnicos e daí:
Ginecologia e obstetrícia:
 - Teve um filho à açoreana (cesariana).
 - Venho fazer uma consulta de parlamento (planeamento familiar). Tenho problemas no útrero.
 - Quero uma cardeal para uma consulta de aconogia (ginecologia).
Gastro:
 - Preciso de uma consulta de gastronomia, tenho arrotes podres!
Cardiologia:
 - Já me deu a trambosa; tenho de fazer um aerograma (eletrocardiograma). Tenho que ir ao Doutor Pitó (Pitté Lema Monteiro).
 - Deram-me um ponto na horta (aorta) e tive que levar confusões de sangue!
Pneumologia:
 - Preciso de uma receita de autogénio (oxigénio) para os pilimões
Otorrino:
  Doutor Rino.
Urologia:
 Crosta, próstuma ou doenças da via.

Por último e porque foi a primeira que aprendi, uma do Senhor Doutor Alves.
Ao consultar o Sr. Afonso Henriques (o caiador) e perguntando-lhe como se encontrava de saúde, este dá-lhe a seguinte resposta:
 - Ó Senhor Dator, eu, da incolite vou indo menos mal, só cagóra treme-me muito o bimbigo!!!

E.H.

P.S.
Como é lógico, os parêntesis que utilizei foram só para a Libânia compreender o texto.

5 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Tenho cá este texto há já uns bons dias e tenho vindo lê-lo, frequentemente, para me rir.
Agora, já podem todos fazer o mesmo!

Anônimo disse...

Com os médicos a utilizarem palavras tão difíceis com os doentes, ainda por cima sempre a olhar para os contadores, como é que as pessoas haviam de conhecer o nome das maleitas que têm?
Mas a nossa Língua também se presta a esta espécie de trocadilhos, e, com alguma habilidade, escrevem-se estas coisas que nos fazem chorar de tanto rir. Ainda por cima com o parêntesis, foi mais fácil compreender…
Bem hajas, Ernesto!

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

A minha mulher teve um aluno, nos Escalos de Baixo, que teimava que era bimbigo e não umbigo.
Deve ser um regionalismo.
E agora, enquanto escrevia, algo despertou no fundo da minha memória e lembrei-me que me não é estranha esta palavra.

Anônimo disse...

Delicioso!
É um manancial de boa disposição! Ri do princípio ao fim!
Rir da simplicidade das nossas gentes, é apenas perceber a sua forma de estar e de se expressar na abordagem das coisas. E isso não é ignorância perante a vida. Porque, aí, se calhar ainda receberíamos, até, algumas lições.
Lembro-me perfeitamente da notícia do médico, de que fala o Ernesto, que se dedicou à recolha de expressões das pessoas, na sua área de trabalho. Certamente porque também as achou curiosas e interessantes.
A propósito desta linguagem popular, já se escreveu muita coisa. Desde autores como Aquilino, passando por aquele outro que escreveu o livro "Ninguém em Nenhures" (de que agora não me lembro o nome), até ao Jaime Lopes Dias que escreveu a "Etnograia da Beira (10 volumes), cada um com o seu contributo, todos a foram recordando e ajudando na sua fixação.
Os nossos termos regionais ou locais, só por si, provavelmente, não dão para construir uma língua estruturada para nos fazermos entender, como parece acontecer com o Mirandês. Mas são uma parte da nossa raiz cultural que é pena desaparecer com as novas gerações. Por isso, tinha dito ao Zé Teodoro se seria possível criar no blogue uma 'janela' onde apareceriam esses termos com o seu sinónimo mais corrente ou uma pequeníssima nota explicativa.
Mas eu não percebo nada de informática !!
A propósito ainda do futuro do blogue (postagem anterior), queria dizer o seguinte: é certo que o blogue está mais vocacionado para as coisas da nossa terra (como, de resto, se diz no cabeçalho). Essa é a sua missão. Prioritária é, pois, a divulgação da sua cultura, das suas histórias, das suas gentes. O que não impede (é a minha opinião), que se possam publicar temas, com maior ou menor âmbito, que abranjam a região. Ainda há pouco tempo o livro do Tó Sabino conseguiu trazer, de uma assentada, os dois presidentes das Câmaras de Castelo Branco e Fundão (facto inédito! quem diria?!).
Por minha parte, atrevi-me a pedir a colaboração de mais pessoas a fim de aliviar o ZT. E não é fácil, mesmo a cada um de nós, concilar a pesquisa de histórias para alimentar o blogue, com a sua própria vida. Mas há outras hipóteses. Uma delas podia ser a publicação mensal, muito telegráfica, dos factos ocorridos em S. Vicente, mesmo alguns de cariz mais particular (caso dos óbitos ou outros), do tipo reportagem. Nós não os apreciamos porque estamos cá com alguma regularidade, mas quem está fora é muito bem capaz de estar a jantar com o computador ao lado do prato, a ler essas notícias. Era o que eu faria! Outra hipótese era alargar-se mais o âmbito dos artigos a publicar, ou seja, não estarmos estritamente limitados às histórias de S.Vicente. Por exemplo, heverá certamente textos sobre temas de antropoliga que podem ser interessantes. Feitos por colaboradores ou, em casos contados, mesmo por especialistas. Se forem sobre as gentes da região então melhor será.
O que é que acham disto?
Abraços.

ZB









Margarida Gramunha disse...

Amei este texto. Fartei-me de rir.
Ainda bem que lá estavam os parentesis, sem eles não teria percebido metade.
Têm saído alguns livros sobre estas tiradas recordo-me de um de enfermagem e um de farmácia,por vezes falam na televisão sobre livros que são edição de autor e que por issso não são colocados em todas as livrarias.Ficam apenas na zona em que são editados. É tambem de lamentar que os anunciem e ocultem a identidade do editor, para não fazerem publicidadeao mesmo. Nós aqui na livraria tambem as ouvimos bem engraçadas !