segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Partidas de Natal


No meu tempo era a rapaziada que ia dar o nome nesse ano que se ocupava da fogueira. Pediam a quem tinha oliveiras, ou castanheiros, ou pinheiros velhos, e aos domingos de manhã iam cortá-los e acarretá-los para a Praça. E quando não tinham lenha que chegasse para armar uma fogueira como é dado, iam de noite roubá-la onde quer que a houvesse.
Foi o que aconteceu no meu ano. Chegou-se quase às vésperas do dia de Natal e o monte de lenha não era grande coisa. Já andavam até a murmurar que a fogueira ia ser fraca. E nós cheios de vergonha! Reunimo-nos todos e resolvemos que nessa noite havíamos de arranjar mais uma carrada de lenha, desse lá para onde desse. Um deles disse logo que na Devesa havia muita. O pior era arranjar um carro de bois, assim, à última da hora. Eu, que não era homem para me atrapalhar, disse logo:
- Deixai estar que do transporte trato eu. Ide lá para a frente que já lá vou a ter convosco.
Fui ao palheiro do pai da minha cachopa, peguei na junta de bois, aparelhei-a ao carro e fui ter com eles.
Arranjámos uma carrada tão grande de oliveiras e pinheiros que as vacas viram-se negras para subir a barreira. Mas o pior foi quando estávamos a descarregar; não sei como é que foi, o carro virou-se e o tiro partiu-se.
Àquela hora da noite estava tudo a dormir e não tínhamos ninguém que nos valesse. Não tive outro remédio que esperar pela manhã e ir a casa do ti Guilhermino e contar-lhe o sucedido. Ele até ficou amarelo e ainda quis, a modos, que ralhar comigo; mas a Ti Mari Zé voltou-se para ele e disse-lhe logo:
- Já não te alembras das partidas que fazias quando eras novo, pois não? E os teus filhos? Olha que também pregam das boas…
Doutra vez, já estava casado, saímos da Missa do Galo e fiquei eu, o meu sogro e o meu cunhado João à roda da fogueira. Às tantas, o velho começa a provocar:
- Esta rapaziada d’agora não tem planta nenhuma. Havia de ser no meu tempo e as galinhas e chouriças que já estavam a assar. Até a gente se lembia só com o cheiro!
E nunca mais se calava com aquilo. Tanto arrazoou que o meu cunhado puxa-me por um braço e diz-me assim:
- Anda cá que a gente já o chapa.
Fomos os dois ao capoeiro onde ele tinha as galinhas e pegámos na primeira que nos veio à mão. Metemos-lhe a cabeça debaixo da asa, e fomos direitos à taberna da Viúva, com ela debaixo do casaco. No fim, já assadinha, chamámos o Ti Guilhermino e foi comer e beber até às tantas. Até lhe lambemos os beiços.
Ao outro dia é que foram elas! A minha sogra tinha ido dar de comer à criação e deu por falta da galinha mais gorda e que mais ovos punha. Contou-o ao homem e ele viu logo quem tinha sido.
- Deixai estar, meus malandros, que haveis de ma pagar bem paga!
E a Ti Mari Zé:
- Não fazei caso do que ele diz, que no tempo dele até cabritos chegou a roubar!
Ontem fui à Vila, passei pela Praça e vi que a fogueira já está composta. Mas achei estranhos aqueles madeiros, tão diferentes dos de antigamente. Disseram-me que eram das árvores da Estrada Nova que tinham andado a cortar, a torto e a direito…
Haveria necessidade?

M. L. Ferreira

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

À volta dumas castanhas


(…) No ar pairava o cheiro a castanhas assadas, as trempes suportavam o assador de barro que as ia assando. De vez em quando ouvia-se um estalido, era uma castanha que rebentava, não tinha levado o corte e inchava. Às vezes fazia-se propositadamente e de vez em quando uma explodia nas mãos ou rebentava na boca, todos se riam.
- É com grande satisfação, alegria e prazer que vos recebo na minha humilde casa; espero que se sintam confortáveis durante o nosso serão.
- Meus filhos, fiz questão de comparecer, apesar dos muitos afazeres que tenho - Governar o Universo não é fácil-:deixei o Pedro tomando conta…
Sendo assim, e antes de entrarmos no assunto que os trouxe à minha casa, é com grande prazer que que vos ofereço estas castanhas acabadinhas de assar acompanhadas com jeropiga oferecida pelo nosso amigo Pensamento, espero que esta reunião seja a primeira de muitas…
- São boas; a jeropiga, uma pomada… Costumamos dizer, “mesa levantada, companhia desfeita”. Connosco não vai acontecer, demos início ao serão, passo a palavra ao nosso Criador.
- Meus filhos, não me vou alongar, é um enorme prazer estar aqui nesta noite fria com tão ilustrada companhia, vejo o primeiro Homem e a primeira Mulher. Apesar de me terem desobedecido nunca os abandonei. A Cobra aqui presente manhosa, sub-repticiamente tentou-os e eles não resistiram, a caixa de Pandora abriu-se… vejo a Virtude, a Paciência, a Verdade, a Prudência, lado a lado com a Mentira, o Refilão, o Orgulhoso, o Vaidoso… e todos vós: quero recordar-vos aqui e agora. Sois meus filhos, uns seguiram o caminho da justiça, da retidão, da paz e do amor, há os que enveredaram por outros rumos, outros caminhos. A esses estou sempre disposto a perdoar e a recebe-los quando quiserem regressar ao meu convívio
Todos vós, certamente tendes algo a dizer, por isso não me quero alongar…
- Pouco ou nada temos a acrescentar àquilo que disse nosso Pai, deixo somente um repto a todos os presentes; é o seguinte: Antes da Tentadora “que se encontra enroscada naquele caibro” tínhamos uma qualidade de vida excepcional, não necessitávamos de nos preocupar com coisíssima nenhuma, nada nos faltava, a felicidade era total. Doença, frio, calor, medos…eram desconhecidos, não existia passado nem futuro, temores, inquietações, receios ou sobressaltos, não era necessário medir o tempo, nossa alma exultava de contentamento, de júbilo, tudo fluía com normalidade, nunca nos passou pela cabeça aproximarmo-nos da árvore, para quê!... Naquele fatídico dia tudo se desmoronou, aquela que está além manhosamente deu-nos a volta.
- Abri-vos os olhos: verdade! A ciência, a aventura, as descobertas diárias e tudo o mais que conheceis. À vossa frente surgiram uma panóplia de coisas que até aquele momento eram desconhecidas, a vossa inteligência passou a ter horizontes mais vastos., com essas descobertas e novas realidades passaram a poder optar por aquilo que vos é mais favorável.
- Falas bem, mas antes de tu nos tentares não precisávamos de nos preocupar com nada; o mundo encontrava-se à nossa disposição, entendíamos os animais, eram nossos amigos; a partir daquele momento passaram a ser nossos inimigos, para sobrevivermos num mundo hostil, passámos a trabalhar, a arranjar artimanhas…
A vida a partir desse momento começou a ter outro sentido para vós, é ou não é verdade! Sabe bem ver o vosso trabalho recompensado. Através do esforço tirais da terra a vossa alimentação. Quando os bens vos caem de mão beijada…
Era uma realidade desconhecida para nós, portanto não nos fazia falta.
Faz-nos alguma falta o que será real daqui a duzentos anos! Certamente não, não sabemos nada sobre essas realidades futuras. Se não tivesses aparecido para nos tentares, o mundo terreno seria bem diferente, mas pronto.
- Estou cá com uma moleza!
- És assim, mole. Deixem a Moleza em paz, não tem culpa, nada a fazer, é a sua natureza. Reparem na Apatia, estão bem uma para a outra completamente nas nuvens: não dizes nada! O que é que quereis que eu diga? Escuto-vos… Pareces uma pasmada.
- Não digas mal, é uma pobre de Cristo: não se compara à Vontade, juntamente com a Força de vontade não lhes escapa nada, juntas vencem os perigos que encontram pelo caminho. Não é bem assim, às vezes a vontade que tenho para realizar algo não é nenhuma, sou obrigada. Força, quantas vezes te usam para destruir … Quando me junto ao Fogo levo tudo à frente.
- Tenho estado pacientemente a escutar-vos, concordo com quase tudo o que ouvi, mas …
Adão e Eva, não tiveram culpa daquilo que aconteceu, se nosso Pai quisesse teria impedido, não o fez. Julgo que o mundo seria uma pasmaceira, não havia incentivos para nada, as coisas estavam à mão de semear, com a Tentadora todos nós passámos a ter que lutar pela vida. A Moleza é assim porque é; a Apatia igualmente. Tudo o que existe tem a sua importância, é uma questão de escolha. Vocês não imaginam a paciência que tenho tido para conseguir compreender a atitude que teve um dos vossos filhos, o Caim. Aquela inveja toda, tanto ódio de estimação acumulado que descambou numa morte terrível, desde o princípio do mundo, o Homem nunca se entendeu, está no sangue.
Para terminar, queria deixar pairando um ponto de interrogação: ainda não há muito tempo um investigador chegou à conclusão que o Homem descende do macaco. Que tendes a dizer sobre isso?
- Sabemos que a vida apareceu primeiramente nas águas. Fomos moldados com terra e água, então…
A Mentira pediu para falar: cá para mim tudo isto é um grande mistério, todas as coisas viventes ou não tiveram que ter um inventor, o autor é a Luz brilhante que nos tem acompanhado nesta tertúlia, só Ele é o Senhor, o criador de todas as coisas.
A minha alma está parva, o Mentiroso a falar desta maneira. Não dizeis que se uma pessoa quiser pode-se modificar! Deixem-se de tretas; Amigo, ainda há para aí umas castanhitas! A jeropiga é cá uma pomada…
Já passei pelas brasas, não tenho paciência para vos aturar, só me sinto bem quando estou a refilar, discordo de tudo o que ouvi, é a minha natureza. Ó Refilão, porque não experimentas imitar a Mentira…
- É uma fraca; onde é que já se viu a Mentira dizer verdades? Vão ver, à primeira cavadela, minhoca.
A Verdade dói; é como um punhal cravado no corpo, mas, gosto das coisas limpas, com lisura, sem qualquer alinhavo ou remendo, sou a Verdade. Quem diz a verdade, não merece castigo. Ser verdadeiro é ser transparente, sem rabos-de-palha, a verdade acima de tudo. Estais para aí com essas lucubrações todas, mas se eu quiser acabo com muitos de vós num instante, é só apagar a Memória e já está.
- Ó Alzheimer, deixa a Memória em paz, mete-te na tua vida, trata dos teus assuntos, já viste o mal que podes fazer à humanidade se quiseres? Deixa as pessoas sossegadas até ao fim dos seus dias, os estragos que podes causar são irreversíveis, não têm retorno. Nunca entraste certamente num lar da terceira idade onde vivem os nossos maiores, a maior parte daquelas pessoas estão à espera que a Morte chegue, não sabem onde se encontram, não conseguem cuidar de si, onde as sentam, ficam: uma tristeza. Entra numa dessas salas, depois conta-me o que viste.
- Sou assim
- Podes-te modificar.
- Isso não, és tão ou mais refilão que o Refilão, és um rufia.
Sei que um dia o Homem me vencerá, mas enquanto esse dia não chegar continuarei a fazer das minhas; a Memória que se cuide.
- Já viram como ele é!
Não há nada a fazer, temos que ter paciência e esperar que o Criador ilumine o Homem para que ele possa descobrir a cura e o afastar de vez….
Agradeço a presença de todos, principalmente a nosso Pai.
O ambiente da tua casa, Amigo, inspira-nos. Venham ver o espectáculo, a neve cai, a paisagem está imaculada.
- Antes de partir, peço que continueis a confiar em Mim, a minha misericórdia é infinita. Amo-vos.
Olhem; partiu
Assim Seja.


J.M.S.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Jornadas de Medicina, 2015




Este ano, apresentei um trabalho intitulado 
"Demografia em tempo de guerra, São Vicente da Beira, 1801-1821". 
Será publicado nos Cadernos de Cultura, nas jornadas do próximo outono.
O gráfico acima apresentado refere-se aos registos de batismos e óbitos da nossa freguesia, 
quase todos já publicados neste blogue. 
A minha intervenção baseou-se neste gráfico e noutros dois referentes aos casamentos.

José Teodoro Prata

domingo, 29 de novembro de 2015

José Fernandes

José Moreira Fernandes, o ”Zé Taleta”, foi sempre um amante do atletismo. Ao longo da sua vida, participou em corridas nos mais diversos locais de Portugal, competindo taco a taco com atletas de muitos clubes.
Na sua casa existem centenas de troféus e medalhas que foi conquistando ao longo da sua carreira. Começou a correr no saudoso Sport Clube São Vicente da Beira, passou por vários clubes:-Setúbal, Covilhã, Silvares…, atualmente, como veterano, corre no Grupo Desportivo dos Pereiros.
Franzino, qual papa-léguas; o Zé corre, corre…, nas Beiras há poucos como ele. Ficar em primeiro lugar foi sempre o seu objetivo, caso não acontecesse ficaria perto. Veloz, as distâncias vence-as com uma facilidade tremenda. Juntamente com seu irmão Luís, fazem uma boa dupla ”apesar de não ser tão rápido”. No seu escalão ainda não é qualquer um que o vence.







J. M. S.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Francisco Caldeira



Francisco Caldeira Leytam de Brito Monis Albuquerque, da Sertã, casou, em São Vicente da Beira, no dia 5 de dezembro de 1768, com a vicentina Dona Ignes Caetana de Morais Sarmento e Andrade, filha de Manoel Caetano de Morais Sarmento, capitão-mor do concelho.
Depressa o genro lhe sucedeu no cargo.
O casamento realizou-se por procuração de ambos os noivos. As bençãos e a consumação do casamento terão ocorrido em Janeiro, pois estávamos no Advento, tempo interdito a este tipo de "festejo".
Possivelmente com as terras herdadas pela sua esposa, terá Francisco Caldeira formado a Quinta Nova, que ele, ou seus descendentes, mandou murar.
Poucos anos após o casamento, Francisco Caldeira pediu ao rei D. José autorização para fazer a canada dos Carquejais (documento já aqui publicado), a fim de que o seu gado pudesse circular livremente entre a quinta e as Lameiras, de onde já nessa altura trazia a água para regar a quinta.
O seu filho Gonçalo casou com a herdeira da casa senhorial da Borralha, Águeda, e o neto, também chamado Francisco Caldeira, recebeu de D. Maria II o título de visconde da Borralha, recebendo o bisneto Gonçalo Caldeira o título de conde. Por isso chamamos à Quinta Nova a quinta da Casa Conde.
Terá sido o 1.º visconde ou o 2.º conde (1878-1946), ambos chamados Francisco Caldeira, a dar o nome ao nosso largo da Fonte Velha.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Ainda o passeio: Pedras que falam


Bem longe dos luxos arquitetónicos das casas de famílias que ficaram na história da nossa terra (os Costas, os Cunhas e alguns outros), estas paredes são o que resta da casa onde a Ti Ana Prata e o Ti Miguel Rodrigues viveram e criaram os muitos filhos que tiveram.
À esquerda, o forno resistiu ao trabalho de matar a fome a tantas bocas, e continua de pé, pronto a receber mais fornadas de pão.
Mesmo em ruínas, foi uma emoção olhar para aquelas pedras e imaginar as histórias que contariam, se falassem…


M. L. Ferreira

sábado, 21 de novembro de 2015

Abelhas asiáticas?

São enormes, acastanhadas à frente e amareladas atrás, “asiáticas certamente”. Ao aproximar-me da oliveira para cortar os ladrões e estender o fato, de uma taloca saiu um “batalhão”. Fugi a sete pés, uma delas ferrou entre o olho direito e a sobrancelha ”ainda me doi”, são dores…, lama, medo, aguentei. Com o pulverizador ,“xeriguei” gasolina para dentro da taloca, “conselho do meu cunhado Carlos” e consegui destruir o ninho.






JMS