terça-feira, 27 de setembro de 2016

Fui aos Chocalhos


Fui aos chocalhos; aproveitei o primeiro dia, andamos mais à vontade, menos pessoas; gostei.
A câmara do Fundão e a junta de freguesia de Alpedrinha em boa hora criaram este evento. Já lá vão quinze anos, único na região, quiçá em Portugal. Atrai milhares de pessoas de toda a nossa Beira e país.
No belo solar do Picadeiro “Sarafanas” estava uma representação dos amigos espanhóis, não sei se foi este ano a primeira vez, já se internacionalizou. Ruas medievais apinhadas de gente; janelas, portas, lojas escancaradas onde se expõem os mais diversos produtos:- gastronómicos, artesanais, artísticos… Diversão a rodos, bombos, pandeiros, gaitas de fole, conjuntos, pífaros… a animação, é grande.
Dá gosto passear pelas ruas da bonita Alpedrinha, as casas bem conservadas mantêm a traça original. Solares, capelas, a bela igreja paroquial, a monumental fonte, o palácio do picadeiro, a capela do leão que nos recorda o célebre cardeal. Parece que era aparentado com o nosso D. Álvaro da Costa. Ilustres, os Costas.
Fui aos chocalhos; há alguns anos que lá não ia, deixei o carro num parque improvisado junto ao cruzamento das Atalaias, os autocarros transportam-nos para o local, tudo muito bem organizado.
A nossa vila também foi testemunha do fenómeno transumante; era garoto, na estrada nova passavam enormes rebanhos de ovelhas a caminho do Alentejo. No outono desciam a Estrela, na primavera regressavam na direcção dos montes Hermínios. Era um espetáculo bucólico, pessoalmente adorava ver. O chocalhar misturado com os assobios e as ordens dos pastores, formavam uma campestre orquestra. Eram às centenas as ovelhas, uma nuvem de pó à medida que passavam, pastores com seus safões, manta e alforge caminhavam. “Caminho faz-se caminhando, não é verdade”!
A vila possuía também grandes rebanhos, na casa conde havia um canzarrão enorme chamava-se leão; só lhe faltava a juba, o pescoço estava enfeitado com uma grande coleira de picos de ferro por causa dos lobos. Dizem que quando atacam atiram-se logo ao pescoço do animal. O Leão estava protegido, um animal corpulento como ele não precisaria. De vez em quando ia à praça passear, nós os catraios, fazíamos festas ao Leão. Cabradas, ovelhadas; à noite, quando regressavam das pastagens, o chocalhar e campainhar alegravam nossos largos e ruas.
Não chegou a meio século para a sociedade se transformar radicalmente. O chafariz já não mata a sede aos animais, é uma peça decorativa, as bicas da fonte velha já não enchem cântaros, regadores, baldes…
O mundo pula e avança …
Resta a recordação.


J.M.S

3 comentários:

Anônimo disse...

Já há algum tempo também aqui fiz referência às grandes mudanças ocorridas na nossa vila (e, praticamente, em todo o país) nos útimos 50 anos, num artigo com o título "Sabor Medieval"! Incluindo aquele chocalhar dos grandes rebanhos da Casa Conde (Ti' Antóno Dias) e da Casa Barriga/Visconde de Tinalhas (Ti' Albano Jerónimo) que passavam ao entardecer (ou amanhecer).
Tudo se foi. Como naquele filme "Gone with the Wind". Tudo acabou. E essas são as nossas lembranças de meninos. De uma época que pouco se distinguia da Idade Média! Um dia, com certeza, voltaremos a este interessante tema.
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Não conheço muito da Câmara do Fundão nem da Junta de Alpedrinha, mas parece que aquilo que fazem, fazem com alma e muito gosto, e não com o ar de enfado que vemos muitas vezes em alguns políticos.
Também já estive no festival dos Chocalhos e é impressionante ver aquelas ruas cheias de gente a participar na festa, principalmente muita gente nova. Não será só por isto, mas é também uma maneira de atrair pessoas a terras onde já há tão pouca gente.
Ainda não foi há muito tempo, ouvi a notícia de uma cerimónia de apresentação de projetos autárquicos que visassem alterar a tendência de desertificação do interior do País. Achei um pouco estranho que referissem vários concelhos aqui à roda, mas não tivessem falado em Castelo Branco. Ainda tenho esperança que não tenha ouvido bem…

M. L. Ferreira

José Teodoro Prata disse...

Eu, quase escândalo, nunca fui aos chocalhos.
O Fundão sabe promover. Castelo Branco também (Feijão da Lardosa, Feira do Azeite...), mas falta-lhe algum marketing.