domingo, 26 de abril de 2015

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Nascer de boca aberta

Por causa da tua avó é que a minha mãe teve um menino que nasceu de boca aberta.
Eram irmãs, a tua avó e a minha mãe, e sempre foram muito chegadas uma à outra. A tua avó era a mais velha e foi ela que ajudou a criar os irmãos enquanto os pais andavam por lá, a trabalhar no campo. Criaram-se ambas cá na Partida, mas quando a tua avó se casou foi morar para S. Vicente porque o homem era de lá. Uma vez, por alturas das Festas do Verão, já a minha mãe se tinha casado também e estava no fim do tempo do primeiro filho, chega a casa da mãe dela e diz-lhe assim: Eh minha mãe, hoje é que a nossa Piedade lá há de ter uma sopa de grão boa! Quem me dera cá uma malga dela!
Com medo que a filha ficasse de desejos e o menino nascesse defeituoso, a mãe foi de cá, fez também uma panela de sopa e foi-lha levar a casa. Ela comeu uma malga cheia, mas mesmo assim parece que não ficou satisfeita. Quando o menino nasceu vinha aguado, de boca aberta, e morreu passado pouco tempo. É que a mãe tinha comido a sopa de grão, mas o que ela tinha cobiçado era a sopa da irmã, com que se tinha criado.
Dizem que as crianças ficam aguadas quando cobiçam alguma coisa que veem alguém a comer e não lhes dão um poucochinho. Começam então a andar com fastio e a ficar pasmadas, sempre de boca aberta e olhar mortiço. Podem mesmo morrer se não se lhes acudir a tempo.
Para curar o mal tem que se pedir sopa a cinco ou sete vizinhas (o número tem de ser pernão). Misturam-se todas e dá-se um bocado a comer à criança; o resto dá-se a um gato. Se o gato aparecer morto ou desaparecer, é porque a criança andava mesmo aguada, mas vai ficar curada. Se não, pode ser outra coisa qualquer, por exemplo mau-olhado…

M. L. Ferreira

Nota: Esta história foi-me contada há dias, na Partida, por uma prima, filha de uma irmã da minha avó. Achei-a deliciosa, principalmente por ter acontecido há tantos anos e falar um pouco da minha avó que nem conheci.
Atualmente ainda há quem acredite nestas coisas (há pouco tempo bateram-me à porta a pedir a tal sopa). Mas não admira, porque as pessoas quando estão desesperadas, principalmente com a saúde dos filhos, acreditam e recorrem a tudo; até a bruxarias. 

3 comentários:

José Teodoro Prata disse...

O que é um número pernão?

Anônimo disse...

Curta, mas bela, esta história!
Usamos muito aquela expressão: "...foi (ou fui) de cá...", para dizer que se iniciou alguma acção. Giro!
O texto de há uns dias, do JMT, é um bocado de toucinho, de facto, mas com muita febra.
Ó Zé T., um número pernão é um número ímpar!

Abraços.
ZB

José Teodoro Prata disse...

Zé Barroso:
Obrigado pela informação.
Sei que hoje não podemos contar com a Libânia, festeira de uma festa de Santa Bárbara cheia de trovoada (pelo menos aqui em Castelo Branco).