quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Cantar as Janeiras

https://www.facebook.com/zemanel.santos.1485/videos/616414840758419

 As Janeiras cantavam-se e ainda se cantam, no mês de janeiro. Os cantores, grupo de amigos ou membros de uma instituição (por exemplo a Ordem Terceira, este ano) vão de porta em porta cantar as Janeiras, na expetativa de receber alguma paga.

As quadras que se seguem são de uma recolha realizada por Maria Isabel dos Santos Teodoro e publicadas no seu livro Etnografia de S. Vicente da Beira (e Arredores), editado em 2022.


Em cada quadra, repetem-se os versos terceiro e quarto (bis). As reticências (...), quando existem, assinalam o local em que se deve cantar o nome da pessoa, variável conforme a pessoa a quem os cantores se dirigem. Os cantores cantavam algumas ou todas estas quadras e/ou outras que achassem conveniente.

 

Refrão

Glória a Deus dizem os Anjos

Todos cheios de alegria

Já nasceu o Deus Menino

Filho da Virgem Maria

 

Inda agora aqui cheguei

Pus o pé numa escada

Logo o meu coração disse

Aqui mora gente honrada

 

S. José se levantou

Uma vela s´acendeu

Pr´adorar o Deus Menino

Que à meia-noite nasceu

 

De quem é aquele chapéu

Que além está dependurado?

Ai é do menino…

Que é um homem muito honrado

 

De quem é aquele anel

Que além está a luzir?

Ai é da senhora…

Que pró céu vai a subir

 

De quem é aquela tesoura

Que está de cima daquela cadeira?

Ai é da menina…

Que é uma bela costureira

 

Menina …

Meu raminho de salsa crua

Quando sai de sua casa

Alumia toda a rua

 

Viva lá menina…

Meu raminho de oliveira

Ainda anda neste mundo

Já no céu tem a cadeira

 

Levante-se sra. Maria…

Desse banquinho de cortiça

Venha-nos dar as Janeiras

Uma morcela ou uma chouriça

 

Levante-se sr.…

Desse banquinho de prata

Venha-nos dar as Janeiras

Que está um frio que mata

 

Esta casa está caiada

Do telhado até ao chão

Aos senhores que aqui moram

Deus lhes dê a salvação

 

Os donos da casa abriam a porta e ofereciam aos cantores filhós, chouriças, vinho, etc. Depois cantavam:

 

Despedida, despedida

Despedida vamos dar

Deus queira que daqui a um ano

Cá tornemos a voltar

 

Se não lhes abrissem a porta, cantavam:

 

Trinca martelos

Torna a trincar

Este barbas de chibo

Não tem nada pra nos dar

 

José Teodoro Prata

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Os nossos avós eram cientistas

A minha mãe (digo mãe porque ao pai cabia ganhar dinheiro para o sustento da família) semeava o milho de uma forma que comecei a considerar anárquica, quando cresci e julgava que sabia tudo.

Milho, feijão grande (de trepar) e botelhas, tudo misturado. As botelhas estendiam-se pelo cultivo, com os seus longos braços. O milho dava jeito ao feijão, que trepava por ele acima, dispensando as empas. Na colheita, tínhamos grão de milho para as galinhas, folhas de milho para as cabras, feijão para comer, verde ou seco, e botelhas para a sopa e para o porco. Uma fartura!

Mas eu, conforme crescia, ia achando aquela mistura incorreta e eventualmente menos produtiva, pois os modernos métodos de cultivo separavam todas as plantas e modernidade seria sinónimo de sabedoria.

Até que ontem, um documentário que passa na RTP 2 à hora dos noticiários, “As Américas antes de 1491” me deixou de boca aberta. O milho foi domesticado na América Central, há 10 000 anos. Os Maias cultivavam-no à mistura com o feijão, a pimenta de chili e as abóboras. As plantas apoiavam-se umas às outras, por exemplo o feijão enriquecia a terra com nitrogénio, ajudando o milho a crescer.

Exatamente como a minha mãe fazia! O mesmo método de cultivo durante milhares de anos! Será que as vantagens da mistura foram sendo descobertas pelos nossos antepassados ou elas passaram da América para a Europa, nos testemunhos orais de quem o trouxe nos barcos comerciais?

Os nossos avós eram mesmo cientistas! Criaram saber científico antes ainda de haver Ciência (séc. XVII) ou de saber que ela existia (séc. XX).

E conheciam as vantagens da biodiversidade na Natureza, coisa que os humanos atuais tanto ignoram, seja a diversidade animal, vegetal ou humana.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Orfeão em São Vicente

Sala cheia, boa atuação do Orfeão de Castelo Branco. Parabéns à Junta pela mobilização. Sem ela, nada se faz. Para que as pessoas participem (neste ou noutros eventos), parece que tem de se refazer uma ligação social, restabelecer o que parece esquecido.
O único senão é que o único local ideal para eventos deste tipo é mesmo a Igreja Matriz. A sua acústica é excelente e tem outras vantagens. Mas...
Não esquecer que a este orfeão pertence o nosso Joaquim Trindade dos Santos!

José Teodoro Prata

sábado, 18 de janeiro de 2025

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Com esta postagem, concluo a publicação de informação de todos os combatentes da freguesia de São Vicente da Beira que participaram na I Guerra Mundial (1914-18), no cenário europeu ou em África (Angola e Moçambique). A recolha foi realizada pela Maria Libânia Ferreira e publicada no livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra, editado em 2018. Fica assim online toda a informação que conseguimos obter sobre cada um deles.

 Silvestre Serra

Silvestre Serra nasceu no dia 26 de julho de 1893. Era filho de Luciano Serra e Ana Bárbara, jornaleiros, residentes no Casal da Serra.

Mobilizado para fazer parte do CEP, embarcou para França, no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 7.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2.º Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado n.º 639 e placa de identidade n.º 9544-A.

Sobre o período em que esteve em França, o seu boletim individual refere apenas o seguinte:

a)   Baixa ao hospital, em 8 de maio de 1918;

b)   Licença em 12 de junho de 1918, por um período de 30 dias;

c)    Baixa à Ambulância n.º 3, em 30 de setembro; alta em 6 de outubro, a fim de ser repatriado;

d)   Embarcou para Portugal, a bordo do navio Gil Eanes, no dia 12 de outubro de 1918.

Silvestre Serra vinha muito doente quando chegou a Portugal. Mesmo assim, dizem que veio sozinho de comboio, de Lisboa à terra, e teve que fazer o caminho todo a pé, desde Castelo Novo até ao Casal da Serra. Contam que, quando chegou ao Cavaco, lugar onde a família morava e que fica ainda mais acima do Casal da Serra, na encosta da Gardunha, vinha quase a desfalecer. Antes de entrar em casa, ainda foi espreitar o curral do porco e das vacas, e só depois subiu as escadas do balcão, já muito a custo, e sentou-se em cima duma arca que havia logo à entrada da sala. A mãe, quando encarou com ele, mal queria crer que era o seu filho, de tão desfigurado que estava. Mas assim que caiu em si, deu tantos gritos que toda a vizinhança acorreu, a ver o que se passava.

Silvestre Serra já pouco saiu de casa. Morreu a 16 de novembro de 1918, um mês após ter regressado a Portugal. Tinha 25 anos de idade. Dizem que a mãe ficou cega de tantas lágrimas chorar.

(Pesquisa feita com a colaboração de vários moradores do Casal da Serra, que se lembram de ouvir contar…)

Maria Libânia Ferreira

Do livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

domingo, 12 de janeiro de 2025

Os Ribeiro Robles

 

Ribeiro é português, mas Robles é castelhano e significa Carvalho. Os Robles chegaram a São Vicente da Beira na sequência do incremento industrial promovido pelo Marquês de Pombal. Este criou uma fábrica de lanifícios na Covilhã, onde atualmente se situa o Museu dos Lanifícios, bem no coração da UBI. E também se preocupou com a modernização dos processos e técnicas de fabrico, contratando para isso técnicos estrangeiros.

Um deles veio de Béjar, cidade espanhola localizada relativamente perto da nossa raia, e chamava-se João António Robles (casado com Belchior Gomes). Teve um filho, Bernardo António Robles que casou com uma Ribeiro de São Vicente da Beira. Nessa época, esta antiga sede de concelho era um dos polos industriais mais importantes do atual concelho de Castelo Branco, tendo inclusive uma fábrica de fiação ligada à fábrica da Covilhã, orientada também por técnicos estrangeiros.

Os seus descendentes ganharam assim os apelidos Ribeiro Robles e foram muito importantes nesta Vila, durante o século XIX e início do século XX: vários secretários da Câmara, uma professora do ensino elementar, um provedor da Misericórdia… e este Roberto da foto, que foi enfermeiro do Hospital da Misericórdia de São Vicente e depois seguiu a vida militar, decisão que lhe seria fatal, pois veio doente de França, na Primeira Guerra Mundial, morrendo precocemente aos 44 anos, da tuberculose renal que lá tinha contraído.

Outro Robles foi o conhecido ator Robles Monteiro. Casou com Amélia Rey Colaço e juntos formaram a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. À sua filha deram o nome Mariana (Rey Monteiro), nome da mãe do ator (Marianna Ribeiro Robles). Estudou no Colégio de São Fiel e no Seminário da Guarda, onde o aconselharam a seguir antes as artes do palco.

Há poucos meses, um Robles apresentou-se na Misericórdia de São Vicente com mais de uma dúzia de inscrições para irmãos dos muitos Robles espalhados pelo país. Um gesto bonito!

José Teodoro Prata

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Roberto Ribeiro Robles


Roberto Ribeiro Robles nasceu em São Vicente da Beira, no dia 20 de julho de 1888. Era filho de Bernardo António Robles, ferrador, e de Sabina da Conceição, moradores na rua Velha. 

Para além da instrução primária, terá feito alguma formação na área da saúde, porque, segundo consta no registo de batismo de uma sobrinha de quem foi padrinho em 1905, tinha a profissão de enfermeiro do Hospital da Misericórdia de São Vicente.

Alistou-se como voluntário no Batalhão de Caçadores n.º 6 de Castelo Branco, em 1 setembro de 1906, e ali terá feito o curso de habilitação para 1.º Sargento das Escolas Regimentais.

Em Março de 1909, foi destacado para fazer serviço na província de Angola; regressou em Maio de 1910. Em Janeiro de 1911, fez parte do batalhão destacado para a ilha da Madeira, para ajudar a coadjuvar as autoridades locais na debelação duma epidemia de cólera-murbus. Regressou ao continente em 27 de Março.

Estaria colocado em Lamego em 20 de Julho de 1917, data em que foi deslocado para o Regimento de Infantaria n.º 19, em Chaves, por ordem da Secretaria da Guerra, onde ficou com o n.º 590 e na 9.ª Companhia. Em agosto desse ano, foi promovido a Alferes e colocado no Regimento de Infantaria 21.  

Fez parte do CEP e partiu para França, via terrestre, em 15 de novembro de 1917 (tinha acabado de ser pai do segundo filho), integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21. Chegou a Paris no dia 18 do mesmo mês.

Sobre este período, o seu boletim individual do CEP refere o seguinte:

a)     Colocado no Batalhão de Infantaria 21, em 27 de novembro de 1917;

b)     Baixa ao hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, no dia 14 de abril de             1918; alta a 20 de maio;

c)     Licença de 60 dias para gozar em Portugal, a partir de 21 de maio. Em Lisboa foi sujeito a nova avaliação médica, no Hospital Militar Provisório, tendo-lhe sido concedidos mais 20 dias de licença para tratamentos;

d)     Embarcou novamente para França, a 16 de setembro, chegando a Brest três dias depois, e aumentado à sua unidade;

e)     Abatido ao efetivo do seu batalhão em 20/9/1918, por ter sido transferido para o Depósito de Infantaria.


Regressou a Portugal a 30 de maio de 1919 e passou ao Regimento de Infantaria 16, em 28 de junho. Desempenhou depois o cargo de Secretário Interino do Presídio Militar de Santarém e foi promovido a Tenente, por despacho de 1 de dezembro de 1921. Em 18 de setembro de 1926 passou ao quadro de adidos e, em julho de 1927, foi transferido para o Batalhão de Ciclistas n.º 2. Em 30 de setembro de 1929, foi considerado supranumerário permanente.

Condecorações e louvores:

·        Medalha Militar de Cobre da classe de comportamento exemplar, em 21/11/ 1910;

·        Louvado pela muita dedicação, zelo e inteligência com que desempenhou os diversos serviços que lhe foram confiados, quando fazia parte do Destacamento de Contacto n.º 3, em Terras do Bouro, a 30/11/1911;

·        Premiado no tiro com a espingarda em uso no exército, no ano de 1912;

·        Medalha Militar de Prata da classe de comportamento exemplar, em 30 de março de 1918;

·        Medalha de Prata comemorativa da campanha de Portugal em França, com a legenda França 1917 - 1918, atribuída em 30/11/1918;

·        Medalha da Vitória, em 27 de novembro 1919;

·        Medalha de Louvor da Cruz Vermelha, em 31 de maio 1922;

·        Louvor «… pela dedicação, muita inteligência e boa vontade com que sempre desempenhou o serviço de que foi encarregado, muito especialmente pelo desempenho do cargo de ajudante interino do Regimento nº 8.» (processo militar individual);

·        Louvado pela competência com que levou a cabo a organização da Secretaria Regimental anterior a 1919.



Por ter tomado parte na ação que deu lugar à condecoração do Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 22 com a Cruz de Guerra de 1.ª classe, teve direito, nos termos do art.º 23 do regulamento das ordens militares portuguesas, ao uso do respetivo distintivo.

Família:

Antes de ser mobilizado para França, Roberto Ribeiro Robles já tinha casado com Palmira Lopes Leal, na freguesia de Salvador, Santarém, no dia 5 de maio de 1915. O casal teve 2 filhos:

1.   Fernando Leal Robles (também seguiu a carreira militar), que casou com Nair Júlia de Pinho Colaço Robles e tiveram 1 filho;

2.     Roberto Leal Robles (nasceu em São Vicente da Beira, onde os seus pais residiam acidentalmente, no dia 7 de outubro de 1917). Casou, na cidade de Chaves, com Gabriela Figueiredo e tiveram 1 filho.

Roberto Ribeiro Robles não terá mantido um contacto muito próximo com a terra, nos últimos anos de vida. Talvez por isso, mas sobretudo porque morreu muito novo, não haja muitas memórias dele em São Vicente. Faleceu de tuberculose renal, que terá sido adquirida durante a sua estadia em França, em 14 março 1932. Tinha apenas 44 anos.


(Pesquisa feita com a colaboração de Maria Teresa Nobre Monteiro Barroso, prima de Roberto Ribeiro Robles e Ana Maria Robles, esposa de um dos seus netos)

Maria Libânia Ferreira

Do livro Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra