Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
sábado, 1 de outubro de 2016
sexta-feira, 30 de setembro de 2016
Casamento, anos 60
Só reconheço a Menina Maria de Jesus,
ao lado do irmão, o Pe. Tomás ou o bispo (D. João de Deus Ramalho).
Quem me deu a foto (o Francisco Matias, filho de Domingos Matias) não sabe quem são os noivos.
O miúdo da boina e com suspensórios, à direita, está um espetáculo.
Ainda há por ali uns pés descalços, mesmo em domingo à saída da missa (provavelmente).
José Teodoro Prata
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Fui aos Chocalhos
Fui
aos chocalhos; aproveitei o primeiro dia, andamos mais à vontade, menos pessoas;
gostei.
A
câmara do Fundão e a junta de freguesia de Alpedrinha em boa hora criaram este evento.
Já lá vão quinze anos, único na região, quiçá em Portugal. Atrai milhares de
pessoas de toda a nossa Beira e país.
No
belo solar do Picadeiro “Sarafanas” estava uma representação dos amigos
espanhóis, não sei se foi este ano a primeira vez, já se internacionalizou. Ruas
medievais apinhadas de gente; janelas, portas, lojas escancaradas onde se
expõem os mais diversos produtos:- gastronómicos, artesanais, artísticos… Diversão
a rodos, bombos, pandeiros, gaitas de fole, conjuntos, pífaros… a animação, é
grande.
Dá
gosto passear pelas ruas da bonita Alpedrinha, as casas bem conservadas mantêm
a traça original. Solares, capelas, a bela igreja paroquial, a monumental
fonte, o palácio do picadeiro, a capela do leão que nos recorda o célebre
cardeal. Parece que era aparentado com o nosso D. Álvaro da Costa. Ilustres, os
Costas.
Fui
aos chocalhos; há alguns anos que lá não ia, deixei o carro num parque
improvisado junto ao cruzamento das Atalaias, os autocarros transportam-nos
para o local, tudo muito bem organizado.
A
nossa vila também foi testemunha do fenómeno transumante; era garoto, na
estrada nova passavam enormes rebanhos de ovelhas a caminho do Alentejo. No
outono desciam a Estrela, na primavera regressavam na direcção dos montes
Hermínios. Era um espetáculo bucólico, pessoalmente adorava ver. O chocalhar
misturado com os assobios e as ordens dos pastores, formavam uma campestre
orquestra. Eram às centenas as ovelhas, uma nuvem de pó à medida que passavam, pastores
com seus safões, manta e alforge caminhavam. “Caminho faz-se caminhando, não é
verdade”!
A
vila possuía também grandes rebanhos, na casa conde havia um canzarrão enorme
chamava-se leão; só lhe faltava a juba, o pescoço estava enfeitado com uma
grande coleira de picos de ferro por causa dos lobos. Dizem que quando atacam
atiram-se logo ao pescoço do animal. O Leão estava protegido, um animal
corpulento como ele não precisaria. De vez em quando ia à praça passear, nós os
catraios, fazíamos festas ao Leão. Cabradas, ovelhadas; à noite, quando
regressavam das pastagens, o chocalhar e campainhar alegravam nossos largos e
ruas.
Não
chegou a meio século para a sociedade se transformar radicalmente. O chafariz
já não mata a sede aos animais, é uma peça decorativa, as bicas da fonte velha
já não enchem cântaros, regadores, baldes…
O
mundo pula e avança …
Resta
a recordação.
J.M.S
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sábado, 24 de setembro de 2016
Melhoramentos, 1945
(Nesta foto, não estão todos os membros da comissão que reuniu com o Subsecretário de Estado das Obras Públicas. Apenas reconheço o Manuel da Silva, 1.º à esquerda, o João Prata, 3.º, e o Francisco Matias, 4.º, todos a contar da esquerda. Os da foto serão os que foram apresentar cumprimentos ao Diário de Notícias.)
Notas:
1. A notícia refere-se a um projeto. Na realidade, a estrada nacional 352 nasce no Castelejo e termina nos Escalos de Baixo. Mas a estrada pedida pelos nossos antepassados foi construída: é a municipal que liga a estrada nacional 18 (no cruzamento da Soalheira, pelo Louriçal, São Vicente...) à estrada nacional que vai de Castelo Branco à Pampilhosa da Serra (na freguesia de Almaceda).
2. Em 1945, a atual estrada 325 já estava aberta até São Vicente. Terá sido nesta altura, talvez devido a estas diligências, que foi aberta a parte que dá a volta pela ponte do Casal da Fraga, dispensando a descida íngreme pelo Lagar "Farrancha".
3. Este recorte de jornal foi-me dado pelo Francisco Matias, filho do sr. Domingos Matias. Trouxe-lho um cliente do Porto.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 22 de setembro de 2016
São Fiel, o que foi e o que é
Ainda vínhamos longe e já
se avistava lá ao fundo, imponente e misterioso, a destoar do resto das
habitações ali à roda. Ouvíamos dizer que era uma casa de correção para onde
traziam vagabundos e malfeitores de todo o lado. A má fama aumentava-lhe o
fascínio e o mistério, mas fazia-nos também tremer de medo, só de imaginar que
algum poderia fugir e aparecer-nos à frente, como diz que às vezes acontecia.
Isto passava-se era eu
ainda criança e, provavelmente, muito destes medos e fascínios eram fruto da
idade e da ignorância, propícia a grandes confusões e fantasias. Mas nem sempre
foi assim o Colégio de São Fiel, como ainda hoje lhe ouvimos chamar muitas
vezes.
Naquele edifício,
construído em meados do século XIX, começou por funcionar um orfanato que se
destinava a acolher e educar crianças órfãs, pobres e abandonadas. Era também
frequentado por crianças e jovens pobres das redondezas.
A partir de 1873 passou a
funcionar ali o Colégio de São Fiel que, na altura, era um dos estabelecimentos
de ensino particular mais prestigiados do país. Estava a cargo da Companhia de
Jesus. Os alunos eram os filhos das famílias mais conceituadas e abastadas da
região, mas vinham jovens de todo o país para aqui fazerem os seus estudos
secundários. Lá estudaram personalidades que se destacaram nas mais variadas
áreas da vida do país: Afonso Costa, António Egas Moniz, Robles Monteiro, José
Ramos Preto e muitos outros.
Com a implantação da
República o Colégio de São Fiel foi extinto e, a partir de 1919, passou a
funcionar como reformatório. Destinava-se a acolher e reeducar jovens
delinquentes e marginais colocados pelo Tribunal de Menores. Para além da
escolarização, os alunos podiam também aprender um ofício que lhes permitisse
uma melhor integração social e independência financeira quando deixassem o
reformatório.
Desde há mais ou menos duas
décadas que o edifício deixou de ter qualquer atividade e, a partir daí, é
notória uma degradação acelerada. Parece que todo aquele complexo é pertença do
Estado; só isso justifica o estado a que aquilo chegou…
M. L. Ferreira
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segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Quadros da nossa história
Era uma vez…
Todas as histórias começam assim.
Há muitos, muitos séculos; clima ameno, água pura que
brotava das encostas verdejantes; a serra começou a servir de refúgio a muita
gente que fugia dos invasores…
Tendo em conta a necessidade de se defenderem
constroem num local inexpugnável da serra um castelo.
Durante muitas gerações viveram no alto da montanha
apascentando seus rebanhos, vivendo da caça e da pastorícia.
Os vales já não ofereciam perigo, depois de duras
guerras entre cristãos e sarracenos; no sítio da Oles travou-se uma grande batalha
entre cristãos e mouros; diz a lenda.
Ei-los descendo as encostas serranas e agrestes
caminhando para os vales e planícies mais férteis e amenas. Pouco a pouco
abandonam o castro “Castelo Velho” A fronteira cristã já se encontrava mais ao
sul.
Do velho castelo nada resta; amontoados de pedras, as
populações que habitavam aquelas paragens partiram:-uns para o lado nascente,
outros para o poente.
Os primeiros certamente por estarem mais expostos a
invasões construíram um castelo novo. Os que partiram para a encosta poente
nunca construíram outro, ficariam conhecidos por Trans Serre (Trás da Serra).
Uns e outros fazem suas vidas, acessos difíceis, os
contactos foram rareando, cresceram duas novas comunidades.
Os moradores de Trás da Serra ao fixarem-se no campo
construíram suas cabanas nas vinhas. Naquele lugar encontram-se numerosos
vestígios da ocupação humana” pedaços de telhas, talhas, mós…
Talvez não fosse o melhor sítio para se viver “escassez
de água, muitas formigas, ou outro motivo”!, abandonaram-no, resolvem habitar
um pouco mais acima nas faldas da serra Guardiã onde fundam um novo povoado,
muita água, nateiros que bordejam a ribeira.
Foi crescendo o povoado.
A independência nacional estava consolidada, certo dia
o povo reuniu no largo principal, depois de muito conversarem decidiram que
alguns tinham que ir à capital do reino oferecer a terra ao rei. Ouçamos:
Primeiro homem bom: Vizinhos e familiares, estamos reunidos para
debatermos um assunto muito importante para o nosso povo, a independência do reino
foi alcançada, alguns de nós têm que ir a Lisboa oferecer a nossa terra a
el-rei nosso senhor
Segundo homem bom: Devemos entregar a nossa terra à protecção do nosso
rei e senhor D. Afonso Henriques.
Terceiro homem bom: Estou convosco, mas não contem comigo para ir a
Lisboa.
Primeiro homem bom: Porque?
Segundo homem bom: Tenho a vinha para colher e as terras para lavrar.
Primeiro homem bom: Alguns terão que ir
Terceiro homem bom: A minha égua anda manca, não me vou meter ao caminho
com ela assim.
Primeiro homem bom: Alguém tem que ir.
Todos em uníssono: Podes ir tu, tu, tu…
Primeiro homem bom: Assim aos berros ninguém se entende, vamos às
sortes. Eu não me importo de ir, haja quem me acompanhe.
Quarto homem bom: Podes contar comigo, responde o quarto homem bom.
Segundo homem bom: Eu vou.
Primeiro homem bom: Vamos os quatro, de hoje a oito dias, abalamos de
madrugada.
Quarto homem bom: Povo de Trás da Serra, no dia quinze de Setembro nós
os quatro vamos a Lisboa oferecer a nossa terra a el-rei nosso senhor D. Afonso
Henriques.
Narrador: Os dias foram passando, iguais como todos os dias,
tirar as cabras do bardo, as ovelhas do redil. Finalmente o grande dia chegou.
Mulher do primeiro homem bom: Meu querido homem, que a jornada te corra bem, que
Deus Nosso Senhor te acompanhe, agasalha-te bem à noite, tem cuidado com os
salteadores, com os lobos e não te percas. Voltai depressa!
Mulher de outro homem bom: Adeus meu rico homem, faz boa viagem, que Nosso
Senhor te cubra com sua sombra.
Um filho: Pai, sua bênção.
Primeiro homem bom: Adeus amigos, adeus a todos…já lá vem a aurora;
vamos.
Narrador: Pernoitando aqui, descansando ali, a jornada correu
sem grandes sobressaltos, chegaram a Lisboa no dia vinte e cinco de Setembro do
ano da graça de 1173. Muita gente a sair de uma igreja, duas alas se vão
formando.
Primeiro homem bom: O que é isto que nossos olhos estão vendo, nunca
vimos tanta gente.
Terceiro homem bom: Perguntemos àquele ancião. Olhe lá, vossemecê
diga-nos o que vem a ser isto.
Ancião: Vossemecês não são de cá, pois não?
Os quatro homens bons: Não senhor.
Ancião: São os restos mortais do mártir São Vicente que estão a ser levados
da igreja de Santa Justa para a Sé.
Primeiro homem bom: Quem foi esse santo?
Ancião (pacientemente): Foi um diácono hispânico, natural da cidade de
Valência, que os romanos mataram por não ter querido renegar a fé de Cristo
Nosso Senhor. É um grande santo, seu corpo foi levado secretamente para o nosso
Algarve onde o sepultaram. Por ordem de el-rei D. Afonso Henriques os restos
mortais vieram para Lisboa num barco, desde o promontório de Sagres até Lisboa
dois corvos acompanharam as santas relíquias, olhem; vinha um à proa e outro à
popa.
Segundo homem bom: Muito bem! E quem é aquele?
Ancião: É o nosso rei e senhor D. Afonso Henriques que se dignou acompanhar
as venerandas relíquias.
Narrador: Findas as cerimónias, os moradores de Trás da Serra
dirigem-se ao rei.
Primeiro homem bom: Alteza real, vimos da Beira Serra onde fundámos um
povoado, Trás da Serra é o seu nome, vimos oferecer a nossa terra e todos os
nossos pertences ao nosso rei e senhor.
Afonso Henriques: Estou grato, aceito a vossa terra, como prova do meu
agradecimento e alegria vou-vos oferecer um tesouro, tendes que o guardar para
todo o sempre. Acompanhai-me.
Quarto homem bom: Onde nos leva o rei! Vamos entrar na Sé.
Afonso Henriques: Tomai este osso do queixo do mártir São Vicente,
guardai-o religiosamente, a partir deste momento a vossa terra deixará de se
chamar Trás da Serra e passa a chamar-se São Vicente.
Os quatro homens bons: El-rei nosso senhor, bem- haja
Primeiro homem bom: Majestade, aceitai estes humildes presentes, fruto
do nosso trabalho. Isto é um pote de mel, aquele é um odre de azeite, uma
canada de vinho, neste alforge estão enchidos das nossas salgadeiras;
presuntos, chouriços…
Afonso Henriques: Bem-haja, que Santa Maria Nossa Mãe vos acompanhe de
regresso à vossa terra, ao nosso São Vicente
Narrador: Contentes e felizes regressam; o povo
recebe-os festivamente no largo principal.
Primeiro homem bom: Trazemos duas grandes notícias de Lisboa. El-rei D.
Afonso Henriques com quem tivemos o privilégio de falar ofereceu-nos esta
relíquia de um mártir que morreu pela nossa santa fé de nome Vicente, disse-nos
para a guardarmos religiosamente na nossa terra. Só nós e Lisboa possuímos relíquias
deste santo, aceitou a nossa terra e a partir de agora por vontade sua passa a
chamar-se São Vicente. Viva o nosso rei
Todos: Viva… Deus o proteja.
Narrador: A comunidade Vicentina crescia, os dias e as noites
sempre iguais; alguns anos mais tarde..
Arauto: Avisam-se todos os vizinhos desta nossa terra de São Vicente que
faleceu no passado dia 6 de Dezembro deste ano da graça de 1185 nosso rei e
senhor D. Afonso Henriques; sucede-lhe seu filho D. Sancho I. VIVA O REI!
Narrador: D. Afonso Henriques foi o “pai” de São
Vicente, D. Sancho seu filho, concedeu-lhe a carta de alforria. Todo o povo
reunido no largo escuta atentamente.
Primeiro homem bom: Perante todos vós, quero transmitir-vos o
seguinte:-D. Sancho I concede-nos um foral que nos faz a partir deste momento
cabeça de um grande território. Começa assim:
Em nome da
Santa e Individua Trindade, Padre, Filho e Espirito Santo amem. Eu, rei Afonso
filho do rei Sancho juntamente com minha mãe rainha Dulce e ao mesmo tempo com
Gonçalo Martins prior de São Jorge e todo o seu convento e com frei João de
Albergaria de Poiares queremos restaurar e povoar o lugar de São Vicente
Damos e
concedemos o foro e costumes da cidade de Évora a todos, tanto presentes como
futuros que lá quiserem habitar…
(Seguem-se todas
a regalias e obrigações que cada morador tem)
A terminar, o documento menciona os limites de São Vicente que vão pela ribeira de Almacaneda e segue a
corrente até ao fundo do vale do Peral, ao fundo entram em Almacaneda e entra
em Rio de Moinhos no Ocresa, depois pela água de Ocaia! Vai até à Portela de
São Vicente.
Eu rei
Afonso, juntamente com minha mãe rainha dona Dulce, autorizamos e confirmamos
esta carta com nossas próprias mãos.
Todo o que
quiser rasgar este facto nosso, seja amaldiçoado de Deus. Concedemos a todo o
cristão embora servo que habitar durante um ano em São Vicente seja livre e
ingénuo.
João
Venegas; presbítero, notou.
Eu, rei
Sancho de Portugal confirmo. Eu, infante Fernando filho do rei Sancho confirmo.
Eu, infanta dona Teresa, confirmo. Eu, Gonçalo Martins, prior de São Jorge e
todo o seu convento confirmamos.
Frei João de
Albergaria, confirmo
Os moradores
de São Vicente não têm poder de vender, nem dar suas herdades enquanto não as
sirvam por um ano, depois; vendam ou deam a quem quiserem
João
Fernandes, testamenteiro; Mendo Pelágio, testamenteiro; Martinho Fernandes,
testamenteiro; D. Julião, testamenteiro; Gonçalo Martins, testamenteiro; Didaco
Cavaco, testamenteiro; Pelaio Rutura, testamenteiro; e Fernando Soares,
testamenteiro
Feito no dia
22 de Março do ano da graça de 1195
Quem quiser saber tudo mais pormenorizado venha à
minha humilde casa que leio e explico.
Todos: Viva São Vicente, viva a nossa vila, viva o nosso rei e senhor D.
Sancho!
Narrador: Passavam
os séculos, a vila sempre a crescer, tornou-se uma das terras mais importantes
das Beiras.
Vigário: Fidalgo, estou velho, os anos passam, quero deixar os
meus bens à Albergaria, é uma instituição que cuida dos pobres, dos doentes, dos
que nada têm.
Fidalgo: Vossa reverência padre Estevão Anes é quem sabe.
Vigário: Deixarei os meus bens à Albergaria do Santo
Espírito. Amanhã, dia 22 de Abril do ano da graça de 1363 chamarei o escrivão à
minha casa. Conto com a vossa ajuda.
Narrador: Esta instituição antecede as misericórdias. A primeira
vez que a palavra misericórdia é relatada, “até prova em contrário”, menciona
que uma senhora casada com um senhor de nome Crespo, faleceu no dia 15 de
Dezembro do ano 1572, foi sepultada na igreja da misericórdia. Em 1363 já
existia na vila uma albergaria assistencial.
As misericórdias foram fundadas pela rainha dona
Leonor, a primeira a ser criada foi a de Lisboa, no dia 15 de Agosto do ano
1498.
Narrador: Continua o progresso e o engrandecimento da vila. Em
Coimbra, no dia 20 de Agosto do ano 1469, D. João, ainda regente, confirma o
foral; seu pai D. Afonso V ainda era vivo. Quarenta e três anos depois, D.
Manuel l reforma-o em Lisboa, no dia 22 de Novembro do ano 1512
Narrador: Dona Teodósia da Paixão, à saída da missa.
Teodósia da Paixão: Senhor vigário, é meu desejo fundar um convento na
nossa terra.
Vigário: Vou enviar uma carta ao senhor bispo a informá-lo.
Dona Teodósia: Dê-me novas o mais rápido que possa.
Um popular: A Dona Teodósia vai fundar um convento na nossa
terra.
Outro popular: É uma santa, tem sempre qualquer coisa para dar aos
pobres.
Vigário: Senhora, chegaram novas do senhor bispo, ele concede
esse privilégio à nossa terra.
Dona Teodósia: Deus ouviu minhas preces. Obrigado, meu Deus!
Narrador: Dona Teodósia da Paixão foi a fundadora e a primeira
abadessa do convento de monjas clarissas de São Vicente da Beira. Do velho
mosteiro nada resta; desculpem: escapou um pórtico à voragem dos homens.
Narrador: Os tempos passam, a certa altura em São Vicente surge
mais um momento histórico
Anónimo popular: Senhor D. António, para onde vai com tanta pressa!
D. António: Quarenta bravos e valentes conjurados colocaram
novamente rei português no trono de Portugal, mataram o traidor Miguel de
Vasconcelos e obrigaram a duquesa de Mântua a deixar Portugal.
Anónimo popular: Vou tocar os sinos, senhor D. António de Azevedo.
D. António: Vai, toca-os com todas as tuas forças, este dia é de
festa, de alegria e de esperança no futuro.
Populares: Que se passa! Os sinos não param de tocar, vamos à
praça.
D. António: Vicentinos, vizinhos, amigos; o poder dos Filipes
terminou, sessenta longos anos de obscurantismo acabaram, temos novamente rei
português. Viva nosso rei e senhor D. João IV. Uma conspiração havida em Lisboa
no dia 1 de Dezembro deste ano da graça de 1640, quarenta patriotas derrubaram
o rei estrangeiro. Viva Portugal, viva o rei. Deixem-me partir, vou à vila de
Castelo Branco aclamar o nosso rei.
Anónimo popular: Este senhor D. António de Azevedo
Pimentel é um grande vicentino.
Narrador: Foi o primeiro a levantar voz a favor do rei
português nas vilas de Castelo Branco e São Vicente. O tempo sempre velho e
sempre novo passava, a pacatez da vila foi mais uma vez alterada.
Criado: Senhor comendador, uma carta de el-rei.
D. João: Deixa-me ver, era o que eu esperava, nosso rei D.
Afonso VI concede-me o título de conde de São Vicente. Eu, João Nunes da Cunha, a partir desta data 2 de Abril do ano da graça
1666 sou o primeiro conde de São Vicente.
Narrador: Algum tempo depois recebe outra mensagem.
Isabel de Borbon: Senhor, que diz essa carta?
D. João: Sua alteza real quer que vá para a Índia ocupar o
lugar de vice-rei.
Narrador: Nesse mesmo ano embarcou para a Índia, foi o
trigésimo vice-rei. Faleceu na Índia no mês de Outubro do ano 1668. Dona Maria
Caetana Vilhena e Cunha, sua filha, foi a segunda condessa, casou com o senhor
D. Miguel Carlos de Távora que, pelo casamento, passou a ser o segundo conde de
São Vicente.
Primeiro popular: Os sinos estão a dobrar, vou à praça ver o que se
passa, se calhar morreu o senhor padre José, tem estado muito mal.
Segundo popular: Oh Maria, os sinos estão a dobrar há tanto tempo, o
que é que se passa?
Maria: Vossemecê não sabe! Foi o senhor padre José
Estevão Cabral que morreu.
Narrador: Foi um sábio, nasceu em Tinalhas no dia 22
de Fevereiro do ano da graça de 1734, aos catorze anos partiu para Coimbra para
estudar no colégio dos jesuítas. O marquês de Pombal extinguiu a ordem em
Portugal. Seu pai, abastado lavrador, foi a Coimbra convencê-lo a vir para
Tinalhas, mas ele não aceitou e partiu para Roma.
O papa Clemente IV nomeou-o mestre do colégio romano. Trinta
anos depois regressa a Lisboa. Grande conhecedor da hidráulica, a rainha Dona
Maria I encarrega-o de estudar os rios Tejo e Mondego. Publicou vários livros
sobre essa matéria. Hoje, dia 1 de Fevereiro de 1811, expirou um homem notável
do nosso concelho.
Viveu os últimos anos da sua vida em São Vicente da
Beira
Terceiro popular: Além vai o cortejo fúnebre a caminho da sua terra
natal, que Deus o tenha em bom lugar.
Tanta gente a acompanhá-lo!
Padre Simão: Afilhado, estou velho e alquebrado, tenho pensado
seriamente naquilo que hei de fazer à fortuna que possuo. Gostaria de fazer
alguma coisa pela nossa terra, que achas? Uma obra social?
Padre José: Padrinho, a sua ideia é boa, mas o Sobral é uma
terra tão pequena, porque não construir em São Vicente? Tem um passado
histórico riquíssimo, é sede do concelho, localiza-se num lugar central, ao
passo que o Sobral está numa ponta…
Padre Simão: Tens razão, afilhado; São Vicente está bem
localizado, a nossa terra fica perto, vou pensar na tua ideia.
Narrador: O padre José Davide dos Reis foi um grande professor
e um grande amigo de São Vicente. Provedor da Santa Casa, foi ele o mentor e o
principal responsável para que o padre Simão Duarte do Rosário deixasse a sua
fortuna à Santa Casa. Com a sua fortuna, construiu-se o grande hospital que
ficaria a servir todas as freguesias vizinhas, vontade sua.
Padre Simão: Afilhado, tens razão, será na vila que irei
construir o hospital. Fique desde já assente, servirá a vila, o Sobral,
Louriçal, Ninho do Açor, Tinalhas, Almaceda…
Padre José: A sua vontade será feita.
Narrador: Em 1894, nascia um grande edifício, o
hospital da misericórdia de São Vicente da Beira. Possuía bastantes bens, com o
advento da república a maior parte do seu património foi confiscado. Tinha
propriedades no Ninho do Açor, Lardosa, São Vicente… Começou a sobreviver de donativos,
cortejos de oferendas.
Outro grande benemérito, foi o doutor Silva Lemos,
natural da cidade do Porto, deixou todo o seu património ao hospital. Com o
seu dinheiro construíram-se as casas do bairro.
Em 1952 realizou-se um grande cortejo de oferendas. Nessa altura o poeta popular senhor José Lourenço editou um pequeno livro de
versos onde narra toda a história do cortejo.
(…)
Deram os
comerciantes
-Que em seus
carros bem se via-
Muita coisa
proveitosa
Roupas e
mercearia!
Lá vinham os
nossos ranchos
Todos tão
bem ensaiados
Que nos
deixaram absortos
-Completamente
encantados
Lá vinha o
Mestre Ventura
Na bigorna a
martelar
Co`seu porta
voz fingido
E o seu fole
a trabalhar
Chegaram os
lavradores
Com tantos
produtos seus
-Tão úteis e
variados
Que eram um
louvar a Deus!
O do Ninho
do Açor
Foi o que
primeiramente
Deu entrada
no cortejo
Co`seu carro
de semente
Vinham os
carros das Quintas
Todos bem
apetrechados
-Neles as
donas de casa
Bem
mostraram seus cuidados
Viu-se o
carro dos Pereiros
A correr por
ali fora
Ia ficando p
`ra traz
Por vir à
última hora!
(…)
A Santa Casa chegou a ter 75 propriedades.
Com a queda dos morgadios, o apoio a D. Miguel na
guerra entre absolutistas e liberais, começou a decadência da vila.
Era composto este antigo concelho pelas freguesias de Sobral
do Campo, Louriçal do Campo, Ninho do Açor, Freixial do Campo, Tinalhas, Povoa
Rio de Moinhos ”justiça”. Com a queda do concelho de Sarzedas, Almaceda passou
para o concelho de São Vicente
A partir do terceiro quartel do século dezanove, o
concelho começou a esboroar-se até à queda final que aconteceu em 1895.
Atualmente, todas a freguesias deste antigo concelho
pertencem ao grande concelho de Castelo Branco.
E depois! Morreram as vacas, ficaram os bois
J.M.S
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josé lourenço
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
Vir às Festas
É madrugada, o sol ainda não nasceu e saímos de casa.
Temos uma longa viagem pela frente até São Vicente da Beira para umas merecidas
férias em família. Ele leva a filha ao colo que ainda só conta um aninho, mais
a mala de viagem com roupa para quatro. Eu levo o bebé, com três meses, na
alcofinha. Vai pela primeira vez conhecer as terras dos avós.
Após uma hora de autocarro, chegamos à estação de Sta.
Apolónia. O tempo urgia, grande azáfama de gente com a sua bagagem passando
apressadamente de um lado para o outro ao som do ruído dos comboios.
Diz-me ele:
- Vai andando para o comboio que eu vou comprar os
bilhetes.
Eu assim fiz. Arranjei um lugar confortável e pus-me à
janela à espera, ansiosa que ele chegasse com a nossa menina que parecia, como
me disseram na maternidade, um “repolhinho”.
Passado um pouco, ele chega ao cais esbaforido. O
comboio está prestes a partir. Olho pela janela e começo a acenar: “Estou
aqui!”
Ele olha com algum espanto e exclama:
- Não vês que essa carruagem é de primeira classe?
Passa para a carruagem ao lado!
“Primeira classe?”, pensei, admirada. Eu, que nunca
concordei com estas divisões entre classes, não tinha sequer reparado e entrei
na primeira porta que me pareceu melhor.
Assim, vendo-o a reclamar, decidi “É melhor ir para ao
pé dele…”
Peguei na alcofa e lá fui apressada. Como as portas
das carruagens eram ao lado uma da outra, eu desço da minha e num saltinho me
ponho na outra, pensei.
Desci para o cais e neste preciso instante senti o
comboio a começar a andar, mas esperei um momento… “Não é seguro com o bebé
subir assim… o maquinista certamente vai ver que eu estou para subir e vai
esperar…”. Hesitei, mas o comboio começou a andar cada vez mais rápido… fiquei
atónita a ver as carruagens a deslizarem à minha frente. “Não pode ser! Isto
não me está a acontecer!”
Mas estava, e lá fiquei eu no cais da estação, vazio e
imenso, a olhar para o comboio cada vez mais pequenino a desaparecer ao longe,
levando os meus mais que tudo… e eu só, com o meu bebé.
Caí em mim e pensei em voltar para casa. Mas não tinha
um centavo, ele é que levava a carteira (eu não precisava). Tinha que pedir
ajuda, não havia outra hipótese.
No comboio, ele tinha instalado a filha
confortavelmente no assento e arrumado a mala. Decidiu então, dada a demora, ir
ter comigo e lá passou pela ligação das carruagens. Quando chegou ao local onde
eu supostamente deveria estar e não nos viu, perguntou às pessoas que ali se
encontravam:
- Não viram aqui uma senhora com um bebé?
Ao que estas lhe responderam:
- Vimos sim, mas a sua mulher ficou na estação…
- O quê?
- Sim, ela saiu do comboio e ficou na estação. –
confirmaram os passageiros. Ele não queria acreditar!
Dirigi-me às bilheteiras onde estava um
funcionário e começo a contar-lhe a minha história: que o meu marido seguiu no
comboio com a minha filha e eu fiquei em terra com o bebé e não tenho dinheiro
para voltar para casa ou comprar outro bilhete. As lágrimas começaram a
correr-me pela cara e a soluçar, completamente desesperada.
O senhor sorriu e disse-me para me acalmar que tudo se
iria resolver. Fez um telefonema e depois disse:
- Você irá no comboio regional que para em todas as
estações, até Santarém, onde estará o seu marido à sua espera.
Ouvindo isto, o meu coração sossegou. Instalei-me mais
tarde no comboio onde o senhor me levou, sentei-me e amamentei o bebé que
depois destas horas todas já reclamava e com razão.
Comentei a minha história com os outros passageiros
que estranharam ver uma mãe tão jovem assim sozinha com um bebé. Uma senhora ao
lado perguntou:
- Então e a senhora não podia ir para casa?
Expliquei-lhe que não, pois ele é que levava os
bilhetes e o dinheiro.
- Ora veja lá vossemecê! – respondeu muito admirada.
Não sei o que ela terá pensado…
Um senhor insistiu em dar-me dinheiro “para
desenrascar”, mas disse-lhe que não era preciso, pois o meu marido estaria à
minha espera na estação de Santarém.
Ao fim de um longo tempo de viajem, chegámos a Santarém.
Senti-me aliviada, mas com algum receio… Imagino-o zangado e ainda levo um
raspanete.
Aproximo-me da porta e lá vem ele com a menina e a
mala. Ao ver-me, sorri e diz-me:
-Até que em fim, mulher, que já te encontrei!
E lá seguimos viagem até ao Entroncamento, onde esperámos
mais algum tempo pelo comboio seguinte, numa sala cheia de gente e com muito calor. Chegámos só à tardinha a Castelo Branco. Depois ainda fizemos mais
uma longa viagem até São Vicente da Beira.
Era assim naquele tempo, em que ainda nem todos tinham
carro e não havia telemóveis, que se viviam as histórias que ficam para mais
tarde contar e recordar.
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