domingo, 9 de maio de 2021

Boletim agrícola

 Pequenos nadas

Há anos escrevi aqui sobre o facto de o sr. Francisco Ventura produzir produtos hortícolas ao longo de todo o ano. Tal deve-se à sua experiência angolana, onde viveu. Também alguns dos meus vizinhos, todos oriundos do campo, conseguiam produções fora de época.

Depois de várias tentativas, julgo ter encontrado a fórmula: as cebolas plantam-se no outono (já vi molhos de cebolo à venda no Natal), mas só entram em pleno desenvolvimento com os primeiros calores de março. Agora, fins de abril e maio, estão prontas a comer, dispensando-nos de comprar aquelas cebolas meio ressequidas por tantos meses em câmaras frigoríficas. Mas atenção: o sítio da plantação tem de ser soalheiro e sem sombras!

O mesmo se passa com as beterrabas e os alhos-porros. Aquelas semeei-as em canteiro no outono e transplantei-as no início de março. Para completar o lanço, comprei outras tantas, ainda pequeninas: umas e outras já têm a cabeça grossa! Os alhos-porros plantei-os também no outono e já ando a comer deles, aliás, em vários já brotaram as flores. Quanto a estes, um segredo que aprendi numa visita de estudo às hortas urbanas da Câmara de C. Branco: conforme vão crescendo, vai-se aterrando sempre o caule, mas deixando o olho de fora; resultado: a parte branca do caule fica tanto mais longa quanto mais taparmos o caule; mas a distância entre cada fila de alhos tem de ser bem maior do que com as cebolas, para termos espaço e terra para ir aterrando os caules (este ano tenho-me visto aflito para realizar este trabalho, pois deixei-os muito juntos).

Também para alhos e beterrabas, a mesma regra de ouro: plantar em sítio soalheiro e sem sombras. Ter boas produções em junho/julho, é relativamente fácil; tê-las em abril/maio, exige certos cuidados!

Boas produções!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Os nomes das nossas ruas

Terras de heróis anónimos. Quase sempre homens e mulheres de unhas encardidas e mãos calejadas assim que começavam a ser gente. Uma vida a trabalhar de sol a sol para tirar da terra o sustento dos muitos filhos que Deus lhes dava e tantas vezes lhes levava, mal eram postos no mundo ou no correr da infância, mortos de fome. A melhor fatia do que produziam mal dava para pagarem as rendas àqueles que, por uma ordem social e moral velha, que ninguém contestava, se diziam donos delas. Não ficaram para a História imortalizados no nome de uma rua ou de uma praça. É natural, não haveria ruas nem praças que chegassem para escrever os nomes de tanta gente.

Mas deixaram pegadas por todo o lado que são testemunhos da sua passagem por estas terras. Não precisamos de estender muito o olhar para descobrirmos a herança generosa que nos legaram. É por isso que, com frequência, sinto que os nomes das ruas e lugares das várias povoações da nossa freguesia, não sendo de gente ilustre, são memoriais ao trabalho heroico dos nossos antepassados, incluindo os nossos pais e avós, os que nos estão mais próximos.

Certamente porque a História e a Geografia, mas sobretudo o modo de vida, as necessidades, as ambições e as crenças são comuns, os nomes das ruas, repetem-se ou assemelham-se muitas vezes nas várias aldeias da Freguesia: Rua da Eira, Rua da Fonte, Rua do Forno, Rua do Lagar, Rua da Barroca, Ruas dos Olivais, Rua da Igreja… Constatei isso ao percorrê-las:

 

Casal da Serra

«A aldeia era uma rua inclinada de poente para nascente. Semelhava uma cobra rabiscada por mão de criança. Dela se separam algumas ruelas. Em maior número para norte. Para Sul apenas duas, porque o declive era abismal…» (Albano de Matos, em “A casa Grande”).

Esta rua chama-se agora Rua da Fonte. Registos antigos dizem que já se chamou Rua do Forno, por referência a um forno, propriedade da Casa Grande, gente rica, dona de quase todas as terras ali à roda. O forno era particular, mas, em alguns dias, estava ao serviço da população.

Dela, sobem agora a Rua do Forno, a Rua da Capela, a Rua da Barreira, a Rua da Barragem e a Rua do Lagar.

De todas, a Rua da Lagariça, também para norte, é a que melhor testemunha a presença humana, desde há muito tempo, naquele lugar. As lagariças eram pequenos lagares escavados na rocha, onde se espremiam as uvas e fazia o vinho de forma bastante simples. Terão existido muitas na região da Beira Baixa. Algumas desapareceram, mas as que restam são consideradas pontos de interesse para os locais onde se situam. A do Casal da Serra foi coberta por uma camada de cimento…

Para Sul, correm a Rua da Ribeira, a Rua da Graça e a Rua Da Eira.

Neste conjunto de casas, a construção mais pequena, ao centro, terá sido a primeira habitação da família Simão Candeias. Foi ali que, mais tarde, funcionou também a primeira escola do Casal da Serra.

 

A eira que dá nome à rua ainda existe, à direita das casas, e está capaz de receber uma malha. Assim haja trigo, centeio e cevada, e braços fortes para levantar o mangual.  

 

Paradanta


A origem do nome da povoação - pedra de anta, de acordo com informação do José Teodoro - sugere que o lugar será habitado desde há muito. Pouco mais que a Rua Principal, empoleirada na crista de uma elevação que corre no vale, de norte para sul. Meio escondida, surpreende quem por lá passa.

Nasceram-lhe outras duas, pequeninas, quase ao fundo: a Rua da Tapada, para oeste, e a Rua da Fonte, para leste. 

Até há relativamente poucos anos era esta fonte que abastecia a povoação. A água é tão boa, que mesmo quem já não mora na terra ainda lá vai bebê-la e levá-la para casa. O local, junto duma cascata na ribeira, vale uma visita, pela frescura da água e pela beleza e tranquilidade do lugar.

 

Vale de Figueiras

 

Conta-se que o primeiro habitante do Vale de Figueiras veio desterrado de longe por ter matado um pinto de uma mulher rica e avarenta. Já lá irão muitos anos, mas há quem afirme que ainda existem vestígios da casa onde viveu, perto da ribeira. Verdade ou não, as ruínas de algumas habitações e a arquitetura de outras que ainda se aguentam de pé, falam bem da antiguidade do Lugar. Infelizmente falam também do despovoamento.

 

  A justificar o nome da povoação estará o facto de ter nascido no vale da ribeira, num local onde cresceriam algumas figueiras. Trepou depois, encosta acima, como um presépio nos postais de natal; primeiro numa das margens, depois ao longo da outra (talvez nas duas ao mesmo tempo…).

Para além da Rua da Escola, a Rua da Capela, a Rua do Terreiro e a Rua da Ponte, passamos também pela Rua da Várzea, a Rua da Barroca e a Rua do Forno. Esta, que sobe a pique desde a ribeira até ao cimo do povo, já se chamou Rua da Eira, por, quase lá no topo, ter existido uma eira comunitária. O local está agora calcetado.

 

Pereiros

 

É também uma Rua Central, a mais antiga, por onde passavam os moradores do Mourelo ou do Violeiro quando vinham tratar das vidas a São Vicente. Corre o povo quase de Norte para Sul e nela nascem outras mais pequenas para ambos os lados: a Rua da Ribeira, a Rua do Forno, a Rua das Lameiras, a Rua do Barro, a Rua da Laje… todas a provocar a imaginação e a pedir que se contem as histórias de quem por lá andou.

De todas as ruas e recantos dos Pereiros o que mais me encantou foi o Pátio das Cancelas. Não encontrei quem me desse a razão deste nome, mas não custa imaginar que, em tempos passados, fechariam as entradas da povoação com cancelas para protegerem o gado que dormia nas lojas e currais, junto das casas, dos ataques dos lobos esfomeados. Era assim em muitas aldeias isoladas.

 

Foi numa destas casas, agora só paredes que mal se aguentam de pé, que funcionou a escola até aos anos 60 do século passado. Dizem que era uma sala acanhada, cheia de crianças sempre ansiosas pelo toque da campainha. Que animação a daquele Pátio na hora do recreio!

Esta casa, quase de brinquedo, é um exemplo de como se podem aproveitar estas construções antigas para passar uns dias a descansar. Evita-se a derrocada e as terras ficam mais lindas.

(Continua)

M. L. Ferreira 

domingo, 2 de maio de 2021

Produção de seda em Trás os Montes

 No site que se segue podem encontrar um livro em PDF sobre a produção de seda em Trás os Montes. O que vale para aquela região valerá (um pouco) também para nós.

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José Teodoro Prata

quinta-feira, 29 de abril de 2021

O bordado no CCCCB

Pontos do mundo no Centro de Cultura Contemporânea

João Carrega - 29/04/2021 - 11:40

O Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco tem patente, até 13 de junho, a exposição Pontos.pt, que tem na sua génese o Bordado de Castelo Branco e as Tapeçarias de Portalegre.

A exposição estará patente até 13 de junho. Foto: CCCCB

As colchas em bordado de Castelo Branco e as tapeçarias de Portalegre juntaram-se numa exposição patente no centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco, inaugurada no passado dia 25 de abril. Pontos.PT, como foi designada reúne o melhor das duas artes, numa viagem que remonta ao século XVI, e que pode ser percorrida até ao próximo dia 13 de junho.

“Esta é uma exposição que apresenta o que de melhor existe do Bordado de Castelo Branco, desde o final do século XVI até à atualidade”, começou por referir Teresa Antunes, diretora do Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco.

“Nesta mostra fomos também buscar a tapeçaria de Portalegre, que tem o seu ponto”, diferente do do Bordado de Castelo Branco, e que no seu conjunto “são peças simbólicas dos nossos territórios e de Portugal no mundo”, acrescentou Teresa Antunes. Na inauguração marcaram presença os autarcas de Castelo Branco, José Augusto Alves, e de Portalegre, Adelaide Teixeira, os quais sublinharam a importância desta mostra de caráter transfronteiriço, dado que envolve também a parceria da Universidade de Salamanca.

Citado em nota enviada à nossa redação, José Augusto Alves sublinha o facto de “Castelo Branco ser um concelho repleto de história e tradições que sobrevivem ao longo dos séculos e que nos orgulhamos de promover”.

O autarca albicastrense recorda que as colchas de Bordado de Castelo Branco “apresentam desenhos bordados com fio de seda natural e existem desde do século XVI. São, por isso, verdadeiros tesouros que nos orgulhamos de promover”. No entender de José Augusto Alves, ao englobar nesta iniciativa a “tapeçaria de Portalegre estamos a engrandecer esta exposição”.

Comissariada por Ana Pires e Vera Fino, a exposição já foi apresentada em Salamanca, e carateriza-se “pela intensa policromia e luminosidade conferidas pelos fios de seda e pela sua base em linho cru”.

De resto o Bordado de Castelo Branco constitui uma forte aposta da autarquia albicastrense que criou o Centro de Interpretação, com oficina, num edifício histórico situado na Praça Velha, e certificou, em 2018 o Bordado pela Comissão para a Certificação de Produções Artesanais Tradicionais.

Do jornal Reconquista desta semana. Imperdível, pelo bordado de Castelo Branco e pela tapeçaria de Portalegre, mas também pela beleza do edifício (na Devesa, ao lado do do Cine Teatro Avenida). 

José Teodoro Prata

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Bordado de Castelo Branco - 2

Há duas semanas, publiquei aqui o texto do primeiro de três podcasts que fiz para a Rádio Castelo Branco, sobre o bordado de Castelo Branco. Ele serviu apenas de introdução ao texto que hoje vos apresento, este sim recheado de boas informações sobre São Vicente da Beira.

Como imaginar que São Vicente foi, no século XVIII, além de um grande centro de industrial de lanifícios, um dos centros de maior produção de bordado?

Luísa Fernandinho publicou nos Estudos de Castelo Branco, Nova Série, n.º 4, os resultados de uma investigação aos inventários dos órfãos existentes no Arquivo Distrital de Castelo Branco.

Pretendia-se averiguar a existência de colchas de Castelo Branco nestes inventários. Entre os fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX há referência a 160 colchas bordadas a seda nas localidades de Salgueiro, Palvarinho, Malpica, Escalos de Baixo e de Cima, Alcains, Cafede, Monforte, Sarzedas, Vila Velha de Ródão e arredores, Lousa, São Vicente, Tinalhas, Freixial, Póvoa e Mata.

Colchas brancas contam-se cerca de 500, concentradas em Vila Velha de Ródão, Lousa, Alcains, Escalos de Cima e São Vicente.

Há ainda registos de antecamas de vários tipos, destacando-se Monforte com o maior número. Também surgem toalhas de linho bordadas a seda, principalmente na zona de São Vicente.

Além do pano de linho utilizavam-se o pano rei, sobretudo em Alcains, Lousa e Escalos de Baixo e de Cima, principalmente nos inícios do século XIX, e o tecido pita, fabricado a partir das fibras da piteira ou figueira das Índia, usado apenas na Lousa, entre 1807 e 1818.

O valor das colchas bordadas a seda podia atingir os 9 000 réis no século XVIII, mas desceu no século XIX para 4 000 réis. Mas havia colchas a valer 10 a 20 000 réis.

Estes inventários aparentam pertencer a famílias com posses, quer pelos apelidos familiares conhecidos, quer pela quantidade e valor dos bens móveis e imóveis registados.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 21 de abril de 2021

A Guerra Colonial no jornal Pelourinho

 Em fevereiro de 1961 o jornal “Pelourinho” noticiava assim o assalto ao Santa Maria: 


Pouco mais de um mês após este acontecimento, começou a Guerra Colonial; primeiro em Angola, e depois em Moçambique e na Guiné.

Ainda durante o mês de março Salazar faz seguir para Luanda o paquete Niassa com os primeiros militares mobilizados. Eram cerca de dois mil jovens, a maior parte recrutados nas zonas rurais, mal preparados e mal equipados, como já se vira na altura da Grande Guerra (existe muita informação, de fácil acesso, sobre o assunto…).

Da nossa freguesia também foram muitos jovens. Não terá havido nenhuma família que não tenha chorado a partida de um filho ou parente próximo ao longo dos quase 14 anos que durou a guerra. E a tristeza pelos que partiam era partilhada por todos os vizinhos da terra. Por solidariedade, mas também por antecipação, porque quem tinha filhos ainda crianças e jovens, sabia que a vez deles havia de chegar.

Ao longo dos anos que durou a guerra, o jornal “Pelourinho” teve uma coluna em que publicava notícias enviadas de África pelos nossos militares. Chegavam frequentemente, ao longo de todo o ano, mas havia datas em que as saudades doíam mais: o Natal, a Senhora da Orada, a festa do Senhor Santo Cristo.

Partilho alguns recortes que retirei de jornais que me emprestaram. São apenas exemplos que nos contam muito do sofrimento de que, passados quase cinquenta anos, muitos ainda não conseguem falar. As fotografias não são famosas, mas penso que se consegue ler o essencial das mensagens, que, penso, é necessário lembrar para não esquecermos a História e, neste caso, as suas vítimas. 



Maria Libânia Ferreira

domingo, 18 de abril de 2021

O juiz Ivo Rosa e o Processo Marquês

 Não costumo publicar posts sobre a justiça e muito menos sobre política, mas, vi e ouvi tanta coisa sobre o assunto que, desta vez, se me permitem, uso também as redes sociais para botar opinião. É mais uma, entre milhares.

Sobre Sócrates tudo pode ser dito! Parece que ele próprio faz e diz muita coisa sobre si mesmo! Alguém que estudou no ISEC de Coimbra na mesma época e, como ele, também frequentava o café Samambaia no Bairro Norton de Matos, me disse que ele era um pelintra.

Mais ou menos nessas condições, chegou a ministro e depois a primeiro ministro (PM). Uma vez no poder, usou-o para traficar todas as influências que se lhe ofereceram, a fim de subir na vida. Mas uns fazem-no a custo, outros a qualquer custo. E uma coisa, convenhamos, é diferente da outra!

Considero que os políticos em Portugal não são muito bem pagos, embora sobre isto haja imensas opiniões, todas respeitáveis, é claro. Depois de uns anos no ativo, a maioria deles não está pelos ajustes de ficar a receber uma qualquer tença vitalícia para regressar à normalidade da vida. Acham, a meu ver mal, que o País lhes deve "relevantes serviços públicos" e pretendem enriquecer, como se isso fosse um direito que lhes assiste!

Sócrates não foge à regra. E tanto ele como muitos outros — mas, felizmente, não serão todos — usam, enquanto podem, o lugar que ocupam para alcançar esse objetivo! Portanto, na minha ótica, o problema que se põe em relação a estas pessoas é, tão simplesmente, apenas um: EDUCAÇÃO DEFICIENTE. O que parece uma coisa de somenos, mas não é! É a falta de educação que traz o interesse desmedido, a mentira e a desonestidade, que levam a crimes como a fraude e a corrupção, etc.

Por sua vez, é isso que, como se tem visto, vem minando as democracias de tipo ocidental, que dispõem de uma vertente social capaz de se preocupar com os mais desfavorecidos. Embora isso, a maior parte das vezes, seja mais um estado de alma que uma realidade objetiva. Infelizmente!

Ora, Sócrates, pelo seu trajeto na política, será como tantos outros. Mas parece ser o político português a quem mais tem sido apontada uma conduta duvidosa, por factos pouco ou nunca devidamente esclarecidos. Basta lembrar o episódio das habilitações académicas! Depois, aparece com milhões de euros nas suas contas bancárias, sem que, até hoje, tenha conseguido explicar a sua origem! E aí está toda a questão, porque, a obtenção de vantagens indevidas, sobretudo enquanto desempenhou o cargo de PM, sem dúvida que na nossa justiça é tratada como um tipo crime. Em face dessa realidade ele tem que mentir, distorcer, usar subterfúgios, desculpas esfarrapadas, etc. Pelo que se diz o Processo Marquês está cheio de tudo isso, de imensas contradições!

Além disso, sobre Sócrates, sabemos muitas outras coisas, tão pródiga, sobre o assunto, tem sido a comunicação social. Sabemos por exemplo que Sócrates teve um Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro — não sei se nomeado pelo seu governo — que nunca o investigou. O antigo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, mandou destruir provas do caso Freeport. Talvez o tenha feito dentro da sua competência de magistrado. Não duvido. Mas há uma coisa que não devemos desconhecer: é que estes dois senhores estiveram no lançamento de um livro do antigo PM, onde, creio eu, não deviam ter comparecido, atentos os cargos que desempenhavam. De facto, não se tratava de qualquer sessão solene de Estado!

A este propósito, tem-se constatado que das coisas mais reveladoras da falha de personalidade deste homem, é ele publicar livros sem os ter escrito e de comprar parte da edição (com os tais milhões) para aparentar grandes tiragens!

Com todas as dúvidas que o comportamento de Sócrates levanta, mas, enquanto político, ele está — deve estar— sujeito ao escrutínio do povo que o escolheu (ainda que indiretamente), e pode-se fazer um juízo ético.

Posto isto, deve acrescentar-se que outra coisa é a justiça, que tem uma forma muito própria de tratar dos seus assuntos e que as pessoas muitas vezes não compreendem. Desde que o juiz Ivo Rosa fez, há dias, a leitura do despacho de instrução, que muitos concidadãos nossos, se têm manifestado. E a maioria fê-lo contra aquele juiz. Inclusivamente, circulam notícias sobre um abaixo- assinado com vista à sua destituição!

Em palavras mais simples: por que razão a justiça não conseguiu deitar a mão a Sócrates e até agora apanhá-lo? Pela razão de que a justiça não pode julgar por simples desconfianças. Nem pode assentar as suas condenações sobre contradições. Por conseguinte, sem factos com prova, ninguém pode ser condenado! E é isto que deve acontecer numa sociedade civilizada. É isto que nos distingue da barbárie! Quem não sabe um pouco de Direito não compreende estas aparentes injustiças e classifica decisões como a do juiz Ivo Rosa como protetoras dos ricos e poderosos. E não é disso que se trata. O que é dito a um estudante de Direito é que vale mais soltar 10 culpados que condenar um inocente! Daí que tenha chegado até nós um sábio princípio latino "in dubio pro reo" que, praticamente toda a gente conhece. Neste sentido, é ainda um sinal civilizacional o facto de, em processo penal, ser o Estado a ter que provar a culpa e não o agente do crime a sua inocência.

Sucede ainda outra coisa: as pessoas parece que estão a passar por cima da acusação de CORRUPTO, que, perante todo o país, o juiz Ivo Rosa fez a Sócrates! E que, esse mesmo juiz, o pronunciou e leva a julgamento por 6 crimes de branqueamento de capitas e falsificação de documentos!

Dito isto, não consigo descortinar muito bem a razão do ar de vitória que o arguido Sócrates afivelou na sua própria cara! Para mais, tratando-se de um antigo PM. Uma pessoa com educação teria vergonha! Embora seja mais que adquirido que o descaramento é mais uma das características da falha de personalidade deste sujeito. Por tudo isto, na minha ótica, o juiz Ivo Rosa, andou bem.

Resta apenas dizer que, todavia, foi dito — não sei se por alguém que conhece o processo — que o referido juiz contou os prazos de prescrição dos crimes de corrupção a partir do primeiro ato. Se bem creio, nos crimes continuados, esse prazo deve ser contado do último ato. Há quem aponte, por isso, um erro técnico do juiz Ivo Rosa, do que eu duvido. Em todo o caso, se assim for, não creio que se tenha tratado de um erro deliberado. (a)

Finalmente, quero dizer que, da mesma forma que devemos confiar na seriedade do juiz Ivo Rosa (noutros, como Rangel, nem tanto!), também devemos acreditar, em geral, na nossa justiça. E que o arguido ainda poderá vir a ser julgado pelos crimes agora declarados prescritos. Aguardemos, com serenidade, o que, sobre o assunto, tem a dizer o Tribunal da Relação.

JOSÉ BARROSO

(a) Entretanto, fui informado de que a contagem desse prazo foi fundamentada num polémico Acórdão do Tribunal Constitucional.