Resultados na freguesia de São Vicente da Beira:
PS - 39,55%
AD - 32,58%
CH - 8,54%
BE - 5,05%
IL - 3,31%
ADN - 2,26%
PCP-PEV - 1,92%
L - 1,57%
José Teodoro Prata
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
Resultados na freguesia de São Vicente da Beira:
PS - 39,55%
AD - 32,58%
CH - 8,54%
BE - 5,05%
IL - 3,31%
ADN - 2,26%
PCP-PEV - 1,92%
L - 1,57%
José Teodoro Prata
Pe. José Hipólito Jerónimo, um democrata assumido
José Hipólito Jerónimo fez
a sua formação religiosa superior em diferentes geografias (Roma, Itália; Bona,
Alemanha; Chicago, Estados Unidos da América). Forçosamente, este contacto tão
prolongado (8 a 9 anos) com a vida democrática, que até então desconhecera,
impregnou-se-lhe no seu modo de ser pessoa.
Curiosamente, a crise
académica coimbrã de 1969 não o entusiasmou. O já sacerdote José Hipólito
Jerónimo frequentava o último ano do curso de Filologia Germânica, onde foi
colega de curso de Artur Jorge, então jogador da Académica e mais tarde
treinador de futebol. O presidente da República Américo Tomás foi inaugurar do
edifício das matemáticas e o presidente da Associação Académica, Alberto
Martins, pediu a palavra, mas foi-lhe recusada.
Isto provocou a revolta estudantil, que levou ao fecho da academia, por
tempo indeterminado. O Pe. Jerónimo não ficou em Coimbra para viver a revolta
(o seu reino já não era deste mundo), mas regressou ao Verbo Divino com a
convicção de que o regime estava por pouco.
Precisamente quatro anos
após esta crise académica, o Pe. Jerónimo, então no Tortosendo, foi uma das
individualidades a quem o Jornal do Fundão pediu um depoimento sobre o estado
em que Portugal de encontrava e quais as perspetivas de futuro. Durante três
semanas, 7, 14 e 21 de maio de 1973, o jornal publicou as respostas às questões
colocadas. Da zona de Castelo Branco, participaram os Drs. Fernando Dias de
Carvalho, Francisco Rolão Preto, Albano Pina, Mário Branco e Manuel João Vieira.
Este último viria a ter um importante e ativo papel na implementação da
democracia, após o 25 de Abril, nesta parte sul do então distrito de Castelo
Branco.
Graças a esta defesa da
democratização do país, o Pe. Jerónimo esteve, por direito próprio, na festa do
25 de Abril no Tortosendo, a 27 de Abril, onde foi um dos oradores. Reproduz-se
seguidamente o seu discurso, publicado no Jornal do Fundão de 5 de maio:
(discurso apresentado na publicação anterior)
Semanas depois, ele e outros
padres da região manifestaram publicamente a sua solidariedade com o programa
da Junta de Salvação Nacional, criticando os bispos portugueses, ativos
colaboradores do regime ou simplesmente remetidos a «um silêncio cúmplice», com
exceção do bispo do Porto, e recordando o exemplo de muitos religiosos que
«conseguiram arrancar-se à apagada e vil tristeza em que colectivamente
mergulhou a comunidade cristã portuguesa». Esta tomada de posição de sete
padres foi publicada no Jornal do Fundão de 12 de maio.
Estes e outros cristãos
aderiram ao Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um espaço de reflexão
cristão, internacional e não partidário, dos anos 70, que pretendia conciliar a
doutrina social da Igreja Católica com os ideais igualitários do socialismo. E
assim se viveu a revolução nas comunidades católicas portuguesas, numa procura
constante de como viver os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade.
José Teodoro Prata
Um democrata assumido
Discurso do Pe. José
Hipólito Jerónimo, na festa do 25 de Abril, no Tortosendo, a 27 de abril de
1974. Fonte: Jornal do Fundão, de 5 de maio de 1974 (agradece-se
partilha nas redes sociais)
Estamos aqui por uma
razão muito simples, mas muito importante, estamos aqui porque estamos
contentes. O dia 25 de Abril trouxe-nos a primeira alegria limpa, sã,
expontânea, de todo o bom povo português nos últimos 48 anos. Estamos a viver a
aventura de sermos livres pela primeira vez, de podermos mostrar abertamente,
sem medo, o que somos, o que pensamos, o que queremos. Numa palavra: estamos a
viver a felicidade de nos sentirmos, finalmente, homens no verdadeiro sentido
da palavra.
Amigos! Permiti que vos
dê conta de mais uma razão para o meu contentamento e para a minha presença
aqui. Eu, como cristão e como padre, estou feliz porque caiu um regime
anti-cristão, anti-democrático e anti-humano. Porque um regime que à mentira chamava verdade, às trevas
chamava luz, e, sobretudo, à opressão chamava liberdade, não era um regime
cristão, não era um regime humano.
Aliás, como cristão que
sou, e estou certo que muitos outros cristãos pensam como eu, não quero um
regime cristão para Portugal; quero sim um regime que represente todo o povo
português porque só assim poderá servir a todo o povo português.
Amigos! Não olhemos mais
para o passado. Não nos deixemos tomar do ódio nem da vingança, mesmo que
tenhamos sido - e todos fomos – agravados durante tantos anos. Sejamos
generosos! Mostremo-nos dignos da liberdade que o Movimento das Forças Armadas
nos conquistou, mas que nós próprios temos agora de consolidar através do nosso
trabalho, do nosso civismo, da nossa capacidade de escolha e das nossas opções!
Olhemos para a frente, demo-nos as mãos e, unidos, construamos todos
um Portugal mais justo, o Portugal do Futuro!
José Teodoro Prata
Este discurso de um candidato a deputado às Cortes é ficção, mas o retrato nos sugere do Portugal de há quase duzentos anos, comparando-o também com outros países da Europa de então, não andará longe da realidade:
«Meus
amigos. Aconteceu no penúltimo Verão percorrer, na comitiva de Sua Mercê o
senhor visconde de Santarém, uma grande parte de França e Áustria, países de
hereges, hoje limpos desse escorbuto. E eu vos digo o que vi e que gostaria de
ver na nossa terra. De norte a sul há estradas, riscadas a cordel e a
teodolito, de brita formando concreto com a terra à força de cilindrada. Por
semelhantes estradas novas, a que dão o nome de reais, onde não empoça a água
das chuvas e se não perde tempo em desvios e rodeios, passam magníficas seges e
malas-postas. Nas aldeias há um mestre que ensina a ler gratuitamente quem
queira e um maire que administra a
comuna com vara firme e segura. A água vem encanada das nascentes e cai por uma
bica para tanques e lavadoiros. Fontes de chafurdo, não há. É falso que tenham
posto fogo às igrejas e assado os padres nos espetos. Conversei com um e outro
e, gordos e prósperos, louvam a Deus e aos paroquianos, e estes os respeitam e
estipendiam. Outrossim, vi belas casas a servir de paços do concelho, tribunais
e outros edifícios de interesse público, cheios de imponência e da melhor
ordem. Nada vos digo sobre os costumes, mas creio que neste capítulo nós
ganhamos aos Franceses. Não que amemos a Deus melhor do que eles, mas em
matéria de guardar o dia do Senhor, eles lá só não trabalham ao domingo e não
observam mais nenhum dia santo, desdenhosos dos preceitos da Santa Madre
Igreja. Trabalham como moiros, por isso estão ricos. É Verdade! Mas como o
trabalho não é recomendação perante o Senhor e, sim, a prece, eu quero que
continuem a guardar-se no Reino todos os dias santos que marca a folhinha, e vêm
a ser uns quarenta na roda do ano, permitindo deste modo que o bom povo ouça a
missa e a homilia, sempre que se comemora um grande santo ou fasto religioso.
Não vos falo da superioridade dos Portugueses sobre os Franceses em matéria de
outros preceitos do Decálogo. Se não fosse o abuso que os frades mendicantes
fazem das casas mal guardadas de homens, dir-vos-ia que a nossa terra é na
cristandade um dos baluartes do sexto mandamento.
«Mas,
fora do domínio espiritual, eu sou pelos caminhos limpos e rectos, onde possam
passar reses, carros de lavoira e seges, e onde vacas e burras não enterrem os
jarretes e partam o pernil. Sou pela água a cair duma bica em cada aldeia,
embora ouça dizer que é mais saborosa e fresca essa que repousa nos limos da
madre e entre merugens, e tirada por um cantarinho de mergulho. Pelo menos, a
dos canos é mais limpa. Não entram para a fonte cobras nem lagartos, nem moscas
que gostam no pino do Verão de se acolher à frescura que lhes oferece o
sobrecéu de pedra das fontes cobertas com uma laja ou abobadadas. Sou por um
mestre, já não digo em cada terra, que seria ciência supérflua e perigosa, porquanto
os livros se propagam o bem também propagam o mal, mas ao menos uma escola em
cada vila onde os senhores morgados, os fidalgos e mesmo aqueles que dispõem de
alguns teres, vão aprender a ler, escrever e a fazer as contas dos gastos e
receitas de suas casas. Gostaria mais de ver malas-postas para cá e para lá,
cruzando a nossa terra, carregando abades, fidalgos e senhoras, já que a boa
gente pobre do povo não pode nem deve usar de tais luxos. E, como Sua Senhoria
o doutor Cabeça Ancha, entendo que hereges, franchutes, constitucionais devem
ser banidos do Reino para as Pedras Negras e expropriados os seus bens em
benefício de quem os der à dica e desmascarar. E, sobretudo, porque hão-de as
alçadas reais vir cá tão longe fazer soldados para a guerra? Não, três vezes
não. Têm muita soma de gente, de braços a abanar, lá pelo Sul, a quem custará
menos, depois, a voltar para suas casas, porque estão perto. Deixem-nos, que
nas nossas igrejas rezemos pala paz do rei e a vitória das suas armas, e
trabalhemos dobrado pelo engrandecimento da Nação.
«Agora,
eu vos digo – e tenham-no em vista para que não sofram decepções – representar
o Braço do Povo da nossa comarca não é legislar. Isso virá em seguida à
assembleia magna da coroação e proposição do nosso dilecto monarca D. Manuel I,
em que vos representarei, se me derdes a honra de me designar. Para essa
conjectura é que elaboro a lista das aspirações da comarca que irei levar à
Secretaria do Reino a fim de que sejam ponderadas e atendidas, na medida em que
o nosso real amo assim o julgar e o favor que lhe merecer a minha instância,
que vos prometo aturada e infatigável. Viva a monarquia absoluta! Viva D.
Miguel, rei e arcanjo!»
Retirado do livro “Casa do Escorpião” de
Aquilino Ribeiro
M. L.
Ferreira
Festival do Pão – Programa
8.00 - Arruada dos Bombos Vicentinos
8.30 – Preparação do Pão com Chouriço com as Crianças,
orientado pelo Zé Carlos
Local: Padaria Matias
9.00 – Passeio de Motorizadas nas Aldeias da Freguesia
10.30 – Jogos Tradicionais para Crianças na Praça
12.00 - Arruada dos Grupos de Concertinas Águias Vermelhas*
15.00 - Homenagem ao Senhor António Inverno
Salão Nobre da Junta de Freguesia
16.00 – Animação com os Bombos Sempre Frescos do Sobral do Campo
16.30 – Lanche com Pão com Chouriço
22.00 – Animação com DJ Rui Sargento
* Grupo onde
brilha o nosso conterrâneo Artur Teodoro
O
“Vermelho”
A
Rua Nicolau Veloso terá sido, desde sempre, uma das mais importantes vias de
entrada e saída de São Vicente. No tempo em que os meus pais lá moraram
continuava a ser ainda das ruas mais movimentadas da Vila. Desde madrugada ao sol-posto,
rua abaixo, rua acima, não se esvaziava de gente: homens e mulheres a caminho
das hortas, da ribeira ou dos pinhais; crianças para a escola, logo ali na
Praça; quem chegava ou partia na camioneta da carreira, sempre motivo de
curiosidade. Nas noites de verão enchia-se de vizinhos que fugiam da calma
dentro de casa e vinham respirar o ar fresco soprado da serra. Para nós, os
mais novos, era o mundo inteiro naquela rua.
Mas
havia dias (diziam os mais velhos que era nas voltas de lua) em que esse mundo
era perturbado por um homem que morava numa casa, mesmo ao fundo da rua.
Chamávamos-lhe o “Vermelho”. Assim que o víamos debruçado à janela, a “pregar”,
de braços levantados, tal e qual um padre nos sermões dos dias de festa, já não
saíamos de casa; se andávamos na rua, corríamos a esconde-nos na primeira porta
que encontrássemos aberta. De vez em quando espreitávamos, porque enfrentar o
medo nos dava também algum prazer e transformava em quase heróis.
Mais
ou menos por essa altura os meus avós moravam numa casa do Casal da fraga.
Foram tempos bons, os que lá passei, principalmente durante as férias grandes,
quando vinham também os meus primos da Covilhã. Trabalhávamos muito, em tudo o
que havia para fazer em casa ou na horta, mas tínhamos tempo de sobra para brincar.
“Brinquedos” também não faltavam porque tudo nos servia. Alguns dias, já mais
pela fresca, a minha prima Nela e eu íamos à Senhora da Orada com a nossa avó,
que trazia sempre alguma novena em atraso e aproveitava os dias grandes e
alguma companhia para as cumprir.
Num
desses dias, íamos já quase ao cimo da barreira, reparámos que andava um homem
a roçar mato do lado de baixo da estrada. Reconheci logo o “Vermelho” e
assustei-me, mas a minha avó tranquilizou-me: «não tenhas medo, filha, que ele
não faz mal a ninguém», e continuámos o caminho. Daí a pouco sentimos que
vinham a seguir-nos. Olhámos e era ele, de passo acelerado, a clamar, com o
podão no ar, ameaçador. A minha avó, que deve ter sentido medo por nós,
mandou-nos correr, mas nós, uma de cada lado, demos-lhe a mão e ajudámo-la a
subir. Ela só dizia: «Nossa Senhora da Orada nos ajude! Nossa Senhora da Orada
nos ajude!...» entremeando com Ave-Marias.
Passado
algum tempo sentimos que já não havia ninguém atrás de nós. Olhámos, ainda com
medo, e vimos o “Vermelho” a andar calmamente, estrada abaixo, o podão às
costas, como se não fosse nada com ele. Nós continuámos o caminho até à capela,
mas, pelo sim pelo não, à vinda metemos pelo caminho velho. Cruzámo-nos com
ele, escondido debaixo de um molho de mato, já a caminho da Vila.
A minha avó contava esta história como mais um dos muitos milagres que a Senhora da Orada lhe fez. De vez em quando ainda me lembro dela como um dos maiores sustos que apanhei na vida.
Nota: o “Vermelho”, que na verdade se chamava João, era o terror das crianças do meu tempo. Pelos vistos sem razão, porque o único perigo que constituía era ele achar que era médico e autor das cirurgias mais esquisitas que se possam imaginar. Dizem que ficou assim depois de, um dia em que teve que abrir uma sepultura para enterrar outro defunto (era coveiro), se ter deparado com um cadáver quase intacto. É possível que esse incidente também fosse fantasia, ou, a ser verdade, tenha potenciado o despoletar de um quadro de doença mental que, visto à distância de tantos anos, poderia ser algum tipo de esquizofrenia.
M. L. Ferreira
Um vaso, com o nome do artista e uma data
O objecto que aqui me traz é um
vaso.
O meu pai, João Teodoro, em certa
altura, começou a fazer vasos em cimento, revestindo os
lados com tiras de azulejos. Ficavam bonitos, com flores, partilhando o espaço com
canteiros de flores na parte fronteira da casa de família.
Alguns conservam-se ainda, mormente um, em minha casa, em Almada, de outro
feitio, um paralelepípedo há mais de 30 anos
habitado pela mesma sardinheira.
Este mesmo objecto me liga à
Senhora da Orada, de que o meu pai era devoto, acreditando nas virtudes
benfazejas da água daquela fonte. O vaso e a Senhora da
Orada dão
corpo a esta memória, que também mete o Seminário
do Tortosendo, minha escola durante quase 5 anos, dos meus 11 a 16 anos de
idade, onde se apurou a qualidade da vocação, sob o número
217.
Esta memória tem data,
registada no fundo de um vaso feito pelo meu pai.
Na qualidade de seminarista, e bom cantor,
uma competência que se esfumou com o tempo, eu participara,
com outros potenciais futuros padres, na missa da festa da Senhora da Orada, no
Maio do ano anterior - um acontecimento com nota pessoal negativa, uma vez que
o coral do Seminário do Tortosendo, finda a missa da Senhora
da Orada dali arrancou, sem participar no "festival merendário"
que por aqueles leirões se celebrava depois da missa e da procissão -
outro compromisso canoro havia a cumprir pelos infantes cantores, se não
me engano em Peraboa, Covilhã, creio na "missa nova" de um recém-ordenado-padre
da terra, que (por sinal) terá deixado de o ser poucos anos depois.
Um ano passado, nem tanto, eu já não
integrava aquele "exército seminarial". Não
por vontade própria, para que se saiba.
Aconteceu que, pelo Carnaval (Fevereiro ou
Março),
eu tinha sido expulso do Seminário.
Razões? Ao Prefeito (uma
espécie
de ministro do Interior, ou da Administração Interna do Seminário
do Tortosendo), de seu nome José G., terão ouvido dizer que,
ao praticar-se tal acto (a expulsão, entenda-se) se
tinham visto livres de um "cabecilha". Nunca consegui entender o
porquê do
cognome, nem como adquirira eu a tal dignidade, mas, enfim, que remédio!, arquivei.
Pretexto: uma carta por mim escrita, dirigida
a uma hoje senhora que todos conhecemos (com quem, por sinal, pouco ou nada
tinha falado, porque Deus me fez sobremaneira encolhido, esclareça-se,
aflitivamente tímido e envergonhado!) acho que, a tal carta, contendo umas
parvoíces
carnavalescas, achada pelo padre-Prefeito entre outros papéis, na minha mesa da
sala de estudo, na casa, numa operação de vistoria do
reverendo, como agora se diz à procura de indícios - de quê, não
sei, nem se visou apenas um ou mais residentes.
Num dos dias seguintes, lá
veio a ordem de expulsão, sem conversas e sem apelo possível,
irrevogável
portanto. Na mesma "encomenda", sem culpas próprias atribuídas, o
mano Artur, também estudante no mesmo Seminário, do 2º ou 3º ano, igualmente
expulso. Portadores, ambos, de declaração de frequência, com aproveitamento, do
último ano de estudos na instituição.
E é aí que começa a história do tal vaso, que
tem uma data escrita por baixo.
À surpresa do acontecido, pai e mãe
procuraram ser práticos. Fundamental era assegurar que não fossem para o lixo
os quase três anos de estudos do filho-cantor, o tal "cabecilha", que
assim seria se não fizesse, três meses volvidos, os exames de conclusão do
Secundário (o então 5º ano, o 9º de agora). Uns quinze dias passados, se tanto,
o ex infante-cantor subia na carreira da Auto Transportes, no Casal da Fraga,
rumo ao caminho-de-ferro, em Castelo Branco, tendo Lisboa como destino. Uma
viagem que tinha associada uma promessa do pai a Nossa Senhora da Orada.
Esqueçam-se os pormenores do ínterim; no
derradeiro do mês de Julho do mesmo ano, realizado na véspera, dia do funeral
do dr. Oliveira Salazar, o último exame do Secundário no Liceu Camões, em
Lisboa, voltei para S. Vicente; dali a poucos dias, pai e mãe sabiam que havia
uma promessa a ser paga a Nossa Senhora da Orada.
Só então eu soube que, por cima do cano da água da fonte, ia ser colocado um vaso, feito em cimento pelo meu pai, decorado lateralmente com pedaços de azulejos, fabricado, por devoção, para aquele fim. Por baixo, o homem que não sabia ler e somente sabia "fazer" o nome, escreveu as iniciais do seu nome, J. T., e por baixo, uma data, 1970.
José Miguel Teodoro
(Escrito em 19 de Maio de 2024, enquanto
decorria, na Senhora da Orada, a 3ª sessão de "Conta-me histórias", onde eu iria contar esta história. Concluído às 17:35H).