sábado, 24 de junho de 2023

O homem do fato de canela, os três seios e o mais que se verá

 

[Dedico este escrito aos dois pilares deste Dos Enxidros, o Zé do tio António, o pilar maior, e a M. Libânia, pilar quase da mesma estatura].

O homem chama-se Manuel da Silva Ramos e publicou ultimamente Grito de liberdade na Rua da Cale (ed. Parsifal, Nov. 2022). Cruzámo-nos, faz tempo, ali na avenida Guerra Junqueiro, indiferentes, cada um na sua vida. Ao livro, cheguei pelo título e pela soberba fotografia, na capa, dessa rua que chegamos a sentir como nossa, no Fundão.

Li com prazer o livrinho, onde se respira o ar do Fundão (e de certas envolventes, humanas e geográficas, que também conhecemos) em três escritos de temas e tempo distintos. Uma obra que, na criação e/ou na edição teve o apoio da senhora Câmara Municipal do Fundão, que se saúda. Conservo o meu exemplar; que me há-de servir no futuro, como direi mais adiante. 

Eu gosto do que vai publicando este senhor, nascido no Refúgio, sem me impressionar com uma certa linguagem desbragada, que usa com alguma frequência, na forma de palavrões vários, desses que se ouvem por aí a cada passo. O livro com que debutou foi Os três seios de Novélia, um dos quatro textos ali reunidos (Prémio de Novelística Almeida Garrett, 1968), que não li ao tempo da edição, está ali na fila para uma leitura antes do Verão. 

Sabido quem é o senhor, vamos ao fato de canela. Há uma meia dúzia de anos, pouco mais, tendo gasto meias solas a procurar um certo livro, sem conseguir achá-lo por estas bandas (Lisboa e envolvente geográfica), pedi a uma mãe e filha que foram à Covilhã tratar da vida, que o desencantassem nalguma livraria, ali, ou no Fundão, ou em Castelo Branco. Regressaram-me ambas com o recado por fazer, isto é, sem um exemplar do dito e sem terem desencantado estabelecimento livreiro por aquelas bandas. Será que não existiam há coisa de 10 anos? Do livro conservo de memória o título, que aqui deixo registado: Pai, levanta-te, vem-me fazer um fato de canela! (ed. A23 Edições, 2013). Um achado, não é?

O livro ficou por ler, mas ainda há esperança. Aqui vai: se V. que me lê tem um exemplar do Pai, levanta-te, vem-me fazer um fato de canela!, aceite uma troca com o meu Grito de Liberdade na rua da Cale. Conto com notícias nos próximos 15 dias, para podermos avançar com a permuta.

Tinha mais para dizer, mas fico por aqui, porque devem ser curtos os escritos nos blogues. Voltarei ao senhor Manuel, do Refúgio, um dias destes, com uma história que acompanhei, envolvendo outro dos seus livros. Até lá.

J. Miguel Teodoro

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Agricultura regenerativa

 Um estudo recente projeta para 2100 um clima semiárido para dois terços do território português, com subida da temperatura média em 6 graus e metade da chuva atual, pois em cada 10 anos haverá 7 de seca. Castelo Branco terá um clima semelhante ao do sul de Beja.

Perante este cenário, só temos uma saída: não é reclamar água para a agricultura que se quer fazer, é fazer a agricultura que se pode fazer com a água que se tem. 

Nesse sentido, as universidades e alguns agricultores têm apostado num novo conceito para o aproveitamento dos solos: a agricultura regenerativa, baseada nas práticas agrícolas tradicionais da bacia do Mediterrâneo.

As chuvas serão cada vez menos frequentes e mais intensas. O solo é o maior reservatório, mas em Portugal os solos são pobres e, por isso, têm pouca capacidade de retenção da água. O que a agricultura regenerativa defende é aumentar a matéria orgânica na terra para esta criar as condições para uma maior absorção da chuva.

Os animais da pastorícia comem as ervas e deixam o estrume. A matéria orgânica comporta-se como uma esponja na absorção da humidade e tem de se apostar em árvores pouco exigentes em água.

Por outro lado, é aconselhável lavrar a terra o menos possível, pois a consequente exposição da terra nua ao sol descontrola por completo a microbiologia, uma vez que no tempo quente a superfície da terra lavrada atinge uma temperatura muito superior à terra com cobertura vegetal.


PS: Fiz este texto para um podcast recentemente emitido na Rádio Castelo Branco. Podia indicar-vos links para lerem notícias interessantes sobre este tema, mas os jornais não dão acesso livre ao público, pelo que é preferível escrever agricultura regenerativa no Google e escolher de entre o que aparecer.

Há anos, nos Cebolais, o senhor que costumava ir lavrar a pequena horta dos meus sogros disse-me que só lavrava um pedacito para fazer horta e nas oliveiras bastava cortar a erva. Depois comecei a fazer a mesma coisa no Ribeiro Dom Bento e já concluí que é o mais correto, pois a terra absorve mais água, retem por mais tempo a humidade e não aquece tanto.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Boletim Climático de Portugal Continental, Maio

 O mês de maio de 2023 foi o 2º mais quente a nível Global e o 8º mais quente desde 1931 em Portugal Continental, conheça as principais conclusões do boletim climatológico de maio.

A nível global, maio foi o 2º mais quente de sempre (mais quente em 2020). A temperatura média global em maio foi 0.40 °C superior ao valor médio 1991-2020 (Fig. 1). Na Europa a o valor médio da temperatura média do ar foi muito próximo do valor médio 1991-2020 (-0.01 °C). Verificaram-se condições um pouco mais quentes do que a média nas zonas mais a oeste do continente e um pouco mais frio que o normal nas partes central e leste. Verificaram-se valores muito acima do normal apenas no extremo nordeste do continente. Em relação à precipitação na Europa, verificaram-se condições mais húmidas do que a média na maior parte do sul da Europa e no oeste da Islândia; fortes precipitações levaram a inundações na Itália e nos Balcãs Ocidental. Por outro lado, verificaram-se condições mais secas que a média na maior parte da Península Ibérica, na Dinamarca, nos países Bálticos, no sul da Escandinávia e em grande parte do oeste da Rússia.

Em Portugal continental o mês de maio de 2023 classificou-se como muito quente em relação à temperatura do ar e muito seco em relação à precipitação (Fig. 2). Foi o 8º maio mais quente desde 1931 (mais alto em 2022, 19.2 °C); valor médio da temperatura média do ar, 18.19 °C, +2.47 °C em relação ao valor normal 1971-2000. De referir que dos 10 meses de maio mais quentes, 7 ocorreram depois de 2000.

O valor médio da temperatura máxima foi o 10º mais alto desde 1931 com um valor médio de 24.55 °C, 3.60 °C acima do valor normal e o valor médio da temperatura mínima foi o 7º mais alto desde 2000 com um valor médio de 11.84 °C, 1.34 °C superior ao valor normal. Durante o mês destacam-se os valores diários da temperatura máxima do ar, quase sempre acima do valor médio mensal, sendo de realçar os primeiros 3 dias com desvios superiores a 5 °C; na temperatura mínima de referir os valores sempre superiores à média a partir de dia 23.

Em relação à precipitação, registou-se um total 34.8 mm que corresponde a 49 % do valor normal, valores inferiores aos deste mês ocorreram em 25 % dos anos, desde 1931. Durante o mês destaca-se o período de 26 a 31 de maio com ocorrência de aguaceiros, por vezes fortes, de granizo e acompanhados de trovoada, em especial na região interior Norte e Centro.

De acordo com o índice de seca PDSI, no final de maio 35 % do território encontrava-se em seca severa e extrema (26 % e 9 % respetivamente) afetando especialmente as zonas do vale do Tejo, do Alentejo e do Algarve; de realçar também o aumento da classe de seca moderada na região Norte e Centro.

Ler mais em: https://www.ipma.pt/pt/media/noticias/documentos/2023/Boletim_clima_IPMA_Mai2023.pdf


O dramático é o vermelho nos oceanos e o vermelho forte junto aos polos. As águas dos oceanos estão a aquecer dramaticamente e nos polos os gelos derretem a um ritmo cada vez mais acelerado.


José Teodoro Prata

domingo, 11 de junho de 2023

Prontos para os fogos

 

Carvalhal Redondo, caminho do Caldeira para as Quintas

José Teodoro Prata

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Estalinhos

 

Para muitos de nós, que nos criámos sem grandes brinquedos, as plantas eram o que tínhamos mais à mão para as nossas brincadeiras.

Na primavera era uma festa, com tanta variedade de formas, cores, cheiros, sabores, texturas…. Comíamos algumas, doces como mel; outras, amargosas que nem vinagre. Fazíamos colares e grinaldas para fazermos de princesas, e desfolhávamos malmequeres para saber se éramos correspondidas na inocência dos primeiros amores.

No mês de maio floriam os estalinhos, mesmo a tempo da festa do Corpo de Deus. Era uma altura em que o povo se unia, mas também rivalizava no empenho que punha na variedade de desenhos e cores com que tecia os tapetes que se desenrolavam pelas ruas por onde passava a procissão.

Nós, as crianças, ajudávamos no trabalho, mas aproveitávamos também esta flor para brincarmos e fazermos os nossos jogos: arrancávamos os “dedais” da planta, apertávamo-los pela boca e batíamos com eles na testa ou na mão a ver quem fazia o estalinho mais sonoro.

Tudo era bom para a brincar, como às vezes nos ralhavam os nossos pais. Mas diziam por dizer, por não quererem confessar que também já tinham tido as mesmas brincadeiras, herdadas dos mais velhos sabe-se lá desde quando.

Com a geração dos nossos filhos os jogos e brincadeiras tornaram-se completamente diferentes. Na dos nossos netos (quem os tem…), nem é bom falar. É verdade que há muitas e boas exceções, e as tecnologias têm as suas vantagens, mas as práticas que nos entram frequentemente pelos olhos levam-nos a temer que muitas das crianças atuais se tornem, no futuro, completamente analfabetos motores, sociais e emocionais. Também muito limitados em imaginação e criatividade. Isto num tempo em que as ciências que estudam estes fenómenos do desenvolvimento humano na sua globalidade poderiam dar uma ajuda para tornar os indivíduos mais equilibrados e o mundo bastante melhor. Só que não estamos a dar-lhes a devida atenção.     

M. L. Ferreira


Digitalis purpurea L., comummente chamada dedaleira, pelo formato de suas flores que lembram dedais, é uma erva lenhosa ou semilenhosa da família Scrophulariaceae, nativa da Europa.

Os nomes troques e tróculos, que também a designam, têm origem onomatopaica e são alusivos à prática popular de fazer as flores desta planta estoirarem, fechando-lhes o bocal com os dedos e esmagando o resto da flor com a outra mão, por molde a produzir um baque sonoro. Como refere a Libânia, nós usamos antes o termo estalinhos.

Das folhas secas das plantas extrai-se a Digoxina, substância que é utilizada para fazer medicamentos para diversos problemas do coração, como insuficiência cardíaca congestiva, fibrilação arterial e em alguns casos, arritmia cardíaca.

José Teodoro Prata

(Fonte: Wikipédia)

domingo, 4 de junho de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Marques Neto

José Marques Neto nasceu em São Vicente da Beira, no dia 14 de agosto de 1892. Era filho de António Marques e Maria Neta, proprietários.

Assentou praça no dia 12 de julho de 1912 e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, em 14 de janeiro de 1913. De acordo com a sua folha de matrícula, sabia ler e escrever corretamente na altura da incorporação e tinha a profissão de ferrador. Completou a recruta em 3 de abril e regressou a São Vicente da Beira.

Foi mobilizado para a guerra e apresentou-se novamente, em 5 de maio de 1916, para integrar o CEP. Embarcou para França no dia 20 de janeiro de 1917. Fazia parte do Comboio Automóvel, 3.ª Secção, do Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado, com número 143 e a placa de identidade n.º 19703 (alterada posteriormente para 20483). Foi colocado no 1.º Grupo Automóvel com as funções de motorista.

Do seu boletim individual consta o seguinte:

a)  Castigado pelo comandante da companhia, com 5 dias de prisão disciplinar, em julho de 1917, por ter discutido com um camarada, tendo-o insultado com palavras obscenas e atirado com um martelo que ia atingindo um militar do mesmo escalão;

b)  Seguiu em diligência para a direção do comboio, em 7 de agosto de 1917;

c)  Colocado no 1.º Grupo Automóvel (1.º escalão), em 2 de abril de 1918, onde ficou com o número 212;

d)  Regressou a Portugal, no dia dois de maio de 1918.

Passou à reserva ativa no dia 11 de abril de 1928 e à reserva territorial em 31 de dezembro de 1933.

Família:

Após ter regressado à terra, José Marques casou com Maria do Nascimento Ferreira, também natural de São Vicente da Beira, no dia 15 de setembro de 1920, e tiveram dois filhos:

1.     José Maria Marques Neto que casou com Maria Rosa Sousa e tiveram 1 filha;

2.     António Marques que casou com Maria Alice Lourenço e tiveram 2 filhas.

Antes de partir para França, José Marques tinha a profissão de ferreiro. Terá depois trabalhado também como carpinteiro e agricultor, inicialmente na Casa Visconde de Tinalhas e depois nas terras que foi adquirindo e herdou dos pais. Foi produtor e negociante de azeite e, durante algum tempo, empreiteiro de obras públicas. Em sociedade com o irmão António Neto, terá sido responsável pela construção do troço da Estrada Nova, entre a Oriana e o Bairro de São Francisco.

Foi mesário da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente, exercendo os cargos de secretário e tesoureiro em vários mandatos.

Após a morte da esposa, em 1973, José Marques ainda permaneceu alguns anos em São Vicente, mas, já mais idoso, foi morar para o Fundão, onde viveu com a família do filho António. Foi lá que faleceu no dia 9 de maio de 1994. Tinha quase 102 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração da neta Filomena Maria Marques)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

domingo, 28 de maio de 2023

Romaria da Senhora da Orada

Hoje é dia da romaria da Senhora da Orada e eu vou faltar. Sinto-me como o Miguel Torga, que, num trecho que li ontem, dos seus diários, escreveu sentir-se cheio de remorsos por ter ido a São Martinho de Anta a meio de dezembro e não ter ficado para passar o Natal. E nem os seus oitenta anos lhe serviam de consolo, preocupado com a solidão que os seus mortos iriam sentir sem o conforto da lareia acesa, na noite da consoada.

O dia está chuvoso. Recordo como se fosse hoje certas romarias em que a chuva não despegava por aqueles dias e tínhamos de ficar em casa. Vislumbro com total nitidez um dia de muita chuva em que desci as escadas da casa da Tapada e fiquei parado à porta a olhar a chuva miudinha, com pena de perder a festa.

A minha romaria é a das cabeçadas no cruzeiro, para ouvir os sinos de Roma; são as giestas vergadas de flores amarelas, pelo caminho e nas encostas da capela; os sons da aparelhagem e da banda; as barracas que vendiam medalhas de açúcar com a imagem da Senhora; aquele muro tão alto onde me sentava a medo, com um leirão de milho lá ao fundo, a que o Insa (?) cortava uma faixa, para passar a procissão; o pontão de madeira entre o recinto e a fonte, a vergar com o peso de tanta gente a querer saciar-se com a água milagrosa; a amoreira frente à capela, que na festa nos dava sombra e nos pintava a roupa domingueira nos passeios de Verão; o tio João da Cruz, mais o Insa e o sr. António Remoaldo, os festeiros das Quintas,  atarefados de um lado para o outro (por isso não gostei daquela pedra de lagar colocada há anos com os nomes de uma só comissão de festas, que fez obras de vulto, mas cuja simples existência menospreza, mesmo sem querer, a obra de tantos festeiros do passado, eles também com obra relevante).

Relembro uma conversa que tive com o ti Joaquim Teodoro, já perto dos seus 100 anos, ele que foi o último ermitão que ali viveu como rendeiro da Casa Cunha. Falou-se da história da capela e dos milagres da Senhora que deram nomeada à ermida. E outros ermitões que depois fui encontrando nas minhas pesquisas históricas. Alguns deles achados ocasionalmente, pois alguém lhes deixara à porta um recém-nascido, para eles criarem ou levarem à Câmara, que os entregava à rodeira. Aquele ermo era de facto o lugar ideal para abandonar uma criança, embora sempre me tenha intrigado como fariam para iludir os cães da casa, que os haveria necessariamente.

Mas nos anos da minha infância, a romaria era um dia triste para todos, porque tínhamos pais, maridos e irmãos emigrados em França ou na guerra do Ultramar. Os sermões acabavam invariavelmente a remexer-nos essa chaga, como se ela não doesse já o suficiente. Mais tarde, já eu adolescente, o meu primo Tó Inês foi ferido na Guiné, precisamente no dia e hora da festa da Senhora da Orada, num ataque em que ele foi o único sobrevivente do veículo em que seguia. Esteve meses no hospital e só voltou à terra na sexta-feira santa do ano seguinte. Era (faleceu há poucos meses) um rapaz simples, muito amigo e religioso, como o pai dele, o ti Zé Lopo, dizia a minha mãe. Ele atribuía a sua sobrevivência à proteção da Senhora da Orada.

Nesses anos eu não ia à romaria, pois estava no seminário. Só vim uma vez, porque o Pe. Jerónimo nos deu boleia. Penso que além de mim vieram o Chico Barroso e o Zé Augusto. E ainda coube pelo menos um amigo nosso, que se embebedou e nós à rasca cerca das 17 horas, na Praça, ponto de partida combinado com o motorista. Valeram-nos a Teresinha e a Mila Matias, bondosas como a mãe, que o levaram a casa e lhe fizeram um café bem forte. Metemo-lo no carro quase em coma e felizmente dormiu toda a viagem.

Não vos demoro mais, que já estais atrasados. Quanto a nós, vemo-nos por lá qualquer dia!

José Teodoro Prata