sábado, 3 de fevereiro de 2024

Mais uma corça lusitana

 No livro Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, mais propriamente na novela Maria Moisés, refere-se a origem do topónimo Santarém.

Já aqui escrevemos sobre o culto da corça pelos Celtas (0s Lusitanos eram Celtas) e da sua presença nas lendas de São Pedro de Vir-A-Corça, Monsanto, e da Senhora da Orada, São Vicente da Beira.

Mas vamos então ao Camilo:

O rei da Lusitânia Gorgoris teve uma filha que se apaixonou por um homem de baixa extração. O que denunciou estes amores foi, diz Bernardo de Brito em uma palavra de cunho português de lei, foi a «emprenhidão».

 - Credo! Que palavra! – exclamou com engulho D. Maria Tibúrcia.

- Não parece palavra de pessoa eclesiástica! – notou a outra senhora não menos escandalizada.

O mano Teutónio, como tinha piscado o olho direito ao cónego, ria-se, e o cónego, com a maior gravidade, disse:

- Minhas senhoras, os antigos faziam as coisas e diziam-nas; hoje em dia a civilidade não permite dizê-las. Ande lá com a filha de Gorgoris, sr. desembargador.

- Deu ela à luz um menino, que o avô deitou às feras; e, como as feras o não comessem, atirou-o ao Tejo. Foi o menino encontrado no sítio que hoje chamam Santarém; e, como quer que uma corça lhe desse o primeiro leite, chamou-se o menino Abidis, e daí veio chamar-se o lugar Esca Abis (manjar de Abidis), e, corrupto, Scalabis, etc.

Notas:

Frei Bernardo de Brito (1569-1617) escreveu uma monumental História de Portugal, em oito volumes, chamada Monarchia Lusitana. É a ela que o desembargador se refere para explicar a origem do nome Santarém.

Nestas 3 situações em que intervém uma corça a amamentar um bebé nascido de uma gravidez indesejada (no caso da nossa Orada, a corça alimenta a moça ainda grávida), a corça é como uma mãe que se dá num amor incondicional. Seria essa a caraterística que os Celtas atribuíam à corça, no culto que lhe prestavam?

José Teodoro Prata

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Festa de São Vicente e São Sebastião

É um santo bem esquecido dentro da Igreja Católica, o nosso São Vicente (há muitos santos Vicente, o nosso é o de Saragoça). Nas Jornadas Mundiais da Juventude falou-se nele, pois é o padroeiro de Lisboa, a sede do patriarcado em que se realizaram as jornadas. Mas a net (não estive cá na altura) dá-me informações pouco substanciais do que foi dito.

Nós próprios o largámos de mão, logo no século XVII, quando o trocámos por Nossa Senhora como padroeira da nossa igreja. Ele nem padre era, apenas um diácono (grau anterior à ordenação sacerdotal), quando foi preso, torturado e morto pelos romanos, por teimar entusiasticamente em proclamar a sua fé em Cristo (o bispo da sua diocese foi apenas exilado).

Vicente, tal como muitos outros mártires cristãos da Hispânia, tornou-se logo um símbolo da resistência dos cristãos às perseguições e um exemplo de fé para os não cristãos (a maioria da população; na região onde vivemos ainda quase nem chegara o Cristianismo).

O seu culto foi crescendo, tornando-se um dos santos mais adorados pelos romanos, depois pelos visigodos e, a partir dos inícios do século VIII, pelos cristãos que persistiram em manter a sua fé cristã, sob domínio muçulmano (a maioria converteu-se ao Islamismo), os moçárabes. A zona da nossa freguesia seria um dos locais onde o seu culto era bem forte no período da Reconquista, sendo por isso que logo se restaurou a povoação ali existente e lhe foi dado o nome do santo, São Vicente. E durante a Idade Média havia feira franca em São Vicente da Beira, no dia 22 de janeiro, o dia da sua festa.

Como acima escrevi, trocámo-lo por Nossa Senhora como divindade protetora e a sua festa realiza-se agora em conjunto com a de São Sebastião, que tem poderes de proteger contra as pestes (ontem, à porta da capela, alguém enrolava uma fita vermelha ao pescoço e dizia que o santo o protegia das bichas) e promove a partilha cristã, pela realização de bodos para os pobres, ainda ontem simbolizado pela distribuição de papos-secos, tremoços e filhós (estavam boas).

Terminada a cerimónia religiosa, o simbolismo do bodo de São Sebastião prolongou-se por um almoço-convívio na Casa do Povo, que encheu o salão e se prolongou pela tarde. Obrigado ao Hélder Agostinho que penso ser o mordomo de São Sebastião e coordenou toda a festa religiosa e profana, obrigado extensivo à sua família e a todos, muitos, que se fartaram de trabalhar para proporcionar à nossa comunidade este momento de convívio e partilha.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O nosso falar: lambeteirice

 Estava num hipermercado com a minha mulher e, esgotada a lista de compras, perguntei-lhe:

- Não compramos nenhuma lambeteirice?

Que palavra! Na casa dos meus pais usavamo-la como sinónimo de guloseima, no sentido pecaminoso do termo (pretendia-se repreender a ato já praticado ou apenas desejado de gulodice).

Neste palavra, a net fica quase muda quando lhe pergunto. Só me mostra o lambeteiro, o mesmo que lambeta: mexeriqueiro e delator (Brasil), bajulador e adulador.

A lambeteirice lambe-se, se o guloso se controlar, claro. Em sentido figurado, o mesmo faz o bajulador e o adulador.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Pelas brumas da Gardunha

 

O velho petrus


Ternura entre seres imperfeitos


Ave esculpida no granito


Fotos, legendas e título do Francisco Barroso

José Teodoro Prata

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Sobre a importância da Língua Portuguesa

Uma das coisas que me entristece muito é a dificuldade que tenho em manter uma conversa normal com os meus familiares que vivem no estrangeiro, principalmente os meus sobrinhos que já por lá nasceram. Os pais, por razões que percebo, deixaram-se levar pelo receio das mentalidades xenófobas dos países de “acolhimento”, que, por muito que disfarçassem, mais não cuidavam que da força dos braços dos emigrantes, ignorando (ridicularizando até) dimensões importantes da sua cultura. Foi o caso, por exemplo, da Língua Portuguesa, que quase desapareceu dos lares de muitas famílias que vivem lá fora.

Portugal poderia ter criado condições que evitassem esta situação, mas, mesmo sabendo que a Língua Portuguesa é um dos principais elos entre muitos milhões de pessoas, e que havia que cuidá-la, muito ficou por fazer.

Tenho andado a ler o livro de Seixas da Costa «Antes que me Esqueça», em que, para além da insinuação dos muitos almoços e jantares a que o Corpo Diplomático tem de assistir, aborda temas/episódios curiosos sobre as relações entre os diversos países e instituições.

Num dos textos, a que chamou “Demasiada memória” fala da sua missão em Angola na década de 1980: conta alguns problemas que existiam a propósito da liberdade de expressão na imprensa (sempre tão atual!), e termina a falar na importância da nossa Língua, comum a tanta gente. É este trecho que partilho com quem não conhece o livro:

«… À época, os editoriais do Jornal de Angola contra Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir, de modo a que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório que se via como de escassa eficácia. Por isso líamos matinalmente essas colunas agressivas e através delas íamos apenas medindo a febre de acrimónia contra Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como de facto acabou por suceder.

Um dia vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê. Nele se referia que Portugal, como «o miserável país das caravelas decrépitas» era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em Angola nenhuma herança positiva.

Sem consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto. Era um jornalista e escritor de algum mérito, nascido em Portugal (…).

Disse-lhe que tinha lido o seu texto com interesse e queria felicitá-lo pelo mesmo. Do lado de lá da linha a resposta foi a esperada: «Você está a gozar comigo?» Respondi-lhe que não estava e que o artigo, cuja liberdade de apreciação sobre Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição de que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo. Até pela deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso. Pelo que decidi explicar: «O seu artigo, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu país, (…), está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma leitura crítica do comportamento do meu governo. Embora eu não concorde rigorosamente em nada com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que você está no pleníssimo direito de exprimir aquilo que pensa, embora eu imagino o que “por aí iria”se lá em Lisboa, o Diário de Notícias (…) se abalançasse a escrever uma coisa de natureza similar sobre o governo angolano, Mas não é essa hoje a minha questão. O que eu queria sublinha é que o texto está redigido num português exemplar, numa escrita de grande elegância estilística. Ora, você, diz nesse mesmo texto que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um editorial em quimbundo, em umbundo ou em chócue, que qualquer angolano que saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o Jornal de Angola? Que outra língua une hoje politicamente Angola? Esta é ou não é uma herança do tempo colonial?

(…)»

Claro que este texto pode levantar algumas questões relacionadas com a colonização ou as relações bilaterais, mesmo depois da independência; mas a razão por que o trouxe foi por comungar da ideia que nos dá de que, o maior legado que deixámos pelos lugares onde andámos, foi a Língua Portuguesa.

Quem é que, andando por fora do país, não vira logo a cabeça se ouve alguém a falar a nossa língua? É uma sensação estranha, mas de conforto…

M. L. Ferreira