segunda-feira, 13 de abril de 2015

Big Brother



A documentação que passo a transcrever consultei-a no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, no fundo da Câmara Eclesiástica de Castelo Branco, Visitações, Maço 2094. Tem visitações de 1754 a 1770, referentes às povoações da parte norte do atual concelho de Castelo Branco e às povoações do atual concelho do Fundão a sul da Gardunha. A parte que se apresenta é apenas referente à paróquia de São Vicente da Beira e as nossas anexas parecem ter sido poupadas/ignoradas, talvez porque desse muito trabalho ir lá e porque os delatores desconheciam o que lá se passava.
Periodicamente, um representante do bispo da diocese, neste caso da Guarda, percorria as paróquias fiscalizando toda a vida religiosa e deixando conselhos aos párocos com vista ao aperfeiçoamento do seu trabalho. Eram as Visitações Episcopais, que, como vamos constatar, também atuavam na área dos costumes, tentando moralizá-los.
O clérigo chamava pessoas da povoação, uma de cada vez, fazia-as jurar sobre os Santos Evangelhos e depois inquiria-as sobre as escandaleiras que por lá se passavam. E registava tudo, por escrito.
Adivinha-se, pelas notas, uma estreita colaboração entre poder temporal e poder espiritual, embora por vezes pareça que as recomendações caíam em saco roto.

1754

Marianna, solteira, filha de Ellena Gonçalves, amigada com Joaquim Joze Sobral.

Maria, a do Marco, amigada com Antonio Velho, solteiro.

Marianna, solteira, filha de Francisco de Azevedo, amigada com Joaõ Baptista Nogueira.

O Doutor Manoel Tavares da Cunha e juiz de fora, amigado com Felicia, filha de Francisco de Azevedo.

Maria de Tavora, consentidora de suas filhas.
(Notas: presa; morta)

Maria de Tavora, a predita, por má-língua e comungar depois de almoçar e por não ouvir missa.

Manoel de São Tiago, filho do Capitão Antonio Velho, amigado com Maria de Souza.

Maria de Souza, a predita com o predito.

Martinho da Costa, alcoviteiro do juiz de fora.

Maria Lopes, mulher de Gaspar Simoes, amigada com Francisco Nunes Galecho.

Maria, mulher de Antonio Francisco, filha de Ellena Gonçalves, consentidora de sua irmã Leonor.

Maria da Assunçaõ, mulher de Joaõ Roiz, soldado, amigada com Francisco Duarte, filho de Manoel de Carvalho.

1755

Maria Gaspar, viúva, amigada com Christovaõ Correa.

Maria, solteira, filha do predito Christovaõ Correa, amigada com Joze, solteiro, filho de Joaõ Nunes, e com Joaõ, solteiro, filho de Antonio da Costa.

Manoel Soares e sua mulher Maria Antunes, por darem casa de alcova e más-línguas.

Martinho de Andrade, solteiro, filho de Manoel de Andrade, amigado com Marianna de Azevedo, solteira, filha de Francisco de Azevedo.
(Nota: morta)

O Doutor Manoel Tavares Falcão, solteiro, juiz de fora desta vila, amigado com Felicia, solteira, filha de Francisco de Azevedo.

Maria de Tavora, mulher de Francisco de Azevedo, consentidora de suas filhas.
(Notas: presa; morta)

Maria da Assunçaõ, mulher de Joaõ Nunes, amigada com Francisco Duarte Çapateiro, solteiro.

Maria Lopes, mulher de Gaspar de Oliveira, amigada com Francisco Nunes Galecho.

1746

Maria Mendes, solteira, amigada com seu futuro esposo e parente em 3.º ou 4.º grau, Valentim Roiz, solteiro, filho de Francisco Roiz.
(Notas: seja presa; livrou-se no ano de 1761)

Maria Christovaõ, solteira, filha de Christovaõ Correa, amigada com Caetano, solteiro.

1747

Maria de Tavora, viúva de Francisco de Azevedo, por consentimento de sua filha Rita
(Notas: livre-se presa, morta)

Maria Christovaõ, solteira, filha de Christovaõ Correya, amigada com Caetano, solteiro, filho de Antonio da Costa Cabral.

Manoel de Saõ Tiago, solteiro, soldado, filho do Capitaõ Antonio Velho, amigado com Maria de Souza, solteira.


1750

Maria Christovaõ, solteira, amigada com Caetano da Costa.

1751

Maria Mendes, mulher de Antonio Francisco, amigada com Br.do(Bernardo?) Joze Carpinteiro.

Maria Christovaõ, solteira, amigada com Caetano da Costa Cabral, casado.

Maria da Costa, mulher de Manoel Lourenço Tecelaõ, alcoviteira
(Nota: foi admoestada)

1753

Macario Nunes, casado, bêbedo
(Nota: pagou 200 réis)

Mathias, solteiro, filho de Soares, bêbedo.

Maria Christovaõ, solteira, amigada com Caetano da Costa, casado.
(Nota: condenada a degredo)

1754

Padre Manoel de Almeida, amigado com Roza, solteira, filha do Doutor Miguel Henriques.

Maria, solteira, filha de Joaõ Alves Leitaõ, amigada com o Padre Joze Cabral.

Margarida Simoa e seu marido Joaõ Alves Leitaõ, consentidores da sua predita filha.

Maria dos Santos, mulher de Francisco Duarte Çapateiro, amigada com Joze Nunes, solteiro, filho de Joaõ Nunes.

Maria Roiz(?), viúva, natural do Ninho do Açor, amigada com o seu amo, o Padre Pedro Dias Jacome.
(Nota: condenada a sair de casa no prazo de 8 dias).

Maria, solteira, filha de Christovaõ Correya, amigada com Caetano da Costa Cabral.
(Nota: seja presa)

Maria Rita e Felicia, irmãs, filhas de Francisco de Azevedo, incestuosas com Joaõ Correya, solteiro, barbeiro.
(Nota: não o podem admitir em sua casa, sob pena de ser comprovado o incesto)

1755

Maria, solteira, filha de Joaõ Alves Leitaõ Barbeiro, amigada com o Padre Jozeph Cabral.

1756

Maria Christovaõ, solteira, filha de Christovaõ Correya, amigada com Caetano da Costa Cabral, casado.
(Nota: seja presa)

Maria Leitoa, solteira, filha de Joaõ Alves Leitaõ e Margarida Simoa, amigada com o Padre Joze Cabral.

Margarida Simoa, mãe da predita, por consentidora.

Maria da Costa, mulher de Manoel Lourenço Tecelaõ, amigada com Joze Antonio, solteiro, filho de Manoel Mendes Mouco.

1758

Maria de Proença, solteira, filha de Francisco de Proença, na má-língua
(Nota: pagou 400 réis)

Maria Antunes, ou Nunes Galega, casada, na má-língua.
(Nota: pagou 300 réis)

1760

Maria de Proença, solteira, amigada com Joaõ de Menezes, ou Roiz, casado, pedreiro.

1762

Manoel Coelho, solteiro, filho de Francisco Coelho, amigado com Angela Maria, mulher de Antonio de Moura.

Maria Candia, mulher de Luis Antonio, amigada com Antonio da Costa Pedreiro.

Maria Christovaõ, solteira, filha de Christovaõ Correa, amigada com Caetano da Costa Cabral.

1764

Maria dos Sanctos, mulher de Francisco Duarte de Corre…(?), amigada com Joze Pinto, casado.

Margarida Simoa, viúva de Joaõ Alves, por admitir em sua casa Joaõ Proença Gracia, solteiro.

Maria Barbara, solteira, incestuosa com Joaõ Pereira(?), solteiro.

Margarida Simoa, mãe da predita, consentidora dela e de suas irmãs.

1766

Maria Barreiros, solteira, amigada com o Padre Paulo.

1767

Maria Joaquina, casada, amigada com Eleuterio da Costa, solteiro.


Prometo não voltar a espreitar pelo buraco da fechadura da História. Mas este material tem que se lhe diga! Desde logo por um conhecimento mais completo da vida no passado, que às vezes idealizamos ou diabolizamos, sem conhecer.
Falta um estudo mais aprofundado, para se perceber bem como é que atuava a justiça temporal, ao receber as denúncias do enviado do bispo. Mas vamos ficar por aqui, até porque algum do material que eu queria consultar foi retirado, por estar em mau estado.
Agora já percebemos melhor a origem de muitas das crianças abandonadas na Roda! Numa primeira sensação, parece-nos que havia imensa gente envolvida nesta vida mais dissoluta, mas depois de uma breve reflexão percebemos que, na realidade, eram muito poucas as pessoas que vivam “em pecado”.
Quatro padres a viver amigados. Mas são “apenas” metade dos sacerdotes da paróquia e um homem não é de pau! Para os que não sabem, a castidade nos sacerdotes não é um princípio religioso, mas apenas uma regra disciplinar.
Também dá para perceber que, quando o casamento não resultava, embora não houvesse divórcios como agora, as pessoas já se separavam e cada um tratava da sua vida.

José Teodoro Prata

4 comentários:

Anônimo disse...

Não há amor como o primeiro
Nem lenha como a de azinho
Nem filhos como os dos padres
Que chamam ao pai padrinho

O Zé escolhe sempre a altura própria para lançar os seus textos. Desta vez estamos na Primavera e as hormonas andam aos saltos.
Desde sempre que acontecem estas coisitas. O desejo é mais forte que o medo e que a (vergonha).
Mal, era um pecador, padre ou bispo, julgar um pobre cristão pelos mesmos actos que ele, padre ou bispo ou papa (Bórgias) praticavam.

E. H.

Anônimo disse...

Foram quase 300 anos de perseguições , 1536 até Março de 1821. O santo oficio sentenciou centenas e centenas de desgraçados nomeadamente cristãos-novos.Torturados, vexados, presos, espoliados, queimados em fogueiras...
O primeiro inquisidor geral de Portugal foi o cardeal rei D.Henrique.
Bastava alguém querer mal a outra pessoa para a denunciar...
O memorial que se encontra em frente à igreja de São Domingos em Lisboa recorda-nos a matança de centenas e centenas de inocentes
O alcaide da cidade espanhola de Cória na inauguração da estátua(diáspora) que se encontra no largo da P.T em Castelo Branco no dia da sua inauguração disse:
-Um senhor chamado Manuel Ramos natural de São Vicente da Beira foi queimado na fogueira na cidade de Cória
O representante do bispo não tinha que se chatear muito para saber quem andava com quem
Bastava chamar as pessoas certas e estas denunciavam...
Certa vez; era garoto ainda, à saída da missa do dia (chuvoso, desagradável) estava um carro preto estacionado em frente à sacristia, encostado ao automóvel dois homens com chapéu e gabardina. Quando o padre Tomaz saiu da igreja abordaram-no, subiram os três a rua em direcção à sua casa
Até aqui nada de especial; visitas certamente.
Mais tarde vim a saber que aqueles senhores de escuro vestidos eram da pide, tinham recebido uma denuncia que havia algumas pessoas que não iam à missa, queriam confirmar.
Padre Tomaz respondeu-lhes que isso não passava de uma tremenda mentira, eram os primeiros a entrar na igreja. Realmente não eram lá muito praticantes, se confirmasse estavam desgraçados.
(quem não ia à missa era comunista)
Eu sei o que isso é...
J.M.S

Anônimo disse...

Tem realmente que se lhe diga, este documento! Não que sejam novidade estas situações (já o Gil Vicente escrevia sobre estes desmandos dos bons costumes sociais e religiosos), mas por serem considerados crimes tão graves que poderiam levar à condenação à morte ou ao degredo. Ainda assim, parece que a justiça não era igual para todos.
Quanto aos padres, porquê tanta hipocrisia, então como agora? O que é triste é que fossem eles a atirar a primeira pedra.
E não considero que isto seja big brother. Acho que é história e que deve ser revelada para nos ajudar a compreender os costumes e as mentalidades das diferentes épocas.

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

O Capitão Manoel Ramos Preto, do Louriçal e Sobral (a família era originária do Sobral e passou para o Louriçal, mas neste tempo ainda andava entre as duas povoações) tinha um casamento tão escandaloso (não cheguei a perceber tudo, mas não dava assistência à esposa e tinha outra mulher) que foi condenado a degredo para Castelo de Vide. Não me parece que o tenha cumprido e se cumpriu foi por pouco tempo.
Isto foi apenas um caso fora do meu objetivo que me chamou a atenção.