sábado, 10 de dezembro de 2011

Sementeira de pinheiros


Conheço documentação que refere a compra de sementes de pinheiro, na Suécia, para florestar as serras de Oleiros, em meados do século XIX. Uns anos antes, em 1826, o contrato de emprazamento, por três vidas, do casal da Senhora da Orada, administrado pela Câmara Municipal, estipulava como obrigação dos rendeiros Ricardo Joze de Oliveira e Gestrudes Maria «...a sementeira dos pinheiros...». Nos inícios do século XX, alguém de C. Branco fotografou os montes da charneca a partir do Museu Tavares Proença Júnior, na entrada norte da cidade, e só se veem matagais, sem qualquer árvore a sobressair (muitos pinheiros já lá estariam, mas ainda pequenos).
O documento que agora apresento vem confirmar o início da florestação das terras incultas do interior, por pinheiros bravos, no século XIX. Apenas o início, pois parte dos atuais pinhais só se afirmaram na primeira metade do século XX e até um pouco mais tarde: muitos da minha geração e sobretudo mais velhos lembram-se de se fazerem alqueives de centeio em locais onde atualmente há bom pinhal. E no monte de Santiago, na Partida, ainda sobrevive o antigo olival, já sufocado pelos pinheiros.

Na sessão de 23 de Agosto de 1840, a Junta da Paróquia analisou um ofício da Câmara Municial (ambas de S. Vicente da Beira), no qual se incumbia «… a esta Junta a Sementeira de Pinheiros e plantação de Arvores nas terras pertencentes a esta Junta.» Também se mandava comunicar aos proprietários «… que a Junta Geral do Destrito se offerecia a mandar vir a Semente de Pinhos que fosse neceçaria tanto para a Junta como para os Proprietários.»
A Junta decidiu que, embora tivesse uma terra apta para a sementeira de pinheiros (a Devesa?), não tinha meios para fazer essa sementeira, pois os que tinha escasseavam para as despesas ordinárias. Quanto aos proprietários particulares, embora avisados por edital público, «…não compareçeo alguém que requereçe porção alguma de semente de Pinhos.»


Notas:
1. Esta ata foi escrita por Bernardino Ribeiro Robles, secretário da Junta. O presidente era Antonio Rodrigues Castanheira.
Na sessão seguinte, de 21 de Março de 1841, tomaram posse os membros efetivos da nova Junta. O presidente ficou então o Reverendo Vigário Manuel Marques Leite, ajudado por Francisco Lobo e Francisco Cardoso Sénior que transitavam da Junta anterior.
2. Ao lermos esta publicação, temos na cabeça três grafias: a nova que estamos a implementar (acta/ata, vêem/veem...), a que usámos até agora (e melhor sabemos) e a do século XIX (neceçaria/necessária, compareçeo/compareceu, offerecia/oferecia, Destrito/Distrito...).
Por mim, não vale a pena dramatizar o novo acordo ortográfico, como muitos o fazem. A nossa língua tem estado em constante evolução, desde o latim dos romanos até à atual grafia!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Publicidade

Em 2009, tive publicidade no blogue, mas não achei piada e mandei tirar.
Agora considerei que valia a pena aproveitar os (magros) ganhos e por isso ela retornou.
Há rendimento sempre que se visita o blogue e sobretudo sempre que se clica na publicidade.
O dinheiro, muito ou pouco, será entregue ao ermitão da Orada, o Zé Duarte. Fica o compromisso.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Para o sol não o queimar

Voltemos a estas duas quadras da apanha da azeitona:

S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

São bem antigas!
O ideal de beleza era a pele branca, o mais possível. As senhoras até usavam sombrinhas para não se bronzearem. Depois, cerca de 1930, a Coco Chanel, que então começava a ditar a moda, deixou-se dormir estendiada ao sol, numa praia (uma hábito novo, nesse tempo) e acordou bronzeada. E todos correram para as praias, para ficarem como ela. Até hoje.
Mas voltemos ao antes. Para as gentes do campo (mais de 90% da população das nossas aldeias) ter a pele branquinha era uma impossiblidade, privilégio das famílias dos grandes lavradores que não faziam trabalho ao sol. Por ser rara, diferente, era sinónimo de beleza e por isso desejada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os amores da azeitona...

Eram sobretudo canções de amor, estas da campanha da azeitona:

(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

(…)

Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.

domingo, 27 de novembro de 2011

Se a oliveira falasse…

Por volta de 1940, as terras de S. Vicente da Beira pertenciam, em grande parte, a três casas agrícolas: Casa Conde, Casa Cunha e Visconde de Tinalhas. Na altura da azeitona, contratavam camaradas para a colheita. Uma camarada era um grupo de homens e mulheres, dois homens por cada mulher, que colhia a azeitona para um médio ou grande agricultor, a troco de um décimo da produção: de cada dez alqueires de azeite, um alqueire (13,5 litros) era da camarada. No final da campanha (colheita), o azeite era distribuído por todos os membros.
Ao cantar do galo mais madrugador, às 5 horas da manhã, um homem da camarada ia à Praça tocar a corneta para que as mulheres se levantassem a fazer o almoço (pequeno almoço) aos seus homens: batatas ou feijão. Mais a merenda para um dia de trabalho.
Duas horas depois, confluíam para a Fonte Velha, chamados pelo toque do búzio da camarada, que partia depois em direção do seu olival, longe ou perto.
A colheita fazia-se a ritmo acelerado, pois tinham de colher azeitona suficiente para fazer o ordenado de cada membro da camarada. Os corpos magros e enregelados subiam e desciam escadas e as mulheres acorriam aos gritos de “Fato”. Os dedos frios das mulheres mal conseguiam catar as bolinhas negras no meio de ervas e terra. No início, o lume era mais fumo que fogo e uma passagem breve por lá apenas iludia o corpo.
Cantava-se para esquecer. Os homens desafiavam as camaradas que passavam ou andavam por perto. O diálogo gritado envolvia dois homens:

- Ó João, dá cá o podão!
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles que além vão.
E torna-o cá a dar,
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


Os da outra camarada respondiam à letra:

- Ó João!
- O que é?
- Dá cá a navalha.
- P´ra quê?
- P´ra malhar aqueles canalhas.
E torna-a cá a dar.
- P´ra quê?
- P´ra os tornar a malhar!


As mulheres, alheias a estes rituais guerreiros, entoavam canções melodiosas com letras ligadas à tarefa que as ocupava:

(Uma voz) A oliveira da serra
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Que azeitona pode dar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Dará uma, dará duas
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Dará três se carregar
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

E continuavam com outras quadras…
Mas o ganho era sempre magro, mesmo com muito trabalho. Por isso, à passagem de algum rico ou na ida do patrão ao olival, colhia-se um ramo de oliveira e oferecia-se:

Tome lá este raminho
Da minha mão se oferece
Ainda não é tão delicado
Como o senhor o merece


Ou

Tome lá este raminho
Todo cheio de alegria
Onde vão meus cumprimentos
E de toda a companhia


A simpatia pagava-se com dinheiro, para terem vinho a acompanhar o jantar (almoço).
Se encontrassem duas folhas pegadas, aproveitavam para reforçar os laços. Um rapaz e uma rapariga pegavam cada um num lado e rasgavam-nas, dizendo:

(Um) - Como se chama o menino?
(Outro) - Raminho de bem querer.
(Davam um aperto de mão)
(Ambos) - Vamos ser compadres até morrer!

No último dia da colheita, faziam um jantar ou ceia com bacalhau, batatas e couves. O patrão dava o vinho e o azeite.
Depois iam ao lagar do patrão buscar a paga. E comiam uma taborna (tiborna): pão torrado embebido no azeite novo. O ganho era dividido por toda a camarada e corria-se à procura de mais trabalho, na esperança conseguir azeite para todo o ano.

Como habitualmente, nestas tradições mais antigas, baseei-me num trabalho escolar da minha irmã Maria Isabel dos Santos Teodoro. Ela ouviu-as da boca dos nossos pais António Teodoro e Maria da Luz (Prata).

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O nosso falar: bátega d´água

Já aqui escrevi sobre a gravanada. Depois pus-me a pensar nas formas de chuva que havia e encontrei: gravanada, bátega d´água, bem chuvidinha, a cântaros e carujar. Já houve de todas, neste Outono, menos a chuva a cântaros ou potes.
Deixo-vos um glossário com os termos vicentinos para os diferentes tipos de chuva.

Bem chuvidinha: Era a chuva preferida dos nossos. Podia estar uma semana a chover, calmamente, nem estiava, nem chovia forte, que as nossas gentes não se aborreciam.
“Deixa estar que ela é cá precisa!”
“Assim é que é bom, entra toda na terra, para os nascentes correrem, quando fizer falta.”
Com a chuva bem chuvidinha, não há erosão dos terrenos, nem enxurradas destruidoras. A chuva cai e só faz bem: a terra mata a longa sede do estio e depois armazena para o resto do ano.

Carujar: Não é, nem deixa de ser. Quase dispensa o guarda-chuva, mas chamam-se parvos aos que andam debaixo deste carujo, sem proteção. Refresca, mas mal assenta o pó, se estivermos no tempo dele. "Está a cair um carujozito.", diziam os nossos mais antigos.

Gravanada: É uma chuva repentina, intensa, mas só dura breves minutos. Vem acompanhada de vento forte.

Bátega d´água: Cai repentina e intensa, também, mas por mais tempo do que a gravanada. Entre os 10 e os 30 minutos é o tempo de uma trovoada d´água ou pancada d´água, como também se diz. Provoca pequenas enxurradas.

Chover a cântaros ou a potes: Este termo é do tempo em que se ia à fonte com o cântaro ou o pote à cabeça. Imaginem que despejavam a água toda de uma só vez! É assim a chuva a cântaros, diluvial, intensa e demorada. Caem grandes quantidades de água durante largos minutos e até horas. Por vezes abranda e volta a cair com a mesma intensidade. "Chovia se Deus a dava!"
É a chuva das enxurradas e inundações.

Nota: Este texto foi reescrito no dia 1 de Dezembro, com base nos comentários do Ernesto Hipólito.

sábado, 19 de novembro de 2011

O nosso falar: gafa


Oliveira multicentenária na tapada de José dos Santos Candeias, por cima do Cimo de Vila.

Notícias do mundo agrícola, para quem está longe e com vontade de azeite novo.
Este ano a azeitona amadurou mais cedo, porque o mês de Outubro foi muito quente. A produção de azeitona será inferior à do ano passado e a qualidade do azeite ligeiramente menor.
Isto derivado da mosca, que não da gafa.
O Verão foi primaveril e a mosca não morreu com o calor, como pertence, antes continuou a furar frutos e pôr ovos. O resultado é a azeitona estar muito bichosa, em certas zonas. A chuva ventosa já tombou alguma, mas muita da colhida está furada, por isso o azeite não será tão puro. Por outro lado, em certas zonas, a azeitona engrossou muito com a chuva e por isso não fundirá como no ano passado.
Não que em S. Vicente se tenha dado por isso, pois muita gente recebeu do lagar azeite a 12 kg por litro, de azeitona sãzinha e miudinha. Mas quem levou a azeitona para mais longe teve fundas a 8. Este ano parece que dão o azeite pelos 10kg/l, nada mau, em ano em que a funda real andará próximo dos 9, em média.
Mas voltemos à azeitona. O mal dela é a mosca, não a gafa. Julgava que fosse um regionalismo, mas o site da SAPEC informa-me que a gafa ataca sobretudo a azeitona galega e acontece quando há muita humidade e calor, isto é, tempo quente e húmido durante o amadurecimento. O calor e a humidade são condições propícias ao desenvolvimento dos esporos que existem nos ramos e nas folhas. Já sabia da humidade, mas pensava que era do frio. Uma oliveira com gafa tem a azeitona podre e as folhas também morrem e caem.
Pelo menos livrámo-nos da gafa, graças a um Outubro seco.