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sábado, 21 de março de 2009

Coutos e mais enxidros


Cerejeiras em flor, no Ribeiro de D. Bento. Ao fundo, os Enxidros (Cabeço do Pisco).

Este blogue iniciou-se com a apresentação dos Enxidros, nome próprio por que era designada a zona baldia da encosta da Gardunha acima de S. Vicente da Beira.
Por esses dias, encontrei, na Internet, nova referência aos nossos enxidros, mas desta vez a palavra era usada como nome comum.
Foi no sítio Ius Lusitaniae. Fontes Históricas do Direito Português, da Faculdade das Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O endereço é: www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt
O sítio publica legislação antiga e o Alvará de 27 de Janeiro de 1680 refere-se à decisão judicial relativa a um conflito entre a Câmara Municipal de S. Vicente da Beira e o Convento das Religiosas Franciscanas, a propósito do uso das pastagens concelhias por parte do rebanho do convento. O poder real decidiu a favor das Religiosas do Convento Franciscano.
Devem ler a contenda judicial, mas fica aqui um resumo:
O Convento mandava apascentar o seu rebanho nos enxidros e nos coutos baldios, mas os oficiais da Câmara expulsavam de lá as ovelhas e multavam as religiosas.
Estas queixaram-se ao poder central, alegando que a vila não tinha açougue onde se abastecessem de carne e por isso precisavam de um rebanho, de pelo menos 100 cabeças, para sua alimentação.
O Príncipe Regente, futuro rei D. Pedro II, mandou ouvir a Câmara e depois decidiu que o rebanho podia pastar livremente nos coutos e nos enxidros, com a condição de, no tempo da castanha (Outono), pastar só nos coutos e, no tempo em que as vinhas estivessem com a novidade (Primavera e Verão), ir só para os enxidros.

Desconheço o significado de enxidros, mas a ideia que me surge, sempre que leio esta palavra, é de uma encosta de onde escorre a água que enche, provoca enchentes, enxurradas. Um dos ribeiros afluentes da margem direita da Ocreza, que desce da serra na zona da Oles, chamava-se ribeiro do Enxidro, no passado.
O termo couto designa, neste caso, uma terra que se fechava por algum tempo à livre circulação dos gados. Os coutos das Vinhas, que brevemente apresentarei, à semelhança do que fiz com os Enxidros, eram terras baldias, situadas desde a Fábrica e do casal do Pisco para sul, até abaixo do Valouro. No meio destes coutos, existiam muitas vinhas, cujos donos apenas detinham a sua posse entre S. Tiago e S. Miguel (de Maio a Setembro). No meio dos coutos, existia um poço concelhio, em vinha particular, para uso livre de pastores e vinhateiros.


O rebanho do Ângelo, o rendeiro do Casal do Aires, a pastar junto à Fábrica, onde começavam os Coutos das Vinhas. Primavera de 2007.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Os Enxidros

Em 1778, no âmbito do inventário dos bens concelhios, ordenado pelo poder central, foi feita a demarcação e confrontação dos Enxidros:

«Aos três dias do mês de Dezembro de mil setecentos e sessenta e oito, em esta vila de São Vicente da Beira, no sítio dos Enxidros, extramuros* da mesma, aonde eu vim e bem assim o Doutor Casimiro Barreto Ferrás de Vasconcellos, juiz de fora* da dita vila e deste tombo*, e bem assim o Licenciado Claudio Antonio Simoins, procurador* do mesmo tombo, e os louvados*, pelo dito ministro foi mandado aos mesmos que, debaixo do juramento que recebido tinham, sem ódio nem afeição de parte a parte, demarcassem e confrontassem esta ervagem* dos Enxidros, o que sendo por eles observado, acharam que principia a demarcação dos mesmos Enxidros no cimo dos Aldeões, partindo com o Vale de Cabra, em um canchal, partindo com Aldeões do Capitão-Mor* desta dita vila, Manoel Caetano de Morais Sarmento, e daí vem direito à estrada, que vem do lugar do Louriçal para esta dita vila, aonde se fez uma cruz em um penedo que se acha junto à estrada, da parte de baixo, entre o souto do dito Capitão-Mor Manoel Caetano de Morais Sarmentoe do Doutor Claudio Antonio Simois, procurador deste tombo, e daí vem toda a dita estrada de carro adiante até chegar aonde chamam o Chafariz de El-Rei e daí parte todo o cabeço acima, direito aonde chamam a Laje do Paço, e daí vai pelo Cabeço do Martinho, aonde se fez uma cruz em uns penedos redondos, que estão no souto* de Martinho da Costa, e daí vai direito ao cimo da barroca* do Reverendo Antonio Theodozio da vila de Alpedrinha, até chegar à terra do Capitão-Mor, donde se fez uma cruz em um canchal*, e do dito canchal vem pela barroca do Carvalhal Redondo direito à estrada que vem para o Vale de Pêro Lourenço até chegar ao Ribeiro de Dom Bento e daí vai o ribeiro abaixo até chegar à ribeira desta vila e daí para a ribeira da banda de além, pela barroca da capela que administra o Reverendo Padre Estevam e daí vai a mesma ladeira aonde vai uma parede entre o casal do Sargento-Mor* e de Vallentim Peres e daí vão correndo a mesma meia ladeira por cima do muro de Joam Antunes, direito à Barroca do Mau e da dita barroca vai a meia ladeira pela barroca adiante direito à barroca de Manoel Caetano, ao cimo dos castanheiros aonde chamam o Areal, e daí vai na mesma direitura a subir a barroca de Rita Caetana, aonde está uma barroca com uma fonte, e daí vai na mesma direitura a lomba adiante e finda ao chão* da capela que administra o Reverendo Padre Antonio Lopes de Carvalho.
E por esta maneira houve ele dito ministro esta medição por finda e acabada e de tudo mandou ele, dito ministro, fazer este termo, que assinou e louvados Costa Feyo e Manoel Leitam da Costa e procurador do concelho* Manoel Vas Rapozo e testemunha que presente estava, Francisco Duarte o mosso, e o procurador deste tombo e eu Joam Barata de Gouvea, escrivão que o escrevi. Ferrás de Vasconcellos. Claudio Antonio Simoins. Joam da Costa Feyo. Manoel Leitam da Costa. Francisco Duarte
(Arquivo Distrital de Castelo Branco, Câmara Municipal de S. Vicente da Beira, Tombo dos Bens do Concelho, Livro 1767-1785, Maço 11)



Glossário:
Barroca - Pequena depressão; sulco no terreno, feito pelas enxurradas.
Canchal - Rocha, pedregulho.
Capitão-Mor - Autoridade militar que chefiava as capitanias de ordenanças do concelho. As capitanias eram as circunscrições militares locais, encarregadas do treino militar de todos os homens dos 18 aos 60 anos, os ordenanças, e do recrutamento dos soldados para o exército do Reino. Em 1778, Manoel Caetano de Morais Sarmento já deixara o cargo, apesar de continuar a ser chamado por este titulo. O novo capitão-mor era então Francisco Caldeira Leitaõ de Britto Monis, avô do 1.º visconde da Borralha.
Chão - Propriedade agrícola de policultura intensiva, sobretudo para hortaliças e leguminosas. Normalmente, era terra de regadia.
Ervagem - Pastagem. Espaço baldio, onde crescem ervas espontâneas.
Extramuros - A vila de S. Vicente da Beira não tinha muralhas. Neste caso, a expressão designa um local fora da malha urbana.
Juiz de fora - Autoridade máxima do concelho, em representação do rei. Presidia à Câmara Municipal.
Louvados - Testemunhas
Procurador - É o representante de uma das partes. Neste caso, Claudio Antonio Simois representava os interesses do rei de Portugal.
Procurador do concelho - Manoel Vas Rapozo representava os interesses da população do concelho.
Sargento-Mor – Autoridade militar abaixo do capitão-mor que chefiava as capitanias de ordenanças do concelho. Em 1778, o sargento-mor era Joze Duarte Ribeiro do Casal da Serra, mas com propriedades na Vila, assim como em Tinalhas e no Freixial do Campo, de onde seria natural.
Souto - Mata de castanheiros.
Tombo - Inventário dos bens.